sábado, 27 de junho de 2009

Noblat...

Enviado por Ricardo Noblat -
27.6.2009
| 8h05m
editorial de O Globo

Além do limite

Se o presidente do Senado, José Sarney, cometeu no mínimo um erro de julgamento ao tentar jogar sobre a instituição o peso da crise, peca por exagero quem creditar todos os problemas às indiscutíveis práticas de nepotismo e aos desvios patrimonialistas do clã maranhense. Há fatos concretos que relacionam o senador a essas duas das mais deletérias doenças da vida pública brasileira. Da entrada da filha, Roseana Sarney, governadora do Maranhão, para os quadros do Senado, em 1985 — passageira de um imoral trem da alegria que transportou para o funcionalismo da Casa, sem concurso, parentes e amigos de parlamentares —, à constatação de que existe quase uma dúzia de apaniguados do senador mantidos pelo dinheiro do contribuinte no Senado, desenrola-se uma crônica nada edificante de como usar o poder para beneficiar amigos e família sem qualquer preocupação com o interesse público.

Cresce no Senado o clamor pelo afastamento do presidente. Se acontecer, caso Sarney constate não ter condições de arcar com os custos de se manter no cargo, não se pode imaginar que tudo estará resolvido. Afinal, se a crise não é da instituição, também não pode ser creditada exclusivamente a José Sarney, nem será resolvida, na essência, com a sua retirada.

Nepotismo e patrimonialismo são práticas compartilhadas por muitos no Congresso, sem poupar biografias, legendas e ideologias. Independentemente do destino do senador, e de suas responsabilidades pelo estado de coisas criado na Casa, afloram evidências objetivas de que uma ou várias quadrilhas associadas tomaram nas mãos o controle de uma máquina administrativa que custa bilhões ao contribuinte, emprega direta e indiretamente 10 mil pessoas, para servir a 81 senadores, e ainda gerencia contratos milionários de compra de bens e serviços, sem qualquer licitação confiável.

Haja o que houver com José Sarney, esta grande organização criminosa — como a chamaria o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza ---- precisa ser esmiuçada, radiografada e desmantelada.
Por tudo noticiado até agora — e parece inesgotável o filão de ilegalidades descoberto —, Agaciel Maia, nomeado por Sarney diretor-geral em 1995, ungiu-se ou foi ungido uma espécie de imperador do Senado: assinou atos secretos — com ou sem a conivência de senadores, a investigar —, tratou de contratos de terceirização superfaturados, e usados como instrumento de nepotismo depois que o STF proibiu a prática. Fez e desfez.

Como outro capo de esquemas delinquentes aparece o ex-diretor de Recursos Humanos José Carlos Zoghbi, como Agaciel também afastado do cargo. No ambiente dantesco que tomou conta da administração da Casa, Zoghbi é acusado até de ter transformado a antiga babá em “laranja” de uma empresa para desviar dinheiro do Senado.

A imagem do Senado de ser a Casa legislativa dos grandes debates, constituída quase sempre por homens públicos experientes, revisora da produção nem sempre sensata da Câmara, já estava arranhada. Agora, é destroçada a golpes de estelionatos de quinta categoria.

Daí ser imperioso que, com ou sem Sarney na Mesa, as investigações sejam profundas e as punições, exemplares, por óbvio. Os desmandos no Senado, porém, são uma questão a ser tratada também por instrumentos de Estado, o Ministério Público e a Polícia Federal. Ultrapassaram o raio de alcance da própria corporação.