deu em o globo
Pânico na Petrobras
De Ilimar Franco:
A direção da Petrobras está inquieta com a CPI . Teme a exposição de seus contratos, definidos como "sofisticados e complexos". Avalia que eles não podem ser analisados como os de uma prefeitura. Argumenta que os investimentos envolvem pacotes, nos quais o financiador está associado a empresas de engenharia ou fornecedores de equipamentos ou a construtoras. A empresa está alarmada com o prejuízo à sua imagem com a divulgação de denúncias anônimas não comprovadas.
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COMENTÁRIO (RR) : A notícia acima faz-me recordar um trecho de palestra que pronunciei em Congresso de Juízes, no Recife, cerca de dois anos atrás. Para incomodar apedeutas tucanos —vocês leram certo, tucanos, primos dos petistas inclusive neste plano— que dizem ser eu intelectual de um só autor, Elias Canetti, cito, em determinada passagem da palestra o correto Max Weber e sua crítica da burocracia. Esta última sempre se nega a fornecer dados secretos aos monarcas poderosos, aos Parlamentos, etc. É o que assistimos hoje, no caso da CPI da Petrobrás. Um partido burocrático e autoritário (formado na burocracia sindical, em sua maioria) apoia outra formidável burocracia, a da estatal de petróleo, onde se abrigam também burocratas (formados na burocracia sindical ou universitária...) com seus arcana, supostamente sagrados, como no Antigo Regime absolutista. Tanto os soberanos absolutos e arbitrários, como o pequeno rei da Petrobrás, Sr. José Sérgio Gabrielli de Azevedo - Diretor de RI / CFO da Petrobrás, usam o surrado "Noli me tangere" para guardar segredos, com artifícios retóricos que beiram ao absurdo e à chantagem. Acreditar em seus argumentos, o lesa pátria do presidente, emitido contra os defensores da CPI, são blasfemos lesa majestade divina.
Interessante notar que, até se aboletarem no poder, aqueles burocratas sabiam fingir republicanismo e democracia, defendiam a transparência nas contas públicas e todo o arsenal de artimanhas para "denunciar" os seus colegas (peemedebistas e tucanos) também afeitos à ética do segredo burocrático sem peias. A imprensa que ajudou nas "descobertas" de malefícios em empresas públicas e no aparelho de Estado, hoje está nas mãos dos "companheiros" e de "empresários" cujo costume (ética...) é parasitar os governos, recebendo em troca da propaganda e da blindagem dos poderosos, generosas verbas que manterão seus veículos na UTI. Vejam a sequência do comentário que fiz sobre as teses de Weber, e me digam se o grande sociólogo não era uma inteligência brilhante.
"Segundo Max Weber a burocracia, ´máquina sem vida, é espírito coagulado. E apenas porque é isto, ela tem o poder de forçar os indivíduos a servi-la e determinar o curso cotidiano de seu trabalho vital (…) Como espírito coagulado aquela máquina viva representa a organização burocrática com sua especialização do trabalho profissional aprendido, sua delimitação das competências, seus regulamentos e relações de obediência hierarquicamente graduados. Unida à máquina morta, a viva trabalha para forçar a jaula (Gehäuse) daquela servidão do futuro a que talvez os homens se vejam obrigados a submeter-se impotentes, como os felás do antigo Egito´.
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Se as pessoas comuns seguem dominadas pelas formas burocráticas, também os legisladores e governantes tombam na malhas tecida pela racionalidade dos escritórios. O segredo é renitente prerrogativa da raison d´État (2) Os justificadores da burocracia a defendem com fanatismo e brandem o ´segredo do cargo´. Se a burocracia enfrenta um Parlamento, luta com instinto seguro contra os ensaios ali realizados para abolir o segredo do cargo com meios próprios e conhecimentos especiais. ´Um Parlamento mal informado e, portanto, sem poder, é naturalmente melhor acolhido pela burocracia (…) Inclusive o monarca absoluto, e de certo modo ele justamente, percebe a si mesmo quase sempre impotente diante do superior conhecimento burocrático especializado´. (3 )
Se aquela rede controla governantes e legisladores, também os juízes caem em suas teias. Só a burocratização do Estado e do direito reconhece em geral a definitiva possibilidade de rigorosa distinção conceitual entre uma ordem jurídica ´objetiva´ e direitos ´subjetivos´ dos indivíduos garantidos por eles, bem como a separação entre o direito ´público´, ligado às relações entre autoridades e ´súditos´, e o direito ´privado´que regula as relações dos indivíduos dominados entre sí. A burocratização pressupõe a separação abstrata entre o ´Estado´, enquanto sustento abstrato dos direitos de mando e criador das ´normas jurídicas´ e todas as ´atribuições´ pessoais dos indivíduos´. (4 )"
(1) Wirtschaft und Gesellschaft. Fünfte Revidierte Auflage. (Tübingen, J.C. B. Mohr, 1972), página 835. Cf. também a tradução inglêsa: Economy and Society, an outline of Interpretative Sociology. Guenther Roth e Claus Wittich (Berkeley, University of California Press, 1978), página 1402.
(2) Cf. Roberto Romano: “Soberania, segredo, Estado democrático”. Revista Política Externa, volume 13, no 1, Junho/Julho/Agosto 2004. Página 15 até página 28. E também, do mesmo autor, cf. “Reflexões sobre impostos e Raison d´Etat”. Revista Economia Mackenzie, Ano 2, número 2, página 76 e seguintes. O texto pode ser encontrado em forma eletrônica, com notas e indicações bibliográficas no seguinte endereço : http://www.mackenzie.com.br/editoramackenzie/revistas/economia/eco2n2.htm
(3) Wirtschaft und Gesellschaft, página 573. Cf. a tradução espanhola: Economia y Sociedad, Esbozo de sociologia comprensiva.
Winckelmann, Johannes e Echavarria, José Medina (Mexico, FCE, 1969), T. II, página 745.
Winckelmann, Johannes e Echavarria, José Medina (Mexico, FCE, 1969), T. II, página 745.
(4) Weber, Economia y Sociedade, ed. cit. T II, página 749.