terça-feira, 2 de junho de 2009

Canal Terra, 30/05/2009.

CPIs são essenciais à democracia, dizem especialistas

30 de maio de 2009 • 21h08 • atualizado às 21h08


"Essa pecha de que CPI é política é de uma tolice atroz. Ela é um instrumento do Legislativo, logo, é permeada de política (...) Se fôssemos analisar cada uma dessas CPIs, eu diria que tudo o que aconteceu agora nesta divulgação da farra das passagens não teria como acontecer se não tivesse tido as outras CPIs. Elas têm efeito cumulativo, elas abrem caminho pra isso". (Roberto Romano).

Marina Mello

Direto de Brasília

As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) são instrumentos investigativos do Poder Legislativo que funcionam mais como palanque político do que como instância de apuração, segundo quatro cientistas políticos ouvidos pelo Terra. Apesar disso, todos os especialistas destacam que as CPIs são um mecanismo fundamental de democracia e essenciais para trazer a público questões suspeitas que vinham sendo escondidas pelos agentes públicos do País.Desde 1993 quando a chamada CPI do PC acabou impulsionando o impeachment do então presidente Fernando Collor, muitas outras CPIs foram criadas no Congresso.

Na visão de especialistas, algumas delas deram em bons resultados e outras serviram apenas para que deputados e senadores aproveitassem o espaço que essas comissões acabam proporcionando a eles nos veículos de comunicação. Para o professor de Ciência Política da USP, Gualdêncio Torquato, para que uma CPI tenha resultados, ela precisa ter como alvo de investigação pessoas importantes e questões relevantes. Além disso, a comissão necessita de um objeto determinado de apuração.

"A investigação precisa ter teor de impacto, precisa ter novidades. De repente você cava, cava e não acha novidade alguma. Aí cai na mesmice, na velha briga entre governo e oposição, sob pena de cair na superficialidade", explica. Para o professor do Instituto de Ciência Política da UnB (Universidade de Brasília), David Fleitsher, por não terem poder de punir, as CPIs acabam ficando cada vez mais restritas à disputa política. "A CPI não tem poder de Justiça para processar ou prender alguém. Ou sobra para o político ser cassado pela Câmara ou pelo Senado, ou sobra para o Ministério Público julgar. Na CPI do Mensalão e na CPI do Orçamento cassaram alguns, mas colocar alguém na prisão é muito raro", avalia.

Já o cientista político Roberto Romano avalia que, por ser um instrumento do Legislativo, nada mais óbvio do que uma CPI ter grande aspecto político. Porém, por causa da repercussão na mídia ao longo dos últimos anos, as CPIs criadas no Brasil tiveram forte efeito cumulativo e acabaram resultando num amadurecimento do eleitorado dos grandes centros do País, avalia.

Efeito cumulativo

"Essa pecha de que CPI é política é de uma tolice atroz. Ela é um instrumento do Legislativo, logo, é permeada de política", afirma. "Se fôssemos analisar cada uma dessas CPIs, eu diria que tudo isso que aconteceu agora nesta divulgação da farra das passagens não teria como acontecer se não tivesse tido as outras CPIs. Elas têm efeito cumulativo, elas abrem caminho pra isso", disse.

Segundo ele, é comum que quem esteja no Poder Executivo diga que as CPIs prejudicam o País, a economia e a imagem do Brasil no exterior. O especialista diz que vê "com muita apreensão" a "campanha" contra as CPIs feita pelos apoiadores do governo Lula. "É uma repetição do que faziam os que apoiavam o governo de Fernando Henrique Cardoso", afirma. "Não permitir uma CPI é uma forma de mini-golpe de Estado".

Mesmo negando ter o "otimismo" de que a CPI pode mudar o mundo, o professor explica que ela traz mais fatos ao alcance da população. "Não sou da escola da 'Polyana', sou crítico. Mas vejo que é só através destas tensões e destas situações duras que você consegue trazer para o contribuinte - que é quem paga a conta - uma maior transparência sobre os acontecimentos", analisa.

O professor da Faculdade de Direito da UnB, Mamede Said, explica que existe uma falsa expectativa em relação ao poder de punição das CPIs, por isso se tem essa sensação de que boa parte delas "acaba em pizza". Segundo ele, na maioria das vezes os relatórios produzidos pelas CPIs apontam fortes indícios de irregularidades, mas que depois acabam caindo no esquecimento."Esse papo de que toda CPI acaba em pizza é falso, ela não é feita pra processar ninguém." Para ele, o problema é que os relatórios, muitas vezes consistentes terminam "dormindo nas prateleiras do Ministério Público."