Antropólogos alertam para ataques a direitos indígenas: 'toda sociedade está em risco'
Em carta, pesquisadores consideram
que povo guarani está no epicentro das violações devido à localização
de suas aldeias no Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país
por Redação RBA
publicado
24/10/2013 12:10,
última modificação
24/10/2013 17:18
Marcelo Casal Jr./ABr
São Paulo – Antropólogos e pesquisadores ligados à
Universidade de São Paulo (USP), à Universidade de Campinas (Unicamp) e a
outras instituições de ensino superior do país publicaram hoje (24) uma
carta aberta em defesa do povo guarani em que alertam: os ataques aos
direitos indígenas são uma ameaça para toda a sociedade. Os estudiosos
consideram que as garantias dos povos tradicionais, estabelecidas pela
Constituição de 1988, estão em risco devido ao avanço dos interesses
econômicos, sobretudo no campo. E afirmam que os guarani, até pela sua
localização geográfica, são uma das etnias mais ameaçadas pela ofensiva.
“Com suas aldeias distribuídas em um vasto território, que abrange as
regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste, e também algumas localidades na
região Norte do Brasil, os guarani constituem hoje o maior povo indígena
no país, com cerca de 65 mil pessoas. Entretanto, por ocuparem regiões
com antigo histórico de colonização, e de grande interesse para
exploração econômica, têm hoje apenas uma fração insignificante e
fragmentada de seu território reconhecida pelo poder público”, diz o
texto. “A falta de terras é causa fundamental do quadro de
marginalização a que foram submetidos em todas essas regiões, onde
sofrem com a violência, o preconceito e a falta de efetivação de
direitos fundamentais de cidadania.”
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A afirmação dos antropólogos faz referência à “má distribuição”
das terras indígenas demarcadas no espaço territorial brasileiro. Os
ruralistas, maiores inimigos dos índios em sua luta por demarcações,
costumam argumentar que os povos tradicionais possuem 13% de todo o
território nacional. Enquanto isso, ponderam, a área plantada se resume a
7% da superfície. Pesquisadores lembram, porém, que 98% das terras
regularizadas pela União se encontram no Norte e no Mato Grosso –
regiões que abrigam cerca de metade da população indígena brasileira. A
outra metade está no Nordeste, Sudeste, Sul e na porção sul do
Centro-Oeste. E está espremida em apenas 2% das aldeias demarcadas.
“Hoje, como ao longo dos últimos cinco séculos, grupos oligárquicos
se esforçam em negar aos Guarani os seus direitos territoriais, com
intuito de perpetuar as injustiças acumuladas ao longo de todo o
processo de colonização do Brasil, evitando a construção de uma
sociedade justa e solidária, que respeite seus povos indígenas”,
argumentam os antropólogos. “Enquanto os ruralistas desenvolvem uma
campanha para convencer a população brasileira de que são ameaçados
pelas demarcações de terras, o país segue com um dos mais altos índices
de concentração fundiária do mundo, cenário que se reverte no acúmulo de
poder nas mãos de oligarquias agrárias e nas grandes desigualdades que
assolam a sociedade nacional.”
Os antropólogos consideram que os ataques aos direitos indígenas são
uma ameaça para toda a sociedade, pois respondem aos interesses de um
grupo minoritário – os latifundiários – que busca apropriar-se
privadamente das riquezas nacionais para seu próprio enriquecimento. “O
drama humanitário pelo qual atravessam as comunidades nas quais
realizamos nossas pesquisas não é tolerável em um Estado Democrático de
Direito, e não cessará enquanto o poder público se recusar a enfrentá-lo
com a seriedade e respeito que requer, preterindo a sua solução em
proveito de interesses eleitorais.”
Confira a íntegra da carta:
Carta pública em defesa aos direitos do Povo Guarani
Nós, estudiosos do povo guarani e outros pesquisadores,
especialistas e professores, reunidos em São Paulo/SP entre os dias 16 e
18 de outubro, durante o Simpósio CEstA nas Redes Guarani, realizado
pelo Centro de Estudos Ameríndios da Universidade de São Paulo, vimos a
público nos manifestar a respeito do grave contexto de ataque aos
direitos indígenas que está hoje em curso, e em cujo epicentro
encontra-se o impasse relacionado ao não reconhecimento dos direitos
territoriais do povo Guarani.
Com suas aldeias distribuídas em um vasto território, que abrange
as regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste, e também algumas localidades na
região norte do Brasil, os Guarani constituem hoje o maior povo indígena
no país, com cerca de sessenta e cinco mil pessoas. Entretanto, por
ocuparem regiões com antigo histórico de colonização, e de grande
interesse para exploração econômica, têm hoje apenas uma fração
insignificante e fragmentada de seu território reconhecida pelo poder
público. A falta de terras é causa fundamental do quadro de
marginalização a que foram submetidos em todas essas regiões, onde
sofrem com a violência, o preconceito e a falta de efetivação de
direitos fundamentais de cidadania.
A história mostra como a mão-de-obra de milhares de Guarani foi
utilizada para a construção do país, deixando contribuições que hoje
consideramos como elementos fundantes da cultura brasileira. Hoje, como
ao longo dos últimos cinco séculos, grupos oligárquicos se esforçam em
negar aos Guarani os seus direitos territoriais, com intuito de
perpetuar as injustiças acumuladas ao longo de todo o processo de
colonização do Brasil, evitando a construção de uma sociedade justa e
solidária, que respeite seus Povos Indígenas.
Enquanto os ruralistas desenvolvem uma campanha para convencer a
população brasileira de que são ameaçados pelas demarcações de Terras
Indígenas, o país segue com um dos mais altos índices de concentração
fundiária do mundo, cenário que se reverte no acúmulo de poder nas mãos
de oligarquias agrárias e nas grandes desigualdades que assolam a
sociedade nacional.
Como pesquisadores que atuamos junto a algumas das mais
respeitadas universidades brasileiras, temos a percepção clara de que os
ataques aos direitos indígenas ora em curso são uma ameaça para toda a
sociedade, pois respondem aos interesses de um grupo minoritário que
busca apropriar-se privadamente das riquezas nacionais para seu próprio
enriquecimento, e tornam nosso país palco dos mais graves desrespeitos
aos direitos à vida, à dignidade, à diferença, envergonhando-nos a
todos.
O drama humanitário pelo qual atravessam as comunidades nas quais
realizamos nossas pesquisas não é tolerável em um Estado Democrático de
Direito, e não cessará enquanto o poder público se recusar a enfrentá-lo
com a seriedade e respeito que requer, preterindo a sua solução em
proveito de interesses eleitorais. Nesse sentido, chamamos a todos os
brasileiros para que nos empenhemos junto ao povo guarani e aos demais
povos indígenas na defesa de seus direitos, para a construção de uma
sociedade igualitária, multicultural e pluriétnica.
Dominique Tilkin Gallois – Professora-doutora em Antropologia Social na USP
Valéria Macedo – Professora-doutora em Antropologia Social na UNIFESP
Beatriz Perrone Moisés – Professora-doutora em Antropologia Social na USP
Marta Rosa Amoroso – Professora-doutora em Antropologia Social na USP
Sylvia Caiuby Novaes – Professora-doutora em Antropologia Social na USP
Renato Sztutman – Professor-doutor em Antropologia Social na USP
Fábio Mura – Professor-doutor em Antropologia Social na UFPB
Levi Marques Pereira – Professor-doutor em Antropologia Social na UFGD
Elizabeth Pissolato – Professora-doutora em Antropologia Social na UFJF.
Donatella Schmidt – Professora em Antropologia Social na Università degli Studi di Padova.
Marina Vanzolini – Professora-doutora em Antropologia Social na USP
Vanessa Lea – Professora-doutora em Antropologia Social na UNICAMP
Maria Inês Ladeira – Centro de Trabalho Indigenista, Mestre em Antropologia (PUCSP) e Doutora em Geografia Social (USP)
Daniel Calazans Pierri – Centro de Trabalho Indigenista, Mestre em Antropologia Social (USP)
Fabio Nogueira da Silva – Mestre e Doutorando em Antropologia Social pela USP
Spensy Pimentel – Doutor em Antropologia Social – USP
Diogo Oliveira – FUNAI – Doutorando em Antropologia Social – UFSC
Rafael Fernandes Mendes Júnior – Mestre e Doutorando em Antropologia Social pela USP
Lígia R. Almeida – Mestranda em Antropologia Social - USP
Amanda Danaga – Doutoranda em Antropologia Social -UFSCar)
Camila Mainardi – Doutoranda em Antropologia Social - USP
Adriana Testa – Doutoranda em Antropologia Social - USP
Alice Haibara – Mestranda em Antropologia Social - USP
Ana María Ramo y Affonso – Mestranda em Antropologia Social -UFF
Tatiane Klein – Mestranda em Antropologia Social - USP
Marcos dos Santos Tupã – liderança guarani e Coordenador Tenondé da Comissão Yvyrupa
Giselda Pires de Lima Jera - professora e liderança guarani
Algemiro da Silva Karai Mirim – professor e liderança guarani
Ariel Ortega – liderança e cineasta guarani
Carlos Papa Mirï Poty – liderança e cineasta guarani
Prof. Dr. Stelio Marras – Professor Doutor em Antropologia Social no IEB-USP
Aline Aranha – FFLCH-USP/ CEstA-USP
Jefferson dos Santos Ferreira – FFLCH-USP/ CEstA-USP
João Pedro Turri – ECA-USP/ CEstA-USP
André L. Lopes Neves – PPGAS/USP - CEstA-USP
Jan Eckart – PPGAS/ UFSCar
Guilherme Meneses – PPGAS-USP
Diógenes E. Cariaga – FUNAI
Lucas Keese dos Santos – Centro de Trabalho Indigenista, Mestrando em Antropologia Social - USP