terça-feira, 13 de março de 2012

Pedro Bondaczuk...e o mal.

O mistério do mal

Por em 24/02/2011


Maldade“O mal para mim não é um problema, é um mistério”. Essa afirmação, que pode soar estranha aos desavisados, feita em um de seus livros (não me recordo qual), é do prolífico escritor francês André Malraux. Expressa, acima de tudo, a perplexidade de pensadores de todos os tempos (e, claro, a minha também), das mais diversas disciplinas e tendências – como teólogos, filósofos, antropólogos, sociólogos, cientistas políticos, estudiosos do comportamento etc. – face esse terrível e corriqueiro fenômeno da natureza humana.

Foram escritos verdadeiros tratados a respeito, sem que os autores conseguissem definir o que importa: as causas e as origens da maldade. As ações maléficas, e suas conseqüências, dispensam qualquer estudo. São conhecidas demais de todos nós. Os meios de comunicação tratam, todos os dias, sem nenhuma interrupção, fartamente, delas. Aliás, essa é, praticamente, a única matéria-prima do trabalho do jornalista.

A cientista política Hannah Arendt dedicou um profundo (e famoso) ensaio ao assunto e chegou à mesmíssima conclusão de Malraux: “o mal é um mistério”. Quem o pratica sabe que está agindo de maneira inadequada. Tem plena consciência que, de uma forma ou de outra, não vai escapar impune. Ainda assim, movido não se sabe por qual força e sentimento, e que não são os ditados pelo instinto – já que o agente está consciente do que está fazendo e das conseqüências que terá de arcar – não se detém. Pratica o mal. Por que? Ninguém respondeu, até hoje, de forma convincente e categórica, a esta questão.

Seria ignorância? Não! Afinal, homens de grande cultura e saber também o praticam. Aliás, até mais do que os broncos e ignorantes, por disporem de maiores recursos mentais e materiais. A propósito, Denis Diderot afirmou (citado pelo filósofo Roberto Romano, em seu excelente livro “Silêncio e Ruído – A Sátira em Denis Diderot”): “As aglomerações humanas sutilizaram os vícios, refinaram a arte do crime; daí vem o fato de que enxergamos freqüentemente, em nações policiadas, atentados dos quais não encontramos similar entre os selvagens”. Exemplos? Mas é preciso?!

O que leva um governante de um país razoavelmente desenvolvido, como o ex-primeiro-ministro espanhol, José Maria Aznar, a explorar politicamente um atentado em Madri, que resultou em 202 mortos e mais de 1.500 feridos, mentindo para a população sobre sua autoria, pensando em levar vantagem? Claro que ele, como político experiente que é, certamente sabia quais seriam as conseqüências caso sua mentira fosse desmascarada (como foi). Ainda assim, indiferente ao clima de comoção nacional provocado pelo ato terrorista, agiu de forma oportunista, e, portanto, maldosa. E perdeu as eleições que estavam praticamente ganhas, como indicavam as pesquisas de opinião.

E o que moveu os autores desses (e de dezenas de milhares de outros) atentados? Teriam eles, de fato, a convicção de que o recurso à violência, de forma monstruosa e covarde, por atingir inocentes, alheios às suas querelas, é um meio legítimo de luta por um ideal, não importa qual? Duvido! Ainda assim, não vacilaram em matar centenas de pessoas, sem lhes dar a mais remota chance de defesa.

E qual o móvel das organizações terroristas do Oriente Médio, que arregimentam meninos-bomba para atacar a população civil de Israel? Patriotismo? Bobagem! E qual era o do ex-primeiro-ministro israelense Ariel Sharon, de péssimos antecedentes (no início dos anos 80 foi o responsável pelo massacre de palestinos nos campos de refugiados de Sabra e Shatilla, em Beirute), ao recorrer à força das armas para “assassinar preventivamente” seus desafetos (como no caso do líder do Hamas, xeque Ahmed Yassin), demolir casas de palestinos e manter esse povo em clima de permanente terror, realimentando seu ódio latente e seu desejo de vingança? Será que não tinha consciência do mal que estava praticando?! Claro que tinha! E por que, afinal, procurava se justificar, achando que seu procedimento era legítimo, sabendo que não era? O mal é, mesmo, um mistério.

O romancista William Somerset Maugham tratou de outro aspecto da maldade, a criminalidade. Constatou, em seu livro “O fio da navalha” (Editora Globo): “Algumas pessoas têm um temperamento esquisito. Existem criminosos que trabalham como mouros a organizar planos que os levam à prisão e que, nem bem recuperam a liberdade, reincidem e acabam sendo novamente presos. Se eles empregassem a mesma perseverança, a mesma inteligência, a mesma paciência e os mesmos recursos, em algum projeto honesto, poderiam ter uma ótima renda e ocupar posições de destaque. Mas a questão é que são feitos daquela massa. Gostam do crime”. Por que? Por serem escravos do mal, cujas causas são, de fato, inexplicáveis, à luz da mínima lógica. É ou não é, pois, um mistério?! Voltaremos, oportunamente, ao assunto.

*Pedro J. Bondaczuk é jornalista e escritor, autor dos livros “Por uma nova utopia”, “Cronos e Narciso” e “O país da luz”.

E-mail: pedrojbk@bestway.com.br