domingo, 3 de outubro de 2010

Correio Popular de Campinas

Publicada em 3/10/2010

Cidades
Espaço público: imprensa controlada

Equipes têm acesso limitado em hospitais, terminais de ônibus e até no saguão da Prefeitura

Fábio Gallacci
DA AGÊNCIA ANHANGUERA
gallacci@rac.com.br

O Ato contra o Golpismo Midiático, promovido em São Paulo na semana retrasada pelos partidos da base aliada do governo federal, sindicatos — incluindo a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) — e movimentos sociais mostrou de forma mais evidente o atrito existente entre algumas autoridades e a imprensa no Brasil. O que para alguns foi encarado como uma reação democrática a ações de veículos que supostamente estariam apenas interessados em desestabilizar o governo, para outros se tratou de um nítido movimento contra a liberdade de imprensa e de informação. Em Campinas, a missão de informar também sofre restrições em diferentes graus. Muitas vezes, circular por espaços públicos para ouvir a população só é possível com autorizações oficiais prévias, sejam da Prefeitura, do Estado ou da União, como constatou a reportagem do Grupo RAC em vários locais nos últimos dias.

No Terminal Metropolitano, a equipe fazia uma reportagem sobre o receio dos cobradores de ônibus de perder seus empregos quando foi cercada por pelo menos seis seguranças, alguns armados, que proibiram a continuidade do trabalho ali dentro. Como não havia uma autorização ou o conhecimento prévio da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU) sobre a visita, o trabalho precisou ser interrompido. Um dos seguranças ainda ameaçou chamar a Polícia Militar (PM) caso a reportagem insistisse em ficar no local.

Dias depois, no mesmo terminal, outro trabalho foi realizado, mas apenas após a explicação sobre do que se tratava a pauta e de uma autorização oficial dada por telefone. A circulação pelo terminal só se daria com uma condição: a marcação cerrada do administrador do local, Hideo Higuchi. Para onde a reportagem fosse, o administrador seguia atrás.

No Hospital Ouro Verde, a equipe sequer conseguiu passar pela cancela de entrada do estacionamento. Sem aviso prévio à assessoria do assunto que seria tratado, a passagem não foi permitida. Problema semelhante ocorreu no Hospital Municipal Dr. Mário Gatti. As entrevistas na área coletiva onde algumas pessoas esperavam por mais de três horas por atendimento foram vetadas. Só poderiam ser feitas do lado de fora. A explicação da assessoria, que apareceu para saber do que se tratava, foi a de que era preciso respeitar as normas do hospital. Uma conversa até poderia ocorrer, mas sem fotos.

No Terminal Ouro Verde e no Pronto-Socorro do Jardim São José, a reportagem também foi barrada e só continuou o trabalho após explicar o que desejava aos coordenadores. Na rodoviária, repórter e fotógrafo também foram abordados pela segurança, que perguntou a razão da equipe estar ali. Ele acionou a administração do local e só liberou a circulação após o sinal positivo pelo rádio.

Um segurança e um guarda municipal (GM) delimitaram a área de trabalho no Paço. Entrevistas, só na escadaria da Prefeitura, mesmo com chuva. No mármore do saguão, nada feito.

No Aeroporto de Viracopos, o controle é rigoroso. É preciso de autorização para ter acesso ao terminal. Mas, na última terça-feira, a equipe circulou sem ser abordada.

EMTU admite existir ‘um certo exagero’

Questionada sobre o controle à imprensa dentro do Terminal Metropolitano de Campinas, a assessoria da EMTU afirmou que realmente há “um certo exagero” por parte de alguns funcionários. A assessoria admitiu que “falta habilidade” para algumas pessoas tratarem a imprensa e que seria importante um treinamento mais específico. A Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas (Emdec) informou, pela assessoria de imprensa, que o objetivo do comunicado prévio exigido para a equipe de reportagem entrar em um local como o Terminal Ouro Verde, por exemplo, é apenas facilitar o trabalho do jornalista, que pode circular pelo lugar sem qualquer outro obstáculo após o “ok”. Em relação ao Paço Municipal, a assessoria de imprensa da Prefeitura disse que o livre acesso é garantido, mas é preciso ter um controle para manter a organização do local, o que inclui a restrição de entrevistas no saguão e identificação e autorização prévias para acessar a parte interna do prédio. (FG/AAN)

‘Situação é delicada’, diz professor de ética

Roberto Romano, professor de ética e filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que é preciso analisar esse cenário de velado controle com cuidado. “A situação é delicada. Quanto menor a cidade, pior é o controle das autoridades”, diz. “E quando o presidente dá esse exemplo de truculência e de ataque à imprensa (chamada de “golpista” em comício), qualquer administrador de quinta categoria se julga no direito de assumir esse lado policialesco.”

Ele lembra do importante papel da imprensa na defesa do interesse público. “No caso da rodoviária, por exemplo, se um conjunto de usuários procura o veículo de comunicação para reclamar de algo, aí a imprensa estabelece um contrato de confiança com essas pessoas. Com isso, vocês estão munidos de autorização plena para fazer o seu trabalho, mesmo que vocês estejam reprimidos”, aponta Romano.

Para Maria José Braga, vice-presidente da Fenaj, é preciso estar atento para saber se esse tipo de controle à imprensa, como o percebido em Campinas, se dá para garantir um aperfeiçoamento do trabalho das assessorias ou se é uma forma velada de cercear a busca por informações.

“As duas coisas são possíveis. Se é feito com o objetivo da organização interna e do aperfeiçoamento da própria assessoria de comunicação, eu não vejo mal. Agora, se existe alguma tentativa de cerceamento do trabalho jornalístico, aí é preocupante e condenável”, afirma, lembrando que a categoria, caso considere necessário, pode recorrer à unidade estadual ou local do Sindicato dos Jornalistas. (FG/AAN)