Texto Anterior | Índice ENTREVISTA DA 2ª - ABBAS MILANI O Irã pode se transformar em um novo Paquistão Analista iraniano identifica risco de uma ditadura militar se instalar em Teerã SERGIO DÁVILA Se conseguir esmagar a oposição, o Irã corre o risco de se tornar "um novo Paquistão", "uma ditadura militar usando aiatolás como ferramentas subservientes". A opinião é do diretor do Centro de Estudos do Irã da Universidade Stanford, o iraniano Abbas Milani, 60, um dos pensadores mais prestigiados nos Estados Unidos sobre o Irã. Ele dirigiu o Centro de Estudos Internacionais da Universidade de Teerã até 1987, quando deixou o país. Para ele, o aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do país, sai enfraquecido porque "sua voz foi desafiada e precisou se sustentar na Guarda Revolucionária para garantir Ahmadinejad no poder". Ele também fala da real disputa interna pelos negócios de petróleo e infraestrutura, que, segundo ele, Ahmadinejad foi entregando a militares e milicianos. Milani falou à Folha por telefone, da Califórnia, onde moram 2 milhões de iranianos. A liderança iraniana está buscando um país mais isolado ao resto do mundo, com uma retórica mais agressiva e uma repressão doméstica maior. Eles acham que essa é a única forma de manter a coesão interna. Um regime mais aberto tiraria a razão de existir da teocracia dos aiatolás. A oposição verá se consegue organizar mais protestos em massa, eventualmente greve geral. Khamenei e Ahmadinejad e seus aliados vão tentar garantir que nada disso aconteça e continuar com as prisões de jornalistas e partidários de Mousavi. Se a situação for bem-sucedida, veremos Ahmadinejad tomar posse do segundo mandato muito em breve e começar seu segundo mandato num período de relativa calma. Será uma impressão falsa passada ao mundo, mas será a impressão imediata. Acho que houve um golpe preventivo. Eles temiam ou tinham certeza de que perderiam a eleição e não quiseram correr riscos. Mousavi sempre teve uma péssima relação com o aiatolá Khamenei. Na época em que os dois coabitaram, Mousavi foi um primeiro-ministro forte, o maior executivo do governo com total apoio do então aiatolá Khomeini, e Khamenei foi um presidente com poderes limitados. Quando Khamenei virou líder supremo, Mousavi passou para uma hibernação política de 20 anos, pintando e desenhando prédios. Quando voltou, Khamenei viu que havia uma ameaça. Se conseguirem massacrar a oposição, tanto Khamenei quanto Ahmadinejad terão poderes mais limitados, sairão mais enfraquecidos. Deverão muito à Guarda Revolucionária e aos basijis (a milícia paramilitar "vigilantes da Revolução"). E terão de dividir o poder. Khamenei ficará endividado com Ahmadinejad, que, internamente, terá mais poder, mas ficará como o presidente que não venceu a eleição. O Irã corre o risco de virar um novo Paquistão. Os militares podem começar a mandar mais e mais, e colocar os aiatolás de lado. Há até o risco de que Ahmadinejad dê um golpe para virar o ditador único. Em vários sentidos, o governo Ahmadinejad já militarizou o país, com 80% de seus ministros ex-comandantes da Guarda Revolucionária. O ministro do Interior, que comandou a apuração dos votos, é ex-brigadista. Embaixadores e governadores são militares. O poder religioso diminuiu. Há uma enorme disputa de poder pelos grandes negócios do Irã, do petróleo à construção de infraestrutura. Basijis e a Guarda Revolucionária já fazem bilhões em negócios petrolíferos e de construção, e no governo Ahmadinejad ganharam diversos contratos. Nos últimos 12 meses, empresas ligadas às duas forças ganharam 1,4 mil projetos só na área de irrigação. E isso é só um pequeno setor do governo! Seus comandantes vão querer mais poder. Khamenei sai diminuído. Em 20 anos como supremo líder, sua palavra determinava o fim da discussão e todo mundo seguia. Agora, não. Para quem era a voz de Deus, sua figura encolheu. Antes mesmo do final da apuração, o papel de Khamenei disse muito. Ele não esperou para referendar os resultados três dias após o anúncio. Apressou-se para anunciar o resultado e pedir aos adversários que apoiassem Ahmadinejad. Agora, seu destino está amarrado ao de Ahmadinejad. Não se sabe o quanto ele pode contar com a obediência da Guarda Revolucionária ou até se ele se transformou em uma arma subserviente desta. O presidente americano tem lidado muito bem com a situação. Tem tomado cuidado para não dar ao regime uma desculpa para dizer que esse é um evento insuflado pelos americanos, mas deixou claro que está do lado do povo iraniano. Ao mesmo tempo, manteve aberta a possibilidade de, daqui a meses, negociar sobre o programa nuclear. Foram oito anos de Bush no extremo oposto, incluindo o Irã no "eixo do mal", anunciando US$ 75 milhões para movimentos que querem derrubar o atual governo, dizendo que apoia mudança de regime. Isso em cima de 50, 60 anos de relações traumáticas. Há visões conflitantes, de que o iraniano não está interessado em política e os EUA têm de lidar com o regime atual tal como é. Mas alguns de nós dizemos não, há um movimento democrático e, mesmo que os EUA negociem com o Irã, não devem perder esse movimento de vista. A solução é que ele ganhe espaço. Obama sabe disso. Há possibilidade de vitória. Se milhões continuarem a ir às ruas, a força brutal do regime terá de se recolher. Você adia um round da luta, mas o relógio da história está contra os aiatolás. Veja as fotos da oração de sexta-feira de Khamenei, onde só há septuagenários com ideias medievais, e as fotos das manifestações, cheias de mulheres e jovens. Dois mundos que não se misturam. Meu temor é que a apatia e a descrença da classe média iraniana só cresçam a partir de agora. Desde os anos 90, milhares de doutores e profissionais qualificados emigram por ano por acharem que o país não tem solução. Há 5 milhões de iranianos no exterior. Se os ultraconservadores reprimirem ainda mais a liberdade, o número vai aumentar. Não há dúvidas de que Ahmadinejad tem uma base de apoio entre os mais pobres e os camponeses. Mas é a base que mais sofre com a crise econômica do governo dele. Não tenho dúvidas de que houve fraude. Ahmadinejad pode ter 30% dos votos, pouco mais, e ganhou em 2005 porque houve boicote da classe média contra a eleição pela desilusão com a ausência de reformas. O comparecimento foi de metade do eleitorado. Agora foi de 84%. A coligação que seguiu Mousavi é muito maior e mais abrangente. Mulheres, jovens, universitários, classe média, minorias étnicas, mercadores dos bazares, aiatolás como Montazeri e Rafsanjani e o muito popular Khatami. Foi um plebiscito sobre o status quo e Ahmadinejad. A Guarda Revolucionária já havia dito que reprimiria a "Revolução de Veludo" antes das eleições. Na própria sexta-feira, horas depois do fechamento das urnas, Ahmadinejad já era declarado vencedor. Mas os anúncios foram feitos de forma bagunçada. Cada porcentagem dos candidatos permaneceu igual do início ao fim da apuração, estatisticamente impossível em um país diverso como o Irã. E a demonstração de força militar se sucedeu nas ruas. Tudo prenunciava um golpe. Acho que a mudança de regime virá, mas de dentro do Irã. Não vejo ninguém de fora com força para qualquer coisa. Mas a mudança interna será gradual. Não chamaremos de mudança de regime, mas será uma mudança fundamental no país como o conhecemos, em que um homem comanda tudo. Veremos gradualmente a emergência de uma estrutura política mais robusta, em que os impedimentos para uma representatividade legítima serão removidos. Será mais parecido com a ideia inicial da revolução islâmica, em que o papel do líder supremo, do aiatolá, era mais decorativo, inspirado no da rainha da Inglaterra, não o que Khamenei se tornou, um líder autoritário com a palavra final em assuntos de Estado. |
segunda-feira, 29 de junho de 2009
São Paulo, segunda-feira, 29 de junho de 2009