terça-feira, 16 de junho de 2009

Correio Popular de Campinas, 17/06/2009

Publicada em 17/6/2009


Sobre o blog da Petrobras


Roberto Romano

Semana passada o jornal O Globo (10/6) publicou uma entrevista comigo, sobre o blog criado pela Petrobras para, supostamente, dar ao público sua versão dos eventos negativos ligados à empresa. Os assessores de imprensa ameaçavam divulgar dados e questões dos jornalistas, antes que as matérias fossem publicadas no veículo que as empreenderiam. Deixei clara minha posição, segundo a qual os profissionais da mídia deveriam ouvir, sempre, os encarregados pela Petrobras. Caso eles não respeitassem as normas do convívio civilizado entre segmentos institucionais, que fossem postos no olvido, fazendo o profissional da imprensa o que deve, seguir sua consciência e publicar a notícia da maneira mais próxima ao espírito da coisa relatada.

Não imaginei que o Brasil contasse com mentes tão pouco instruídas, justamente em setor que requer erudição e prudência opinativa. Certo crítico da entrevista, após colocar muitas aspas nos meus títulos acadêmicos, afirmou que apelar para a noção de consciência era algo irrelevante e, mesmo, ridículo. Afinal, disse ele, Mengele também possuía uma consciência. O mesmo analista diz ter rido às escâncaras com as minhas respostas ao jornal, justo pelo emprego da consciência como critério de ação e julgamento.

Sigo o ataque do meu crítico. Em primeiro lugar, as aspas, variante vulgar da retórica ad hominem. Elas foram usadas na propaganda fascista, nazista e comunista. Você tem a missão, dada pelo grupo político, religioso, econômico, ideológico, de arrancar um indivíduo da vida pública? Aspas no seu nome, nos seus títulos, na sua nacionalidade, na sua condição humana! V. Klemperer, vítima do nazismo que observou procedimentos nazistas da fala, nota o uso escabroso das aspas na luta pelo extermínio dos que ousam ser e pensar, desafiando a unanimidade oficial. “A língua do Terceiro Reich”, diz o autor, “tem horror da neutralidade, porque ela sempre precisa de um adversário e sempre precisa derrubar este adversário”. Se os revolucionários espanhóis têm uma vitória, se possuem oficiais ou um quartel-general, eles invariavelmente são ditos “vitoriosos” ou “oficiais” vermelhos. Mais tarde, a mesma regra foi usada pelos fascistas contra os russos, que teriam uma “estratégia”. A Iugoslávia teria um “Marechal”, Tito. Chamberlain, Churchill, Roosevelt sempre eram ditos “estadistas”. Einstein, seria um “pesquisador científico”, Rathenau “um alemão” e Heine, escritor “alemão”.

O uso das aspas, para tentar expôr os inimigos ao ridículo, se generalizou no fascismo de tal modo, diz Klemperer, “que nenhum artigo de jornal ou discurso impresso deixava de estar delas apinhado (...). As aspas pertencem tanto à língua impressa do Terceiro Reich quanto à entoação de Hitler e Goebbels, elas são intrínsecas às duas” (LTI: Lingua Tertii Imperii, Languag e of the Third Reich, Continuum Ed., 2000, p. 73).

Outro vezo fascista era negar aos intelectuais de certa origem (racial, política, ideológica, religiosa) os títulos acadêmicos. Quando as aspas se mostravam insuficientes, era proibido nomear professores, médicos, advogados, juízes em desgraça face às massas militantes, segundo os seus diplomas universitários. Os judeus foram assim os mais humilhados. Mas a técnica foi aplicada aos outros inimigos do Reich (B. Bettelheim, The Informed Heart, the human condition in modern mass society, Thames/Hudson, 1960, p. 119). O método não vicejou apenas entre os fascistas de direita. Os da esquerda também usaram aspas para desacreditar inimigos. As formas de governo liberais eram ditas “democráticas”, os professores não ortodoxos em termos de stalinismo eram “intelectuais”, etc. Comunhão negra dos nada santos militantes, diria Merleau-Ponty.

A técnica da desqualificação é sempre a mesma, porque é sempre o mesmo estilo de fazer política: aniquilar quem pensa diferente. Tal é a regra dos que se ajoelham diante dos poderosos e não admitem que os demais deixem de fazer o mesmo. No próximo artigo, tratarei da consciência, algo tão ridículo ao meu apressado e imprudente crítico.