quarta-feira, 8 de julho de 2009

No It's abouth Nothing.

Comentário:

Caro Otterco: minha confiança no ser humano, individual ou coletivo, foi abalada no incêndio do Edifício Andraus, em São Paulo. Ao me aproximar da Praça da República, percebi a multidão, contida dificilmente pelos bombeiros e polícia. Quando os assediados pelo fogo, no alto do edifício, desesperados, começaram a jogar seus corpos torturados ao ar, mais clemente do que o fogo (pois dava o descanso da morte), o aglomerado coletivo gritou em uníssimo: "pula, pula, pula". Vomitei na hora e fui para casa, onde não consegui dormir em muitas noites de pesadelo. É o "povo pacífico e ordeiro" de sempre, as hienas que lincham, caluniam, perseguem todos os que lhes parecem fracos, indefesos, inferiores. É por motivos assim que leio e releio Platão, Hobbes, Canetti, Shakespeare, e outros profetas do desencanto com o humano, tal como forjado nas panelas infernais do costume, do estabelecido, da normalidade. É por isto que leio Rimbaud e Flaubert, pois a "bêtise" humana não tem fundo nem limites horizontais. Repito para mim mesmo, toda manhã, a guisa de oração, o dito de Diógenes : "quando a multidão me aplaude, é porque eu disse alguma tolice". Outro guia é Plutarco, no De curiositate. Alí, o pensador usa o conceito de kakourgia, ou seja, o hábito de fazer o que é perverso, de ver o que não poderia ser suportado pela pessoa sadia. Se um casamento é narrado, diz ele, o curioso do malefício boceja. Mas se alguém diz que uma desgraça ocorreu na festa, seus olhos brilham, suas orelhas sobem como nos cachorros, ele exige todos os detalhes nojentos. É o fascínio do horripilante, presente na midia e nas almas que habitam a modernidade, mas usuais na ordem humana, desde as cavernas. O sacrifício humano não desapareceu: ele foi substituído pelo ato simbólico de comer as carnes das celebridades ou dos desgraçados (as vitimas do Katrina, dos Tsunamis, de todos os espetáculos naturais) pelos olhos, diante da TV. Desde que necessário, retorna a coprofagia real, em guerras de extermínio como em Kosovo, em outras terras da desgraça. No fundo do mais fedorento lodaçal, a massa observa os astros e os insulta, dando o seu nome aos pobres batráquios que berram e se contorcem no show business macabro. Eles são estrelas...

E chega, porque a loucura tem método.
RR


Quarta-feira, 8 de Julho de 2009

O retrato de nossa época

Sim, estou com ‘ás voltas’ com o ‘assunto’ Michael Jackson novamente. O dantesco funeral do cantor, não acompanhado por mim, mas em contrapartida por bilhões de pessoas no mundo, mostra o retrato do que estamos vivendo atualmente.
Ontem um amigo me disse que um ‘megashow’ foi organizado em frente ao caixão de Michael Jackson. Eu não acreditei, pois pensei comigo, que nem mesmo a monstruosa família Jackson e o horrendo mercado de entretenimento fonográfico norte-americano poderiam chegar tão longe.

Pois bem, para confirmar as palavras de meu amigo, coloquei por alguns instantes na CNN ontem no final da noite (canal que evitei, assim como BBC, Fox News, Bloomberg ou qualquer outro de noticias) e confirmei o dantesco espetáculo, nos nem dois minutos que fiquei comprovei as palavras de meu amigo e ainda estarrecido assisti a filha de Michael Jackson, Paris, falando sobre o pai, espremida em palco tomado por abutres. Como podem colocar uma criança em uma situação destas? Como podem chamar aquilo de velório? Vale tudo para saciar o apetite humano para tragédias e sofrimento, que vêm desde o voyeurismo sádico das arenas romanas, alimentado hoje pela miséria mental, cultural e moral dos tais ‘reality shows’?

Michael Jackson, definitivamente um artista maior que sua própria lenda, e um ser humano triste e psicologicamente doente, foi vendido como um monstro, uma figura grotesca ou ‘Jacko Wacko’, pela mídia norte-americana, para alimentar os pequenos monstros que vivem nas pessoas cada vez mais vazias em nossa sociedade, não era o verdadeiro mosntro.
Os montros estavam presentes ontem, ora saciando esse apetite por destruição com o declínio e a miséria humana passados em um show de TV, enquanto se esquecem de suas próprias mazelas contemplando o sofrimento alheio. Ora lucrando com isso em um show.

O ‘velório’ de Michael Jackson brindou o que nos tornamos neste tempo, quanto nossas sociedades estão doentes, o quanto o ser humano ao lado é mais um pedaço de carne sem valor e sem sentimentos cuja existência é meramente para nos entreter. Não sentimos mais nada, não nos importamos com coisa alguma, o importante é sentar na melhor fileira, no melhor lugar e observar. Deixamos o papel de agentes para nos tornarmos meros expectadores. Que se danem nossos valores, que se dane nossa moral. ‘Os valores mudam’ bradam as ‘mentes abertas’ de nossa época. Enquanto o corpo fétido e putrefato de nossa sociedade, o nosso mesmo, está estendido e ofuscado com o som, o cheiro e as cores de uma festa em sua volta, que disfarça o mau cheiro que exalamos.

Ontem estavam no palco e na platéia todas as pessoas que eram 'moralmente melhores' que Michael Jackson. O homem que se deformou com plásticas, que tirou o pigmento de sua pele, que era excêntrico, infantilizado, que gastava milhões em idas a shopping centers, que se tornou uma figura andrógina, disforme e complexa. Quem é o verdadeiro monstro, quem está com alma e a mente disfiguradas agora?