Pesquisa da USP revela que gene é responsável pela metástase do câncer
Do UOL, em São Paulo
-
Christina Scheel/Whitehead Institute30.out,2013 - Células epiteliais (em vermelho) e mesenquimais (verde): as primeiras não são capazes de migrar como as segundas
Um gene conhecido pelo nome de hotair exerce um papel importante na
regulação da metástase -- o mecanismo celular que permite a disseminação
do câncer de um órgão para outro --, é o que indica novo trabalho de
pesquisadores do Centro de Terapia Celular (CTC) da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP),
publicado na revista Stem Cells em setembro.
Ainda é cedo para dizer com certeza, mas bloquear a ação do Hotair
pode ser uma forma de combater a metástase no futuro e permitir que o
câncer seja tratado apenas no local original.
Como funciona
O estudo indica que o RNA fabricado pelo gene localizado no cromossomo
humano 12 é responsável por ativar no tumor a chamada transição
epitélio-mesenquimal (EMT, na sigla em inglês), um processo que altera a
morfologia e a funcionalidade de uma parcela das células do câncer.
"Dessa forma, as células epiteliais do tumor se transformam em células
mesenquimais e passam a se comportar como se fossem células-tronco do
câncer", diz o geneticista Wilson Araújo da Silva Junior, do CTC, à Revista Fapesp.
"As células do câncer ganham a capacidade de se desprender do tumor
original, migrar pela corrente sanguínea e aderir a outros órgãos e
gerar novos cânceres", explica o autor do estudo. Além de promover o
processo que espalha a doença pelo organismo via metástase, a EMT também
ajuda a perpetuar as células do próprio tumor original.
A transição epitélio-mesenquimal é uma transformação que normalmente
ocorre nos estágios iniciais de desenvolvimento de um embrião e
participa da geração de diferentes tipos de tecido de um organismo.
Também está associada a processos curativos que incluem a formação de
fibroses e a regeneração de ferimentos. Nessas situações, a EMT é um
processo benéfico para a manutenção da vida.
O problema é que, no caso dos tumores, a ocorrência dessa transformação
também parece ser útil a seu desenvolvimento. As células do epitélio
formam o tecido que recobre externamente (pele) ou internamente
(mucosas) as cavidades do organismo. Elas não apresentam a propriedade
de se soltar umas das outras, se disseminar pelo organismo e virar
outros tipos de célula. Sua aparência e função são diferentes das
células mesenquimais, que têm a propriedade de se espalhar pelo
organismo e se transformar em outros tipos de célula. Ou seja, por essa
linha de raciocínio, se não houver EMT, fica mais difícil para um tumor
se disseminar num organismo.
As sequências do genoma humano que não carregam instruções para a
fabricação de proteínas e, uma década atrás, eram denominadas DNA lixo
se mostram cada vez mais importantes para entender a maquinaria celular
implicada em processos biológicos, inclusive em certas doenças.
Reprogramação celular
Às vezes, a químio e a radioterapia matam a maior parte das células do
câncer, mas não as que fizeram a transição epitélio-mesenquimal, as tais
células-tronco do câncer. É por meio delas que o tumor original volta
ou aparece em outro lugar. "As células de um tumor são heterogêneas",
comenta Marco Antonio Zago, outro autor do artigo e coordenador do CTC,
um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) mantidos pela
Fapesp. "No experimento, quando silenciamos o Hotair, vimos que não
ocorre a EMT."
Os pesquisadores da USP trabalharam com células de tumores humanos de
mama e de cólon. "Essas formas de câncer são modelos muito usados nesse
tipo de estudo", afirma o biólogo Cleidson Pádua Alves, que fez
pós-doutoramento no centro da USP e é o primeiro autor do artigo.
No trabalho, os cientistas viram que, ao ministrar TGF-β1 (um fator de
transformação) em células de câncer cultivadas in vitro, o RNA Hotair
era ativado, havia alterações no funcionamento de uma série de genes e
ocorria a transição epitélio-mesenquimal. Quanto mais se acionava o
Hotair, mais intenso era esse processo. No entanto, se o gene que produz
o RNA Hotair era neutralizado, simplesmente não acontecia a EMT. (Com
Agência Fapesp)