sábado, 16 de outubro de 2010

Chico de Oliveira na Folha

São Paulo, domingo, 17 de outubro de 2010



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Sociólogo afirma que "Lula é mais privatista que FHC"

Para Francisco de Oliveira, um dos fundadores do PT, é "ilusão de ótica" achar que o presidente é estatizante

Professor emérito de sociologia da USP diz que atual segundo turno obriga eleitor a escolher entre o "ruim e o pior"

UIRÁ MACHADO
DE SÃO PAULO

No começo de 2003, ano em que rompeu com o PT, o sociólogo Francisco de Oliveira, 76, afirmou que "Lula nunca foi de esquerda".
Agora, o professor emérito da USP dá um passo adiante e diz que Lula, mais que Fernando Henrique Cardoso, é "privatista numa escala que o Brasil nunca conheceu".
Na entrevista abaixo, Oliveira, um dos fundadores do PT, também afirma que tanto faz votar em Dilma Rousseff (PT) ou José Serra (PSDB).


Folha - Qual a sua avaliação sobre o debate eleitoral no primeiro turno?
Francisco de Oliveira -
Fora o horror que os tucanos têm pelos pobres, Serra e Dilma não têm posições radicalmente distintas: ambos são desenvolvimentistas, querem a industrialização... O campo de conflito entre eles é realmente pequeno. Mas, por outro lado, isso significa que há problemas cruciais que nenhum dos dois está querendo abordar.

Que tipo de problema?
Não se trata mais de provar que a economia brasileira é viável. Isso já foi superado. O problema principal é a distribuição de renda, para valer, não por meio de paliativos como o Bolsa Família. Isso não foi abordado por nenhum dos dois. A política está no Brasil num lugar onde ela não comove ninguém. Há um consenso muito raso e aparentemente sem discordâncias.

Dá a impressão que tanto faz votar em uma ou no outro...
É verdade. É escolher entre o ruim e o pior.

Qual a sua opinião sobre a movimentação de igrejas pregando um voto anti-Dilma por causa de suas posições sobre o aborto?
É um péssimo sinal, uma regressão. A sociedade brasileira necessita urgentemente de reformas, e a política está indo no sentido oposto, armando um falso consenso. O aborto é uma questão séria de saúde pública. Não adianta recuar para atender evangélicos e setores da Igreja Católica. Isso não salva as mulheres das questões que o aborto coloca.

O sr. foi um dos primeiros a romper com o PT, em 2003, e saiu fazendo duras críticas ao presidente. Lula, porém, termina o mandato extremamente popular. Na sua opinião, que lugar o governo Lula vai ocupar na história?
A meu ver, no futuro, a gente lerá assim: Getúlio Vargas é o criador do moderno Estado brasileiro, sob todos os aspectos. Ele arma o Estado de todas as instituições capazes de criar um sistema econômico. E começa um processo de industrialização vigoroso. Lula não é comparável a Getúlio.
Juscelino Kubitschek é o que chuta a industrialização para a frente, mas ele não era um estadista no sentido de criar instituições.
A ditadura militar é fortemente industrialista, prossegue num caminho já aberto e usa o poder do Estado com uma desfaçatez que ninguém tinha usado. Depois vem um período de forte indefinição e inflação fora de controle.
O ciclo neoliberal é Fernando Henrique Cardoso e Lula. Só que Lula está levando o Brasil para um capitalismo que não tem volta. Todo mundo acha que ele é estatizante, mas é o contrário.

Como assim?
Lula é mais privatista que FHC. As grandes tendências vão se armando e ele usa o Estado para confirmá-las, não para negá-las. Nessa história futura, Lula será o grande confirmador do sistema. Ele não é nada opositor ou estatizante. Isso é uma ilusão de ótica. Ao contrário, ele é privatista numa escala que o Brasil nunca conheceu.
Essa onda de fusões, concentrações e aquisições que o BNDES está patrocinando tem claro sentido privatista. Para o país, para a sociedade, para o cidadão, que bem faz que o Brasil tenha a maior empresa de carnes do mundo, por exemplo?
Em termos de estratégia de desenvolvimento, divisão de renda e melhoria de bem-estar da população, isso não quer dizer nada.

Em 2004, o sr. atribuiu a Lula a derrota de Marta na prefeitura. Como o sr. vê como cabo eleitoral de Dilma?
Ele acaba sendo um elemento negativo, mesmo com sua alta popularidade. O segundo turno foi um aviso. Essa ostensividade, essa chalaça, isso irrita profundamente a classe média. É a coisa de desmoralizar o adversário, de rebaixar o debate. Lula sempre fez isso.