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Crise do Senado abala alicerces do caciquismo
A crise do Senado está fora de controle. Já não há estratagemas capazes de ocultá-la ou tirá-la da agenda política, como se pretendia no início da semana. A nova denúncia contra Sarney, de mau uso de patrocínio da Petrobras à fundação que leva seu nome, reabriu as feridas com intensidade ainda mais cruenta.
Hoje, já não se fala apenas em seu afastamento provisório do cargo para que as investigações avancem. Fala-se em renúncia - do cargo e até mesmo do mandato. A representação ao Conselho de Ética, encaminhada pelo PSol e pelo senador Arthur Virgílio, líder do PSDB, voltou à ordem do dia e não será fácil detê-la.
Paralelamente, há as CPIs da Petrobras (que agora se mistura com o calvário de Sarney) e do Dnit, um dos setores do Executivo que mais acumula denúncias de corrupção e malversação de dinheiro público, envolvendo a relação do governo com as empreiteiras.
A propósito, e para apimentar mais ainda as coisas, há a descuidada declaração do craque Ronaldo, do Corinthians, de que, graças às relações pessoais do presidente Lula com as empreiteiras, as obras do futuro estádio daquele clube estão avançando. Não há dúvida de que tal revelação será explorada na CPI, que ainda não se instalou – e o governo tem esperanças de que não se instale.
Mas a crise não é apenas do Senado e dos senadores. É do governo. Ao se envolver no que lá ocorre, o presidente Lula colocou-a no colo. Tornou-se partícipe de seus lances. Chegou a costurar uma estratégia para detê-la. Liberou antecipadamente verbas parlamentares ao orçamento, para que a LDO fosse votada a toque de caixa e, ainda esta semana, o Senado entrasse em recesso. Com a casa desativada pelas férias, a tendência da crise era diluir-se.
O plano parecia perfeito. Porém, a nova denúncia contra Sarney desfez a manobra. Pior: há sinais de que novas denúncias contra o senador virão, o que tornará insustentável qualquer solução que não seja a de corrigir efetivamente os desacertos da instituição e chamar à responsabilidade os infratores.
Tudo isso ocorre quando se jogam as preliminares de 2010. Lula se empenha em garantir o apoio do PMDB à candidatura presidencial de Dilma Roussef. Esse apoio, que em circunstâncias normais já não seria fácil de obter, dada a índole camaleônica do PMDB, torna-se ainda mais improvável diante do martírio político de um de seus maiores, o senador José Sarney.
É preciso que se entenda que a crise de Sarney não é apenas dele ou do Senado, mas de todo um modo de fazer política, a que Lula já se afeiçoara com surpreendente habilidade. A queda de Sarney é um terremoto para o caciquismo político, rota escolhida por Lula e PT para exercer sua hegemonia política, que ambiciona manter pelas próximas décadas.
A CPI da Petrobras, mesmo sob o comando de sólida maioria governista, exporá aquela estatal a um strip-tease público, pois será impossível – como está sendo em relação ao Senado – conter os vazamentos de dossiês e denúncias. Elas partem da banda contrariada do funcionalismo, não acumpliciada com os desmandos.
Sinal disso é o vazamento da recente denúncia contra Sarney, que envolve a Petrobras e o esquema de favoritismo dos seus patrocínios. Sarney não é um caso isolado, mas é emblemático.
Por ele, estão vindo à tona, como numa caixa de lenços de papel, as relações incestuosas entre o público e o privado, que vigem no país desde as caravelas de Cabral. Puxa-se um caso e outro já se apresenta, numa sucessão que parece inesgotável.
Por isso mesmo, cabe dizer que a crise do Senado, que se transformou numa crise de governo, não tem perspectiva de acabar tão cedo. E não se resumirá a reformas administrativas na casa, ainda que profundas.
Bem mais que isso, é uma crise moral e política, como a do mensalão. Se essa não deu em nada, vejamos o que acontece com a de agora. Convém não subestimar a capacidade do caciquismo brasileiro de lidar com crises, por piores que pareçam.
Ruy Fabiano é jornalista