quinta-feira, 24 de outubro de 2013
Bostalipse
Anos
atrás formulei uma teoria a qual posso conjurar rapidamente “distorção
histórica”. O conceito envolve práticas diversas, por motivos diversos,
podendo ser um ato anarkhos ou caminhar para uma espécie de
“terrorismo histórico”. Para sondar a prática, comecei a pensar sobre as
fundamentações da História, sua relação com a coleta e validade de
dados, a criação de um sentido a partir desses dados. Essa construção
histórica carrega uma problemática de reinterpretação dos dados, e estes
podem passar por qualquer sorte de aleatoriedades imensuráveis, desde
um contexto político específico em sua criação, até seu forjamento; os
ganhadores contam a história, etc. Resumindo, há um problema intrínseco
em qualquer reconstrução que queira tornar-se válida oficialmente, e
ainda pior quando quer torna-se eterna. Neste contexto, Brecheret
pichado e as prisões sucessivas de Stephen Gough são manifestações
contrárias a certas leis herdadas: entramos aqui na termodinâmica das
leis, e aqui reside, a meu ver, uma importante questão política humana
da atualidade: a validade das leis e direitos herdados.
Vejamos o caso de Gough: ele acredita que tem o direito natural de andar
nu, defende que o uso da roupa cria uma série de deformações de caráter
no ser humano, sua relação com o corpo muda para pior. As beatas ficam
horrorizadas. Na raiz desse problema encontramos o direito à propriedade
privada (afinal, o Criador do corpo e da Terra deixou bem claro para
nós mortais quais leis eternas são boas e corretas), na rasteira,
direitos de salários de políticos obtidos por práticas caracterizadas
como golpes. E do que resta há sempre, sempre um interesse econômico
velado por trás da moral . Nesses casos, a distorção histórica
apresenta-se como um oásis, uma outra possibilidade, o termo nem se
adequa muito bem, soando inclusive um pouco pejorativo. Mais acertado
seria seu uso em casos (utilizando a expressão de um amigo escritor,
Daniel Liberalino), a "capitalização do bostalipse", momento atual
vivido por milhões de pessoas vetores de memes; o engraçado torna-se
vírus e a informação fácil cria uma “capitalização de um fluxo de
besteiras particulares”, vulgo facebook e cia.; trabalhadores
voluntários mantedores de uma torrente escusa. Textos clássicos em
versões zumbis, guerras em versões Filmes e Games (com 20% de desconto
na FNAC). Sobre os livros didáticos relembro apenas o ponto sempre
revisto acerca de Tocqueville pelo professor Roberto Romano: o golpe de
Estado efetivo é aquele feito sutilmente, na calada da noite.
Imagem - Wolpertinger de Albrecht Dürer.
Fonte - http://en.wikipedia.org/wiki/Wolpertinger