Vida Pública
Domingo, 28/06/2009
Pedro Serápio/Gazeta do Povo
“O Parlamento brasileiro é o lugar para as oligarquias regionais negociarem com o Poder Executivo central. Enquanto os parlamentares souberem que o governo federal não se sustenta sem o seu apoio, eles vão se sentir impunes e fazer o que quiserem.”“Lula está entrando para a História como aquele que abençoou a improbidade”
Entrevista: Roberto Romano,filósofo e professor de Ética e Política da Unicamp
Romano criticou também a declaração de Lula que disse que Sarney tem uma biografia e não pode ser tratado como um cidadão comum. “Isso é lamentável. Não existe essa coisa de História do indivíduo”, afirmou. “Só que o problema de Sarney é mais grave do que tenta passar o presidente Lula. Ele (Sarney) tem uma incomum prática de permanência no poder.” O professor da Unicamp sugeriu algumas medidas para moralizar a política partidária.
Roberto Romano esteve em Curitiba na semana passada para a participar da segunda edição de 2009 do Papo Universitário, organizado pela Gazeta do Povo. O tema do encontro foi “Política acima do bem e do mal. Político pode tudo?”. Leia a seguir a entrevista que Romano concedeu à Gazeta.
Há uma série de escândalos no Congresso Nacional – atos secretos no Senado, farra das passagens da Câmara. Os parlamentares reconhecem os erros, mas não se pune os responsáveis. Qual o motivo para essa situação de crise que vive o Congresso?
No nosso caso, o Brasil é uma peculiar unidade de absolutismo. Ainda não rompemos com essa herança. E ainda há um longo predomínio da corte sobre o Parlamento. Muitos analistas políticos e historiadores dizem que o Parlamento brasileiro é o que mais durou aberto enquanto outros na América do Sul permaneceram fechados por um longo tempo. Mas ele permanece aberto porque não é exatamente um Parlamento – o lugar da representação popular. O Parlamento brasileiro é o lugar para as oligarquias regionais negociarem com o Poder Executivo central. Enquanto os parlamentares souberem que o governo federal não se sustenta sem o seu apoio, eles vão se sentir impunes e fazer o que quiserem. O Parlamento brasileiro é o lugar em que as reivindicações regionais são levadas ao Executivo, ao mesmo tempo em que é realizada a chantagem contra o Executivo. Resumindo: o Legislativo é um poder impotente.
Há um paradoxo hoje: políticos tentam esconder atos públicos, num momento em que o acesso à informação fica cada vez mais fácil. Há uma nova ética de informação transparente?
O exemplo do Irã é muito importante. Pois está vivendo hoje o que acontece aqui há dez anos, com tecnologias acessíveis ao cidadão comum. É muito difícil hoje esconder atos contrários à lei quando há cidadãos observando. É por isso que o grande inimigo – a besta negra dos improbos – é a imprensa. Desde o episódio do mensalão (suposta compra de apoio de parlamentares a projetos do governo federal) até o dos “aloprados” (petista envolvidos na compra de um dossiê para prejudicar o então candidato ao governo de São Paulo José Serra) e outros, todo o deputado improbo, sobe a tribuna para denunciar a imprensa e a opinião pública. Houve aquele episódio lamentável do deputado que disse que se lixa para a opinião pública. Ele vai se lixar por pouco tempo porque o famoso grotão – aquele lugar onde não chega nenhuma informação – não existe mais.
A imprensa tem recebido diversas críticas do presidente Lula. A Petrobras cria um blog que rebate jornalistas. E agora o presidente do Senado, José Sarney se diz vítima de campanha da mídia. O senhor acredita que pode haver investidas contra a imprensa por ela levantar denúncias contra autoridades públicas?
Acredito que as critícas à imprensa vão se acirrar ainda mais. Mas isso tem limites. Parece-me que essas investidas todas são tentativas de operacionalizar a grande popularidade que tem o presidente. De certa forma, ele é o grande calcionador dessas políticas improbas. Isso é muito ruim. Talvez ele não perceba que, como pessoa pública, está entrando para a história como aquele que abençoou a improbidade.
Há alguns dias, o presidente Lula disse que o presidente do Senado José Sarney não poderia ser tratado como uma pessoa comum. Do ponto de vista ético, como o senhor vê essa afirmação?
Isso é lamentável. Não existe essa coisa de história do indivíduo. A pessoa pode ser um grande herói, bondosa e tudo o mais. Mas, ela, de repente, comete um crime. Faz parte da natureza humana a falibilidade. Todo ser humano é falível. Sarney é homem, logo é falível. Só que o problema de Sarney é mais grave do que tenta passar o presidente Lula. Ele tem uma incomum prática de permanência no poder, inclusive no período ditatorial. É um homem a quem não devemos muita coisa. Assim como não devemos nada a Antonio Carlos Magalhães, nem a quem apoiou a ditadura militar. Não temos nada a agradecer a Sarney. Como presidente, o seu governo foi um dos mais lenientes da história da República.
No Paraná, uma denúncia de suposto caixa 2 na campanha de reeleição do prefeito Beto Richa (PSDB) está sendo investigada, assim como a suposta compra de apoio político de dissidentes do PRTB. Esses episódios acabam mostrando que dirigentes de partidos nanicos usam muitas vezes seu poder para benefício pessoal. O que falta aos partidos políticos para melhorarem suas práticas?
Esse é o problema da falta de democracia dos partidos brasileiros. Os grandes partidos são oligárquicos – DEM, PSDB e PT. E você tem essas “maquinetas” de caçar votos que são chamados de partidos por uma figura de linguagem. Esses pequenos partidos são, de fato, propriedades de duas ou três pessoas. Para mudar isso é preciso que seja realizada a “famosa reforma política”. Hoje você não tem no Brasil elementos saneadores, como as eleições primárias dentro dos partidos. O eleitor primário é simplesmente ignorado. As indicações das candidaturas não passam por esse processo. São feitas pelos donos dos partidos, que têm acesso ao fundo partidário.
E como mudar?
O meu discurso parece pessimista. Mas é preciso uma modificação estrutural para federalizar o Brasil. É preciso dar autonomia financeira aos municípios. Os estados não são autônomos. Se você federaliza, começa a dar responsabilidade aos entes da federação. Hoje o que se tem é um governo central que age como um exército invasor vitorioso, que dá as regras. Se você muda isso, começa a mudar os costumes da população, porque quebra-se a lógica atual do “é dando que se recebe”, em que parlamentares captam recursos do governo federal para suas bases. Isso é algo que tem de ser feito em longo prazo.