A história de uma garota de 10 anos que está prestes a ser vendida para a prostituição
Kolkata (Índia)
M. é uma garota cheia de energia, de dez anos, que está entre os melhores alunos de sua classe de quarto ano e sonha em ser médica. Mas ela, como toda a Índia, está num ponto de virada, e ao que parece sua família poderá vendê-la a um bordel.
Sua mãe é prostituta em Kolkata, cidade mais conhecida para o mundo como Calcutá. Ruchira Gupta, que coordena uma organização chamada Apne Aap, que luta contra o tráfico humano, estima que 90% das filhas de prostitutas indianas também terminam no mercado sexual. E M. tem o fardo extra de pertencer a uma subcasta em que as garotas normalmente se tornam prostitutas.
M. parecia prestes a escapar desse destino com a ajuda de uma de minhas heroínas, Urmi Basu, uma assistente social que em 2000 começou o programa New Light, que oferece abrigo para prostitutas e suas filhas.
M., com sua personalidade vencedora e mente afiada, começou a florescer com a ajuda do New Light. Seus pais são analfabetos, mas ela aprendeu inglês e tirou notas excelentes na escola em língua inglesa para crianças de classe média fora do bairro da luz vermelha. Preferi não revelar sua identidade para protegê-la de insultos dos colegas da escola.
Infelizmente, inteligência e personalidade nem sempre são suficientes, e a Índia é o centro do comércio de escravos do século 21. Este país tem, quase certamente, o maior número de vítimas de tráfico humano no mundo hoje.
Se M. for vendida para um bordel, ela não poderá se defender contra o HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis. A decisão de usar ou não camisinha é tomada pelo cliente ou pelo dono do bordel, e não pela menina. Num bordel em que entrei para fazer algumas entrevistas, não havia nenhuma camisinha disponível.
A polícia se esforça mais para ajudar garotas como M. do que há alguns anos, e numa coluna na semana passada eu descrevi uma batida policial num bordel e o resgate das garotas com idades de 5, 10 e 15 anos. Mas o progresso da força policial é irregular, e uma prostituta explicou porque os bordéis escondem as garotas novas da polícia: “porque quando a polícia chega, eles confiscam as meninas muito novas, e daí os donos dos bordéis precisam pagar uma propina para reaver as meninas da polícia.”
Agora, aos 10 anos, M. está ficando sem tempo. Seus pais a tiraram da escola em Kolkata e a estão enviando para seu vilarejo nativo a centenas de quilômetros a oeste dali.
“A situação de nossa família é tal que precisamos recebê-la de volta”, disse sua mãe. Ela não revela os motivos, diz apenas que o avô da menina insiste nisso. M. tem uma bolsa através do New Light para estudar de graça em Kolkata, então o custo da educação não é um fator.
Isso deixa Basu e eu com um sentimento extremamente ruim, temendo que uma vez que ela volte para o vilarejo e esteja longe de seus protetores no abrigo New Light, seu avô possa vendê-la para um traficante para transferi-la para um bairro da luz vermelha em algum lugar na Índia.
Quando perguntamos a M. o que ela pensa, ela olha para baixo e diz com voz fraca que também se preocupa. Mas ela diz que nunca vai desistir: “eu não pararei de estudar”, disse-me com firmeza.
E novamente, é improvável que ela seja consultada. Os traficantes oferecem às famílias centenas de dólares por uma menina bonita.
Estou aqui em Kolkata com America Ferrera, a atriz de “Ugly Betty”, para filmar um documentário para a televisão. Ferrera se apaixonou por M., e M. por Ferrera; elas passam a maior parte do tempo rindo juntas.
“Quando olho para ela, vejo todas as meninas de dez anos que eu já conheci”, disse Ferrera. “Ela é cheia de energia, inocente e otimista. Seria de partir o coração perder um espírito tão bonito para uma vida de violência e prostituição.”
Ferrera, Basu e eu nos esprememos no barraco de um cômodo dos pais de M. para implorar que eles a deixassem na escola em Kolkata.
“Estou implorando”, disse Basu. “Deixe sua filha ter essa oportunidade!”
Não chegamos a lugar algum. Os pais deram a M. uma passagem de trem de volta para o vilarejo dentro de uma semana. Não sei como isso terminará. Ferrera diz que escreverá cartas para M. na esperança de que isso deixe a família nervosa com a ideia de vendê-la. E Basu está aconselhando M. sobre o que ela deve fazer se for vendida a um traficante. Nós não sabemos o que mais fazer.
O que eu sei é que é surreal que essas cenas estejam se desenrolando no século 21. O pico do comércio transatlântico de escravos foi a década de 1780, quando quase 80 mil escravos por ano eram transportados da África para o Novo Mundo.
Hoje, a Unicef estima que 1,8 milhão de crianças por ano entrem no comércio sexual. Multiplique M. por 1,8 milhão, e você entenderá a necessidade de um movimento abolicionista.