28/10/2013
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03h00
Gestão de reservas de Libra deveria ser exclusiva do Estado, diz 'pai do pré-sal'
ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO
As reservas de Libra são estratégicas e o Estado deveria ter contratado a
Petrobras (que as descobriu) para operá-las em 100%. A opinião é de
Guilherme Estrella, 71, considerado o "pai do Pré-Sal" (ele não gosta
dessa denominação, pois diz que o mérito é de uma equipe).
Ex-diretor de Exploração e Produção da Petrobras, o geólogo que mapeou a
megareserva faz críticas ao leilão realizado há uma semana e alerta
para problemas no interior do consórcio que vai extrair o petróleo
(Petrobras, a anglo-holandesa Shell, a francesa Total e duas estatais
chinesas).
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Daniel Marenco/Folhapress |
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O ex-diretor da Petrobras, Guilherme Estrella, chamado de 'pai do pré-sal' |
Para ele, as grandes empresas petrolíferas mundiais, inclusive a
Petrobras, representam e defendem os interesses de seus países. "Energia
é fator crítico da soberania e do desenvolvimento de qualquer país. Há,
portanto, um potencial conflito de interesses geopolíticos
absolutamente inerente à presença de estrangeiros numa gigantesca
reserva petrolífera como é Libra. Se vai eclodir, não sei. Mas que está
lá, está.", afirma.
Nessa entrevista, concedida por e-mail, ele fala da descoberta do
Pré-Sal, de desafios tecnológicos e expõe suas dúvidas sobre a
exploração do xisto nos EUA.
Folha - Por que o sr. foi contrário ao leilão de Libra?
Guilherme Estrella - As minhas críticas concentraram-se no
aspecto estratégico para o Brasil. Trata-se de gigantesco volume de
petróleo, agora compartilhado com sócios que representam interesses
estrangeiros --de potências estrangeiras--, sobre cujo alinhamento com o
posicionamento geopolítico de um país emergente da importância do
Brasil não temos a menor garantia.
A Petrobras, que mapeou a estrutura de Libra e perfurou o poço
descobridor, como empresa controlada pelo Estado brasileiro, deveria ter
sido contratada diretamente, como permite o marco do Pré-Sal. Aliás, a
inclusão desta alternativa teve como causa a eventualidade de se tratar
com reservas cujas dimensões tivessem valor estratégico para o Brasil, e
este é inquestionavelmente o caso de Libra.
O leilão foi um erro estratégico? Foi lesivo ao país?
Não afirmo que tenha sido um erro estratégico, tampouco que tenha lesado
os interesses do país. O que defendo é que a decisão do governo em
fazer o leilão de Libra, em vez de contratar diretamente a Petrobrás,
como prevê o marco justamente para situações excepcionais --como é
Libra--, deveria ter sido discutida com a sociedade e também com a base
de apoio do governo no Congresso Nacional.
Nesta discussão, todos os motivos que suportam a decisão do governo
seriam conhecidos e a discussão poderia levar a um consenso ou não, caso
em que o governo tomaria sua decisão, conforme lhe garante a lei.
Como isto não aconteceu, com os dados e informações que estão
disponíveis, construo minha opinião, que é a mesma de muitos outros
cidadãos brasileiros: de que, concretamente, a contratação direta da
Petrobrás para desenvolver e produzir Libra seria a melhor estratégia
brasileira, diante do papel destinado ao Brasil no cenário geopolítico e
energético mundial ao longo, no mínimo, desta primeira metade do século
21.
A Petrobras poderia operar sozinha?
A própria presidente da companhia afirmou que a Petrobras tinha o maior
interesse em operar Libra sozinha, mas que só poderia iniciar os
trabalhos em 2015. 2015 é amanhã. Não subsiste, portanto, o argumento de
que leiloar Libra agora seria para antecipar a produção.Não aflora
qualquer razão para que esta não tenha sido a decisão do governo, pelo
menos que tenha sido explicada publicamente ao povo brasileiro.
Sobre o percentual mínimo estabelecido no edital para a parte do Estado
brasileiro --menos que 42%-- não posso me pronunciar, pois o governo,
também aqui, não deu qualquer informação sobre a racionalidade econômica
que existiu por trás deste número.
Acusar de xenofobia aqueles que defendem esta opinião é injusto,
equivocado e apequenador da dimensão estratégica do assunto em debate.
Seria equivalente a acusar este governo de centralizador e arrogante,
disposto a exercer um direito político --ainda que legal-- de decidir
questões desta magnitude de forma monocrática, sem ouvir, no mínimo,
suas bases de apoio organizadas na sociedade. O que, certamente, não é o
caso do atual governo, como todos sabemos.
Por que o governo tirou da Petrobras a possibilidade de operar
sozinha no Pré-Sal? Só a questão do superávit primário explica esse
movimento?
Será que podemos priorizar exigências financeiras momentâneas com
aspectos econômicos e políticos da estratégia geopolítica brasileira ao
longo deste século 21? Esse é o ponto e acho que deveria ter sido
discutido com a sociedade.
A revista alemã "Der Spiegel" disse que o Brasil leiloou um tesouro por uma pechincha. O sr. concorda?
Não conheço a racionalidade econômico-financeira que levou aos 41,65%.
Fantástico. Como geólogo não consigo entender como chegaram a esta
precisão! Não posso opinar. Como disse, não tenho informações sobre a
racionalidade econômica que desaguou neste super preciso percentual de
41,65%. Não é 41,64 nem 41,66, é 41,65 cravados!
O sr. considera inapropriado ter sócios estrangeiros na exploração do Pré-Sal?
Em momento algum sugeri que ter sócios estrangeiros no Pré-Sal é
"inapropriado". O que argumento é que, em se tratando de uma imensa
riqueza estratégica concentrada (em Libra) de um produto de tal forma
fundamental e sensível para o mundo --e principalmente para as nações
hegemônicas mundiais dele dependentes-- a sociedade brasileira tem o
dever de discutir a conveniência de tê-las como sócios.
Ninguém desconhece que as grandes empresas petrolíferas mundiais,
inclusive a Petrobras, representam e defendem os interesses de seus
países-sedes, nos países onde atuam. E neste ponto não se diferenciam
empresas estatais ou privadas.
O sr. acha que essa decisão sobre libra é danosa à soberania brasileira?
Não acho que a soberania brasileira tenha sido afetada.
Apenas levanto a possibilidade de enfrentarmos dificuldades, no futuro,
caso haja qualquer divergência --ou até mesmo conflito-- entre
interesses geopolíticos brasileiros e aqueles dos países representados
no consórcio de Libra --todos protagonistas importantes no cenário
mundial hoje e ao longo deste século 21-- por suas respectivas empresas.
Estas dificuldades --ainda que no campo das possibilidades-- estariam
inteiramente evitadas, não ocorreriam de maneira alguma se Libra
estivesse sob gestão exclusiva --100% do petróleo produzido-- do Estado
brasileiro através da contratação direta da Petrobras para desenvolver e
produzir Libra.
Por que Libra é estratégico?
O caráter estratégico das reservas petrolíferas é inquestionável, como
todos sabem. Não se invadem e ocupam militarmente países soberanos para
apropriação de refinarias. É possível construir uma refinaria em
qualquer lugar do planeta, mas as grandes reservas de óleo e gás estão
onde as condições geológicas assim o determinaram. O pessoal da Argélia,
do Iraque, da Nigéria, da Líbia, do Egito sabe disto na pele.
O Sudão do Sul foi "fundado" por causa disto. As monarquias medievais,
absolutistas e repressoras da Península Arábica são mantidas pelo mesmo
motivo: assegurar reservas de petróleo e gás natural às grandes
potências hegemônicas ocidentais. Não se está a ver fantasmas! Esta é a
realidade fática da geopolítica mundial, escancarada e
desavergonhadamente exibida nas últimas três décadas por meio de ações
políticas e militares por parte dos países centrais ocidentais. Não há
como desconhecer esses fatos.
Seu alerta está relacionado aos interesses divergentes entre
produtores e consumidores de petróleo presentes no consórcio? Produzir
mais rápido e deprimir preços ou produzir de acordo com visão
estratégica, sem derrubar preços? O que seria melhor para o Brasil?
A turma de topo da Opep controla o preço, mas não tem soberania,
autonomia, independência para sustar o suprimento. Simplesmente porque
interesses divergentes entre grandes produtores e grandes consumidores
não conflitam por causa do preço do barril, mas pelo compromisso dos
produtores em suprir incondicionalmente os volumes exigidos pelas
economias hegemônicas representadas pelos grandes consumidores.
Gente que estudou o assunto afirma que o barril de petróleo do Oriente
Médio sai a mais de US$ 300 para a UE e para os EUA, na condição "all
in" dos custos de manutenção militar do status quo daquela região para
barrar, pelas armas, qualquer iniciativa que tenda a mudar o quadro
atual.
O Brasil é um país diferenciado. De dimensões continentais, privilegiado
em riquezas naturais, único em integridade nacional (uma só língua,
cultura diversa, mas coesa etc.). Temos reservado um papel de
protagonista geopolítico mundial igualmente diferenciado e socialmente
muito positivo neste século 21.
De uma hora para outra, este país aparece como uma potência energética,
cujas reservas potenciais, em processo acelerado de comprovação, de
petróleo e gás natural impactam o quadro energético mundial. Tudo indica
que irão contrabalançar, junto com a costa oeste africana o peso do
Oriente Médio, a médio e longo prazos, para suprir EUA e UE.
Isso nos obriga, como país soberano, a nos prepararmos para assumir esse
papel _de não mais coadjuvante, mas de protagonismo mundial diante
desta muitíssimo sensível realidade. A quarta frota [dos EUA] está aí,
ressuscitada não por outro motivo.
Este é o quadro já presente, materializado. E se tornará mais agudo ao longo deste século 21.
Dentro deste contexto, não seria mais conveniente que um imensa
acumulação de petróleo, como Libra, ficasse 100% nas mãos do Estado
brasileiro, com o poder de gerenciar tudo o que lhe concerne sem
qualquer ingerência de interesses estrangeiros, quaisquer que os sejam?
Isso é permitido no marco do Pré-Sal, quando abre a possibilidade de
contratação direta da Petrobras, cláusula aprovada exatamente para
situações, como essa de Libra, absolutamente diferenciadas sob o ponto
de vista geopolítico mundial. Ainda mais a 300 quilômetros da costa, nas
proximidades dos limites territoriais marítimos nacionais, ainda em
processo de aceitação pela ONU.
Quando o sr. fala dos custos reais para os EUA e UE do petróleo saudita, de quanto seria o custo no pré-sal comparativamente?
Os custos totais de produção do pré-sal --que chamamos de CTPP-- estão
muito abaixo dos atuais valores internacionais do barril, mas
trabalhamos duro e ininterruptamente para reduzí-los. Não só por
melhoria contínua nos processos de produção, mas fazendo esforço de
desenvolver inovações tecnológicas que visem este objetivo.
O que cada um dos sócios da Petrobras busca nessa associação?
Os sócios se interessam, essencialmente, por assegurar suas respectivas
partes em óleo produzido. No caso dos chineses para suprir
prioritariamente seu mercado nacional, ávido de energia para sustentar o
crescimento extraordinário da economia chinesa ao longo da primeira
metade deste século, pelo menos. Shell e Total também, mas são já
globalizadas e com mercados muito distribuídos além do europeu.
Sobre esses possíveis conflitos de interesses dentro do consórcio, o
sr. diria que o Brasil (e a Petrobras) caíram em uma espécie de
armadilha?
A participação da PPSA nos consórcios, com poder de veto, consta do
texto do marco justamente para que todo o processo, desde a construção
do Acordo de Operação Conjunta até as atividades operacionais
propriamente ditas, seja controlado pelo governo brasileiro.
Portanto, não há "armadilhas" no modelo de partilha adotado pelo Brasil. O governo brasileiro tem total controle de tudo.
Como seriam essas divisões internas? França e China do lado de
consumidores, querendo acelerar a produção? Que mais? Como elas se podem
contrapor à Petrobras e ao interesse brasileiro?
A simples presença de interesses estrangeiros --por meio da participação
de suas empresas petrolíferas no consórcio de Libra-- pode, em tese,
gerar conflitos. Se estivéssemos tratando de um processo industrial de
uma commodity comum, periférica, qualquer problema poderia ser
facilmente resolvido.
Esse é o ponto central de minha opinião. Energia, especialmente petróleo
e gás natural, é fator crítico da soberania e do desenvolvimento
econômico, social, científico e tecnológico de qualquer país. Mormente
daqueles que são protagonistas hegemônicos da cena mundial e daqueles
outros que, por sua magnitude e seu potencial de riquezas naturais, de
todos os tipos, como o Brasil, se candidatam para igualmente atuar como
protagonistas mundiais e não mais como simples coadjuvantes,
periféricos. Só esta realidade, em sua essência geopolítica, já é
conflituosa. Lembremo-nos do [Henry] Kissinger, que disse mais ou menos
isso : "Os EUA têm que se preocupar é com aquele gigante lá no Sul que,
quando se levantar, vai dar um trabalhão danado para ser controlado".
Há, portanto, um potencial conflito de interesses geopolíticos
absolutamente inerente à presença de estrangeiros numa gigantesca
reserva petrolífera como é Libra. Se vai eclodir, não sei. Mas que está
lá, está. Esse é o ponto!
A China quer aprender a operar em águas profundas?
Pode ser que aja interesse na obtenção de conhecimento de engenharia de
projeto e operacional para produzir em águas ultraprofundas. É muito
importante, mas não é o essencial.
O Brasil não deveria proteger essa tecnologia?
Proteger tecnologia no mundo atual não é o foco das grandes empresas
petrolíferas. O esforço maior, concretamente falando, é assegurar a
condução das operações --serem operadoras. Porque é na operação, no
dia-a-dia, na vivência com as broncas e dificuldades que ocorrem na
frente operacional que consiste o real valor do aprendizado contínuo--
de engenharia e pragmático (isto é que é, no final das contas,
tecnologia) --que vai permitir a permanente e contínua inovação, advinda
de novos conhecimentos e, em decorrência, de novos projetos e novos
processos. Operar, principalmente numa ambiência de certa forma nova,
onde o conhecimento científico e de engenharia e a competência
operacional concentram-se em muito poucas empresas--como no Pré-Sal
brasileiro --materializa-se numa inexcedível vantagem competitiva para
as empresas petrolíferas. E não foi por outro motivo que a exclusividade
da operação pela Petrobras, estabelecida no texto do marco do Pré-Sal,
foi --e é!-- tão combatida por aqueles que, de certa forma, refletem os
interesses das empresas estrangeiras, contrariados em aspecto
essencialmente estratégico sob o ponto de vista da indústria.
No caso específico do Pré-Sal, este trabalho ininterrupto de
obtenção/geração de novos conhecimentos e de inovação permanente foca,
principalmente em dois pontos centrais: diminuição de custos e contínuo
atendimento aos pressupostos da segurança operacional. Quer dizer, no
geral, não há qualquer salto tecnológico necessário para produzir o
Pré-Sal, como aliás é comprovado pela já significativa produção da
Petrobras.
Por que as norte-americanas saltaram fora?
Com meus quase 50 anos "sujando" as mãos de óleo, fico desconcertado
quando não consigo construir uma convicção sobre qualquer assunto
relacionado ao setor petrolífero, tão rico em suas características, as
mais variadas possíveis --políticas, econômicas, científicas,
tecnológicas, sociais, militares e outras mais. Pois bem, sinto-me
desconcertado com a ausência da Exxon e da Chevron. O que penso são
ainda especulações. Por exemplo. Correu há algum tempo, por volta de
2010, 2011, no setor petrolífero mundial, que a Exxon conseguiu do
governo angolano mais do que a Petrobras com o novo marco, com respeito à
exclusividade das operações.
Obteve um acordo de "preferência" com os angolanos, tendo o direito de
decidir se vai ou não operar qualquer descoberta no pré-sal daquele
país, independentemente de que empresa que a tenha realizado. Sua
ausência no leilão de Libra poderia ter algo a ver com isto? Ou não
seria ao contrário, fazer parte da produção no Brasil não poderia ser um
grande aprendizado para ajudar no exercício do privilégio de aceitar ou
não a operação em certas descobertas em Angola?
Acho que a Chevron está na base do "gato escaldado tem medo de água
fria". A pancada que tomaram em Frade [vazamento de 3,7 mil barris de
óleo em 2011] repercutiu com extrema dramaticidade na companhia, que é
muito séria e competente _sou testemunha pessoal disso. Talvez tenham
erroneamente superestimado os riscos operacionais, todos inteiramente
mapeados e neutralizados pela Petrobras com a participação,
naturalmente, dos parceiros que com ela produzem do Pré-Sal há mais de
dois anos. E isto é, a cada dia que passa, mais concreto e consistente.
Alguns ligam a ausência das norte-americanas aos investimentos no
xisto. Qual sua visão sobre o xisto? É uma revolução energética?
Coloco "xisto" entre aspas. A tradução de "shale" é folhelho, termo
geológico que é até difícil de falar já que encadeia dois fonemas "lh".
Folhelho é uma rocha composta por grãos infinitamente pequenos de argila
e, por isso, com permeabilidade quase zero. No caso, o gás está nos
microporos, entre os grãos de argila e não sai de lá. Para sair tem que
quebrar o pacote rochoso de folhelho, fraturar em gigantescas operações
de injeção de água, utilizada como fluído de fraturamento.
Este assunto dá um livro. Mas há fatos inquestionáveis.
1. As reservas potenciais são, realmente, muito grandes. 2. Os poços
exaurem-se muito rapidamente, não duram meses. 3. Perfuram-se milhares
de poços, em áreas rurais e nas cercanias de cidades do meio-oeste
americano. Como os poços duram muito pouco, a atividade de perfuração é
frenética, descontrolada. Exige infraestrutura de suprimento de grandes
dimensões, com grandes impactos sociais nas comunidades antes bucólicas e
ultraconservadoras do interior americano. 4. O uso de água é
gigantesco; já há casos de esgotamento de lençóis freáticos e falta de
água nas cidades. Alguns Estados já proibiram as atividades.
5. O fluído de fraturamento contém produtos químicos altamente
agressivos e tem sido comum a poluição de aquíferos potáveis por estes
agentes químicos, interrompendo sua utilização para o homem e para a
pecuária. 6. As reservas de gás, como sempre acontece, esgotam-se
rapidamente e existem, também como sempre, as incertezas geológicas
coladas às atividades de exploração e produção. Especialmente quanto às
reservas de gás não provadas, como é o caso, os níveis de
imprevisibilidade são elevados e surpresas negativas são prováveis de
acontecer. É preciso ter cuidado nas extrapolações. 7. Em razão do baixo
preço do gás, e do colapso causado pela enorme oferta em pouquíssimo
tempo, milhares de sondas já se mobilizam para perfurar para óleo, cujo
preço, ainda nos US$ 100 por barril, garante lucros muito mais
significativos.
O governo norte-americano, com a prudência necessária, mantém a
proibição de exportação de petróleo por empresas que supriam mercados
com líquidos que agora foram inteiramente substituídos pelo gás. Micaram
com o óleo e apelaram ao governo para que suspendesse a proibição. Sem
sucesso.
Resumo da ópera do "shale gas": tem que dar tempo ao tempo.
A presidente nega que tenha havido uma "privatização". Houve? Por quê?
Privatização. Não houve, no sentido estrito do termo. Mas, de qualquer
maneira, seria muito menor se a Petrobras fosse contratada diretamente
para desenvolver o campo.
A Petrobras precisa de um reajuste logo no combustível para
viabilizar os seus investimentos? O que de exato existe nessa discussão
sobre preços?
A Presidente da Companhia afirma e reafirma que não haverá a necessidade
de reajuste de preços para enfrentar os gastos com o bônus de Libra.
Esse assunto de reajuste de combustíveis é hilário.
A Petrobras fez 60 anos. Desde então, a Petrobras é além de uma empresa "do" governo, uma empresa "de" governo de qualquer governo
e não poderia ser diferente tal a importância econômica que a empresa
exerce no ambiente brasileiro. E isso parece um verdadeiro "tabu". Todo
mundo sabe o que acontece na vida real e faz tremendo esforço em afirmar
que "não! A diretoria da Petrobras é independente, tem total autonomia
para definir os preços dos combustíveis... E a turma da oposição qualquer oposição, a todos os governos fica a acusar incansavelmente o governo de "utilizar a gestão da Petrobrás na condução de sua política econômica".
Também se fala que a Petrobras deveria reduzir a exigência de nacionalização. Isso não seria ruim para o país?
Conteúdo nacional. Aqui você toca num tema decididamente crítico para o
desenvolvimento científico, tecnológico e econômico do Brasil.
Começo com uma história.
Descia eu pela Rua Aperana, aqui no Leblon, onde morava quando exerci a
maior parte do período de diretor da Petrobras, quando encontrei um
antigo colega de superintendência da companhia, quando eu era o
superintendente do Cenpes. Era o engenheiro Carlos Aguiar, então
superintendente da Área de Materiais da Petrobrás, homem ligado ao
desenvolvimento de fornecedores brasileiros para substituir material
importado.
O tempo era o da construção no Brasil das plataformas de produção,
extraordinário programa do governo Lula para não só abrir milhares de
empregos no país como para ressuscitar a indústria naval brasileira
apoiada nos projetos de produção da Petrobras.
O Aguiar me disse uma frase que me acompanhou por todo o longo --9
anos-- tempo em que exerci a diretoria de Exploração e Produção da
companhia: "Estrella, vamos construir no Brasil, tudo bem. Mas não
podemos deixar que o "conteúdo nacional" seja acéfalo!".
Esta foi uma luta que o grupo de profissionais e gerentes da Petrobras,
com o qual tive a honra de trabalhar, empreendeu no sentido de criar
condições para que empresas genuinamente brasileiras se incorporassem ao
esforço nacional de "construir no Brasil tudo o que puder ser
construído no Brasil".
O processo de desenvolvimento tecnológico começa com saber operar as
máquinas importadas. Meu pai contava que o Roberto Marinho, na década de
1930, importou rotativas alemãs para modernizar o parque impressor de
"O Globo". Instalou as máquinas e chamou o Getúlio [Vargas] para o
momento solene de acioná-las pela primeira vez. O Getúlio "pam" empurrou
a alavanca e... nada aconteceu. Estabeleceu-se um clima de desconforto
com o presidente da República, que foi solicitado a repetir o gesto,
objeto das inúmeras lâmpadas de "flash" dos repórteres presentes. "Pam"
novamente e... nada novamente. Mui polidamente, Roberto Marinho pediu
desculpas e transferiu a solenidade. Após isso, reuniu-se com a equipe
técnica de "O Globo" para saber o que ocorrera. Ninguém sabia. Disseram
apenas que tinham montado a engenhoca "by the book", como dizem os
engenheiros, de acordo com o manual. Não houve jeito. Chamaram um
alemão, que veio de Zeppelin, numa milionária viagem de uma semana, pois
de navio demoraria três meses. O alemão chegou, olhou, pensou não mais
que um minuto e disse algo naquela língua centro-européia bárbara, de
fora das longínquas fronteiras do Império Romano, que o intérprete
balbuciou : "Uma chave-de-fenda, por favor".
Rapidamente atendido, colocou a chave num pequeno parafuso, girou meia
volta e ordenou, segundo o intérprete : "Liguem a rotativa". Um
engenheiro brasileiro pegou a alavanca antes inservível e "pam": a
rotativa ronronou e começou a trabalhar, sem qualquer problema. Lição:
não sabíamos sequer operar uma máquina de primeira geração tecnológica.
O final do ciclo é saber projetar as máquinas que operam no sistema
industrial em que se atua. No meio, está a etapa da construção dessas
máquinas. Se ainda não construímos no Brasil, temos que fazê-lo. Mas
--isso é indispensável-- gerenciar o processo de modo que, no mais curto
prazo de tempo, adquiramos a competência em engenharia, nas empresas e
na academia brasileiras para projetar máquinas ainda mais avançadas,
inovações em relação ao que hoje se considera o limite da tecnologia. Se
esta etapa não acontecer, muito pouco foi conseguido em termos de
autonomia de decisão quanto à escolha e aplicação da tecnologia que
melhor nos servirá para resolvermos nossos próprios problemas.
Continuaremos a ser o "chão de fábrica" _muitíssimo importante, mas não
suficiente para um Brasil efetivamente soberano e autônomo no concerto
mundial das nações desenvolvidas. A verdadeira inteligência, a
competência técnico-científica continuará a vir de fora. Não precisamos
chamar o "alemão" para botar a máquina em funcionamento ou até repará-la
em caso de pane. Mas se quisermos substituí-la por uma mais moderna,
será o "alemão" quem a projetará e nos venderá o projeto se assim o
governo de seu país autorizar a empresa da máquina a fazê-lo.
A traduzir este desafio, temos a definição do século 21 como o século da
"economia do conhecimento" e a imagem de desenvolvimento tecnológico: "
É como subir uma escada rolante pela faixa de descida : se parar,
desce".
Esse foi o recado do Aguiar. Tenho a plena consciência de que a equipe
em que trabalhei fez o possível para avançarmos neste sentido. É
importante que se registre a grande ajuda que tivemos do BNDES, da
Finep, da Coppe no trabalho que desenvolvemos na Exploração e Produção e
na Petrobrás como um todo. Criamos exigências contratuais para que as
empresas estrangeiras que se instalassem no Brasil para construir
máquinas e equipamentos, até então importados, a serem utilizados pela
Petrobras, montassem equipes de engenharia de projetos na filial
brasileira, para não ficarem na dependência de seus centros de
tecnologia no exterior.
Para as empresas genuinamente brasileiras, trabalhamos para criar
condições de financiamento e de assistência técnico-científica para que,
não só adquirissem condições de competitividade, como consolidassem
suas respectivas competências para a inovação e melhoria contínuas de
seus processos produtivos, de modo a atender especificamente as
exigências e necessidades das atividades operacionais da Petrobras.
Chegamos a iniciar um trabalho de tentar quebrar oligopólios
tecnológicos mundiais para fabricar itens de tecnologias
"sensíveis"--como turbinas-- no Brasil.
Ainda com respeito à construção das plataformas no Brasil, fomos sempre
muito criticados pelo fato de o custo brasileiro ser maior do que os de
Cingapura, do Golfo Arábico e da China. E têm que ser. Sou pessoalmente
testemunha das diferenças qualitativas entre as condições de trabalho
oferecidas, por lei, aos trabalhadores. Não há comparação. Aqui no
Brasil praticamos uma relação capital X trabalho muito mais avançada,
muito mais ética e justa que em muitos lugares no exterior, onde é comum
se construir em condições absolutamente inaceitáveis para o trabalhador
brasileiro.
Se há exigência, muito saudável, de competitividade, vamos enfrentá-las.
Mas em condições de igualdade de patamar na qualidade das relações
capital X trabalho. E não competir com mão de obra quase escrava.
O que o sr. achou da criação da empresa que vai administrar o Pré-Sal?
A PPSA entra como uma parte imprescindível nos consórcios para
contribuir na definição dos Acordos de Operações Conjuntas (sigla "JOA"
em inglês), que é o documento básico que vai orientar as operações do
consórcio e aprovar e auditar tecnicamente os custos destas operações
para efeito de definir o que se chama de "óleo custo", parcela de que os
consórcios serão reembolsados.
Como fica a Petrobras depois desse leilão?
A Petrobras se desempenhará em patamares de excelência de sua função de
operadora da cumulação de Libra. Foram as equipes de exploracionistas da
Petrobras que mapearam a estrutura da gigantesca acumulação. Foi a
Petrobras que construiu o primeiro poço descobridor de Libra. É a
Petrobrás que detém, no mundo, as mais extensas competência e
experiência para operar em águas ultraprofundas. É a Petrobrás, dentre
todas as empresas petrolíferas mundiais que tratam do assunto, que
possui o mais avançado conhecimento geocientífico das
rochas-reservatórios do pré-sal (aspecto tecnicamente crítico e
economicamente decisivo para o desenvolvimento da acumulação).
Enfim, como é reconhecido por todo o setor petrolífero mundial, é a
empresa que detém as melhores condições para ser a operadora de Libra e
do restante das acumulações que ainda serão descobertas na chamada
"picanha azul" --designação que, pessoalmente, não gostei, mas isso é
"ranzinzice" de minha parte.
O que é a "picanha azul"?
O mapa de contorno da área em que os exploracionistas da Petrobras
circunscreveram a provável ocorrência dos reservatórios produtores do
pré-sal, que vai de Vitória (ES) até Florianópolis (SC), no mar
territorial brasileiro, tem grosseiramente o formato de uma picanha,
peça de carne bovina por nós tão apreciada.
Coloriram o interior deste perímetro com a cor azul.
Daí surgiu o nome de "picanha azul". Não foi escolha minha. Considero de
gosto discutível esta analogia. Mas "pegou", já estava consagrado e
assim ficou.
A presidente traiu seu compromisso de campanha ao leiloar Libra, conforme muitos têm afirmado?
Não acho que a presidente Dilma esteja descumprindo seus compromissos de
campanha. Os grandes e mais importantes itens sociais e econômicos das
políticas inauguradas pelo presidente Lula em 2003, a ter como
principais beneficiários as camadas mais carentes do povo brasileiro,
têm sido perseguidos, com sucesso pelo governo Dilma e as pesquisas de
opinião estão ai para não me desmentir.
Como petista, o sr. está frustrado?
Não estou frustrado como petista. Tenho consciência, vejo isto no
dia-a-dia da vida dos brasileiros, de que os governos do Partido dos
Trabalhadores desde 2003 transformaram o Brasil, tiraram da pobreza e da
miséria dezenas de milhões de irmãos nossos e mudaram diametralmente a
lógica de governar o país, tendo o povo como objeto central das ações de
governo. E ninguém pode negar isto.
Isto não quer dizer que, como cidadão, tenha que concordar e defender
todas as medidas e decisões que o governo do partido ao qual sou filiado
venha a tomar.
Por que o sr. é tido como o "pai do Pré-Sal"?
Foi coisa da imprensa. Eu sempre rejeitei esta "alcunha", que na
verdade, para os que conhecem a atividade exploratória, é mesmo
depreciativo, na medida em que exploração de petróleo e gás natural é
trabalho de equipe, não tem essa de "eu descobri".
A descoberta do pré-sal brasileiro resulta da competência das equipes de
exploracionistas da Petrobras. São geólogos, geofísicos e outros
profissionais que, desde a fundação da companhia e por ela intensamente
treinados, tanto internamente quanto nas melhores universidades
brasileiras e no exterior, trabalham na interpretação geológica das
bacias sedimentares brasileiras.
Explorar petróleo e gás natural é, essencialmente, uma atividade de
pesquisa científica que envolve custos altíssimos, mas que, tendo
sucesso, garante um retorno ainda mais significativo.
Mas houve também um fator de política energética, igualmente importante.
Em 2003, por determinação do governo Lula, a Petrobras retomou os
esforços para avançar pesadamente nas atividades de exploração e
produção, de certa forma contidas no governo anterior, quando o
monopólio foi quebrado. A companhia concentrava estas atividades na
Bacia de Campos, grande produtora, já que outras bacias deveriam ser
objeto de leilões de concessão.
A Petrobras detinha blocos em outras bacias, alguns na vizinha e
gigantesca Bacia de Santos, de onde se produzia menos de 1 milhão de m3
de gás por dia no Campo de Merluza, antigo dos contratos de risco,
descoberto pela Shell e operado pela Petrobras.
Atendendo à determinação do governo de expandir nossas atividades,
deslocamos sondas da Bacia de Campos para a de Santos e as descobertas
se sucederam: Mexilhão (descoberta importantíssima de gás natural na
medida que enfrentávamos a dependência da importação da Bolívia) e os
campos de óleo de Uruguá e Tambaú. Estas descobertas exibiram logo a
grande potencialidade da Bacia de Santos, até então não materializada.
Mas que existia, teoricamente, nas interpretações dos exploracionistas
da companhia. Continuaram os investimentos exploratórios e, em 2006,
descobrimos o pré-sal.
Resumo da ópera. Não há essa de "pai do pré-sal", tampouco de pai de
descoberta alguma nas atividades exploratórias de qualquer empresa
petrolífera, resultante sempre do trabalho e da competência desta que
costumo chamar de "estranha e complicada tribo dos geólogos".
Aproveito para reforçar minha opinião sobre a decisão de leiloar Libra e não contratar diretamente a Petrobrás.
São fatos: a) Local: Bagdá, Iraque; b) Data: segundo semestre de 1977;
c) Ocorrência: o gerente-geral e o gerente de exploração da Braspetro
Iraque são convocados à sede da INOC (companhia estatal iraquiana de
petróleo). Somos recebidos pelo diretor da INOC responsável pelos
contratos de Exploração e Produção que o Iraque tinha com a Petrobras e
com a Elf francesa.
O homem nos comunica, com certa solenidade: "O governo do Iraque
determinou que lhes fosse comunicado que o contrato que temos com a
Petrobras deverá ser cancelado. As negociações sobre isto devem
iniciar-se tão logo quanto possível. Os senhores devem comunicar
imediatamente essa decisão do governo do Iraque aos seus superiores no
Brasil e solicitar que um representante do mais alto escalão de sua
empresa, com poderes de negociar em nome dela, compareça a Bagdá para
que se iniciem os trabalhos".
Estupefatos, perguntamos a razão desta decisão, já que cumpríamos
integralmente o contrato, sempre com as melhores relações com a INOC e
com o governo iraquiano.
E o homem nos respondeu : "Senhores, a Petrobras descobriu um campo
gigantesco (Majnoon), com dezenas de bilhões de barris de reserva, e que
vai produzir mais de 1 milhão de barris por dia, a metade que o Iraque
produz hoje. No momento, o Brasil e a Petrobras têm interesses
estratégicos no setor petrolífero internacional que não conflitam com os
interesses nacionais da república do Iraque. Mas isto é 'no momento'. O
cenário internacional, principalmente o da energia, se transforma
constantemente. Não há como assegurar que no futuro, mesmo não tão
distante, os interesses de Iraque e Brasil não venham a se distanciar.
Em vista disso, e o governo de meu país adianta que é com certo
desconforto, pelo que nos desculpamos, considera que a manutenção desse
contrato fere a estratégia nacional quanto à gestão de seus recursos
petrolíferos. Por isso devemos nos sentar à mesa para negociar a
extinção do contrato e garantir à Petrobras e ao Brasil que seus
investimentos sejam devidamente ressarcidos, sem qualquer prejuízo para
vocês".
Anos depois, por causa inclusive de Majnoon, o Iraque foi invadido e
ocupado por tropas estrangeiras. Perdeu sua soberania como nação e
atravessa décadas de terrorismo total com o genocídio que todos
conhecemos.
Claro que não podemos comparar o Brasil com o Iraque, e aqui não vai
qualquer desmerecimento àquele país e ao seu povo, do qual conheço
alguma coisa. Mas estes fatos são uma inegável lição que temos sempre
que levar em consideração.