sexta-feira, 4 de outubro de 2013

G1, partidos partidos.

03/10/2013 22h43 - Atualizado em 03/10/2013 22h45

Excesso de partidos é prejudicial à democracia, dizem especialistas

TSE decidiu nesta quinta rejeitar registro da Rede, partido de Marina Silva.
Com os dois partidos criados na semana passada, país tem 32 siglas.

Rosanne D'Agostino Do G1, em São Paulo

A criação de partidos nos atuais moldes é preocupante na opinião de três especialistas ouvidos pelo G1. Eles afirmam que as siglas são criadas sem projeto para a sociedade e que o número recorde de partidos em 2013 é prejudicial à democracia.

Nesta quinta, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) negou registro ao Rede Sustentabilidade, liderado pela ex-senadora Marina Silva, mas, na semana passada, aprovou dois partidos, o Solidariedade, do deputado federal Paulo Pereira da Silva, e o PROS (Partido Republicano da Ordem Social), no qual se filiaram o governador do Ceará, Cid Gomes e o ex-ministro Ciro Gomes, que deixaram o PSB.
Recorde
Segundo Antonio José Barbosa, professor de História Política da UnB (Universidade de Brasília), nunca houve número tão elevado de partidos políticos na história do país.

“No Império, havia o Partido Liberal e o Conservador. Na República Velha, nós praticamente não tínhamos partidos nacionais, eram regionais. Depois de 1939, quando o Brasil começa a viver uma democracia, com a queda da ditadura de Vargas, nós tivemos a montagem de um sistema multipartidário. Mas os partidos foram extintos em 1965. Eram 13 e já se achava uma quantidade muito expressiva”, explica.

Esses partidos, com essa estrutura, são verdadeiros parasitas da sociedade"
Roberto Romano, professor de Ética na Unicamp
 
No entanto, segundo Barbosa, nada se compara à situação gerada pela Constituição de 1988. "Foi oferecida uma liberdade muito grande”, disse.

Para o professor, esse número excessivo é prejudicial à democracia.

“Esses partidos acabam não tendo densidade doutrinária alguma. Os próprios parlamentares não conhecem o programa do partido. Embora existam partidos pequenos, a grande maioria entra para ganhar dinheiro, obter fundo partidário, negociar tempo de televisão. Isso apenas fragiliza a democracia brasileira”, avalia.
Quantidade x qualidade
Para Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), o problema não é a quantidade, mas a qualidade dos partidos. Segundo ele, os novos partidos surgem hoje para atender interesses de lideranças que não conseguem espaço em suas siglas, em razão da falta de democracia em sua estrutura interna.
Esses partidos acabam não tendo densidade doutrinária alguma. Os próprios parlamentares não conhecem o programa do partido. Embora existam partidos pequenos, a grande maioria entra para ganhar dinheiro, obter fundo partidário, negociar tempo de televisão. Isso apenas fragiliza a democracia brasileira"
Antonio José Barbosa, professor da UnB
“Até mesmo no caso da Rede é isso que está acontecendo. A Marina é uma excelente pessoa, mas não teve lugar no PT, não teve no PV, e agora está criando um partido.”
Romano defende mudanças estruturais  nas siglas. "Esses partidos, com essa estrutura, são verdadeiros parasitas da sociedade", afirma Romano. "Eles não têm programa. Há uma distorção tão grande que não servem para alcançar os fins da sociedade, e sim, de quem os dirige."
Mesmos personagens

Pedro Arruda, professor do Departamento de Política da PUC-SP, afirma que a grande quantidade de partidos no país não é um fenômeno recente.

“É só lembrar 1989 a quantidade de candidatos a presidente. Eram 22 candidatos e 27 partidos. Não é uma característica desse período”, diz. “Mas, mais importante que a quantidade é analisar a qualidade”, afirma. Para o professor, “os partidos são novos, mas os personagens são os mesmos de sempre”.

“São formas de garantir mandatos, aumentar possibilidades de reeleição, possibilidade de barganhar com o governo federal. Não vejo nada de positivo. Num país como o Brasil o fato de ter mais partido não significa que tenha mais oposição. Até mesmo porque as divergências entre os dois maiores partidos do Brasil já não são tão grandes”, completa. “Deveria ter um estatuto, disciplina partidária, e o que a gente vê na maioria é o toma lá dá cá.”

São formas de garantir mandatos, aumentar possibilidades de reeleição, possibilidade de barganhar com o governo federal. Não vejo nada de positivo"
 
Pedro Arruda, professor da PUC-SP
Fidelidade e cláusula de barreira


Arruda afirma ainda que uma “brecha jurídica” foi criada pela resolução do TSE que prevê perda de mandato em casos de infidelidade partidária.

“Ela diz que o mandato pertence ao partido e não à pessoa. Se o deputado se desfilia sem justa causa pode perder o mandato. Mas uma das exceções é a criação de novos partidos, fusão, incorporação. Isso acabou sendo uma brecha jurídica. Então fica esse caminho aberto”, argumenta.

Cláusula de barreira

Para Barbosa, uma das soluções seria a cláusula de barreira. “Os partidos são criados para atender a sede para manipular verbas públicas. A relação entre o Executivo e o Legislativo passa a ser quase que impelida a se fazer por meio do troca-troca, por meio da negociata, e não da negociação. Então eu estou sugerindo um critério objetivo. Se o partido não tem ligação nenhuma com a sociedade, ele só está atrapalhando. Se não tiver densidade eleitoral, que deixe de existir. Cassa-se o registro dele”, diz o professor da UnB.

Roberto Romano afirma ser a favor do multipartidarismo, porque “a sociedade é plural, não tem só duas opiniões”, mas contra a “partidocracia”.

“Hoje tem presidente no mandato já fazendo propaganda eleitoral. É uma inversão perversa de tudo que se espera de um partido, que é um projeto de estado e de sociedade”, conclui.