Brasil
Caso Tinga gera onda de solidariedade poucas vezes vista no Brasil
Dilma, Joaquim Barbosa e até os rivais do Atlético Mineiro criticam
manifestações de racismo contra o jogador cruzeirense na Libertadores.
Pressionada, Conmebol abre investigação que pode gerar punição a time
peruano.
O episódio de racismo envolvendo o volante Tinga, do Cruzeiro, gerou uma
onda de solidariedade poucas vezes vista no Brasil. Da presidente Dilma
Rousseff até o presidente do rival Atlético Mineiro, inúmeras
personalidades saíram em defesa do atleta. "Foi lamentável o episódio de
racismo contra o jogador Tinga", escreveu Dilma na sua conta no
Twitter. "Por isso, hoje o Brasil inteiro está #FechadoComOTinga."
O presidente do Atlético, Alexandre Kail, criticou os insultos racistas
ao jogador. "Racismo na Libertadores? Me tiraram o prazer da derrota do
Cruzeiro. Lamentável!", escreveu o dirigente alvinegro. Também atletas
atleticanos, como Diego Tardelli e Réver, expressaram apoio ao
cruzeirense.
Em tom parecido manifestaram-se, pelo Twitter, o ex-jogador Ronaldo e os
craques Neymar e Ronaldinho Gaúcho. Até o presidente do Supremo
Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, enviou telegrama ao jogador,
prestando "total solidariedade pelos odiosos atos de racismo".
Tinga entrou em campo aos 20min do segundo tempo na partida de estreia
do Cruzeiro e do Real Garcilaso na Copa Libertadores na quarta-feira
(12/02). Toda vez que recebia ou tocava a bola, era fortemente vaiado no
estádio da cidade de Huancayo, o que o impediu de se concentrar em
campo.
O caso também teve forte repercussão nas redes sociais, com a hashtag
#FechadoComOTinga, usada também por Dilma, ganhando rapidamente espaço
no Twitter.
"Ao mesmo tempo em que as barbaridades estão mais evidentes, as reações
surgem na mesma medida, e isso é positivo", afirma o coordenador do
Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas da Universidade Federal de
Minas Gerais (Gefut/UFMG), Silvio Ricardo da Silva.
Já o filósofo Roberto Romano, da Unicamp, afirma que as manifestações de
solidariedade não significam que a população brasileira esteja menos
tolerante com o racismo.
"Atitudes racistas continuam. O fato é que elas estão mais domesticadas
devido às leis que criminalizam esse tipo de comportamento em público",
observa. "Eu não diria que o brasileiro está menos racista. Ainda
estamos no caminho para atenuar esse mal no Brasil."
Jogador já foi alvo de preconceito
Especialistas destacam que a ação da torcida peruana é contraditória, já
que o país também tem uma população miscigenada, como no Brasil. Além
disso, o Peru tem como grande ídolo do futebol o jogador Teófilo
Cubillas, que é negro. O presidente do Peru, Ollanta Humala, também
manifestou repúdio à reação da torcida.
"Por mais estranho que possa parecer, a torcida peruana tem
formação racial indígena e é tão miscigenada quanto o povo brasileiro.
Mas parece que as pessoas se esquecem disso. Eu acho que gritos tanto
homofóbicos quanto racistas revelam o que vai na alma da pessoa", diz o
jornalista esportivo Juca Kfouri.
Tinga já foi alvo de racismo entre as quatro linhas em 2005, quando
defendia o Internacional. Torcedores do Juventude, de Caxias do Sul,
imitavam sons de macaco quando o jogador tocava na bola. Na época, o
time foi punido pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) com
multa de 200 mil reais, além da perda de dois mandos de campo. Mas o
episódio não gerou a mesma onda de solidariedade.
"O time do Caxias também tinha negros, e eles pegaram o Tinga para
Cristo. Como você pode hostilizar Tinga pela cor da pele se no seu time
há negros? A questão não é tão simples assim", afirma Kfouri. "Eu não
tenho, infelizmente, muita ilusão quanto a esses que estão se
solidarizando com o Tinga hoje. Eu acho que eles torcem mais para o
Cruzeiro do que repudiam o racismo."
Iniciada investigação
A Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) aceitou a denúncia
feita pelo Cruzeiro e abriu uma investigação preliminar para apurar o
caso de racismo, o que pode resultar em punição ao Real Garcilaso. A
Confederação Brasileira de Futebol (CBF) destacou, em nota, que além de
Tinga, jogadores como Neymar, Marcelo, Diego Maurício, Roberto Carlos e
Hulk também sofreram preconceito nos gramados.
Para Silvio Ricardo, do Gefut, a Conmebol é negligente em relação a
casos de racismo nos estádios que recebem jogos da Libertadores: "É
recorrente na história do campeonato haver atos de violência, pressão a
árbitros, jogos em altitudes que são fisiologicamente nocivas à saúde.
Há uma certa concessão da entidade a casos que jamais ocorreriam em
jogos da Fifa, por exemplo."
Em solo brasileiro após retornar de Lima, o jogador disse estar chateado
com a situação e ressaltou que está preparado para enfrentar essas
dificuldades, mas sua família, não. "Espero que a gente venha a mudar
isso por nós mesmos, não precisamos esperar por ninguém. Espero que cada
um possa mudar isso dentro de casa e no convívio com as pessoas",
afirmou o jogador.
DW.DE
- Data 14.02.2014
- Autoria Karina Gomes / Fernando Caulyt
- Edição Alexandre Schossler / Rafael Plaisant
- Compartilhar Enviar Facebook Twitter google+ Mais
- Feedback : Deixe aqui seu comentário
- Imprimir Imprimir a página
- Link permanente http://dw.de/p/1B9WZ