No domingo passado o ombudsman da Folha designou como "sectária" a celeuma aberta pelo Blog da Petrobras. Muito pouco foi dito por ele sobre a evidente pressão ilegal da empresa contra o jornalismo (inclusive o que lhe paga os honorários, aliás bem merecidos dadas as suas qualificações profissionais). Hoje o colunista Clovis Rossi retoma a senda aberta pelo Ombdusman, a propósito dos blogues e dos meios eletrônicos de comunicação (esta última palavra, a seguir as sentenças de Rossi, deveria estar entre aspas). Argumento: os blogues não traduzem movimentos sociais ou políticos, porque...se limitam às seitas dos que pensam igual. O colunista apresenta razões ponderáveis em favor de seu argumento. De fato, basta uma inspeção nos blogues mais em evidência (a começar com o da Petrobras) para perceber que os "comentários" na realidade se limitam a duas atitudes fundamentais. A primeira, de pura louvação aos que tocam aqueles instrumentos, a segunda de xingatórios e maldições dirigidas aos que por eles são criticados. É o cosmos de Mani em estado puro. Somos tentados a repetir, com o escritor teatral francês do século XVII : "Nul aura de l´esprit, hors nous et nos amis". ("Ninguém será fino e inteligente, salvos nós mesmos e nossos amigos", Molière, Les femmes savantes). A réplica certeira ao dito veio na pena de Diderot : "Nul n´aura de l´esprit, s´il n´est aussi sot que nous" ("Ninguém será fino e inteligente, se não for tão idiota quanto nós mesmos", Le Neveu de Rameau).
Nos blogues, os "comentaristas" e seu querido escritor se imaginam finos, inteligentes, bem educados, pessoas "bien nées". A realidade que não percebem, porque partilham a idiotia das comunhões ideológicas (e de outras comunhões, pouco importa) é que seu comportamento na escrita é tão vulgar e desprovido de lógica argumentativa, quanto a dos seus inimigos. Os "comentaristas" operam como em espelho, percebem a si mesmos no campeão do blog, o seu mentor espiritual. Comunhão narcísica que os faz vibrar a cada novo insulto descoberto por seu ídolo contra os que não partilham as teses esposadas no diário da pequena corte. Tenho lido palavrões do pior calão em comentários, que mostram uma alma de sarjeta que se imagina sublime. E assim ocorre em boa parte dos blogues. Por tal motivo, os que mantem blogues e não querem seitas (nem ataques abaixo da cintura) desarmam as intervenções de leitores. Assim, a hipótese de Rossi parece estar confirmada.
Algumas questões: não foi sempre assim, sobretudo na imprensa escrita? Os leitores nazistas não liam, de preferência, o Völkischer Beobachter? Os leitores da direita francesa não preferiam e preferem Le Figaro? Os liberais norte-americanos não insistem em ler The New York Times, The Washington Post? Os conservadores ingleses não deixam de lado o The Economist e outras publicações similares. No Brasil, o leitorado mais, digamos, conservador, tinha o costume de ler O Estado de São Paulo. Os supostos progressistas liam a Folha. Mas nem sempre foi assim. Ocorreu nas vésperas dos finados da ditadura militar o seguinte : a Folha percebeu o potencial econômico dos leitores insatisfeitos com o regime. E se abriu para algumas causas como as diretas já. No mesmo passo, incorporou colunistas liberais e colaboradores idem, alguns integrando o amplo espectro do que denominava, na época, "a esquerda". A fórmula deu certo e a Folha venceu paradas de venda inéditas, esposando causas ao mesmo tempo liberais, esquerdistas e neo-liberais. Todas as correntes conflitantes tinham seu pequeno pé no jornal, além dos pequenos agrupamentos interna e extra corporis que favoreciam as própias ambições e interesses. A Folha pode ser definida como um arquipélago de grupos e ideologias conflitantes, administradas pela Redação, a quem incumbe as decisões em última instancia. Hoje há uma guinada à direita, com algumas concessões ao que restou da esquerda. No Estado, a essência liberal permanece, com algumas concessões à esquerda, em páginas assinadas, entrevistas, etc.
Tanto a Folha quanto o Estado servem como ponto obrigatório de referência em análises políticas, econômicas, culturais (embora a qualidade dos cadernos dedicados à cultura tenha baixado de nível assustadoramente). Impossível seguir o que se passa no Brasil sem a leitura daqueles periódicos. Mas aceitar tudo o que alí se enuncia, como se dogmas fossem, também é inviável. Angulações e seitas habitam suas páginas, talvez em plano mais grave do que o ocorrido nos blogues.
A estrutura leitor/veículo se mantem na mesma relação, tanto na midia impressa quanto na televisiva e nos blogues. O vínculo de Narciso opera, porque ele permite fortalecer o que Elias Canetti intitula "massas de perseguição". Com o vínculo entre leitor e dono do espaço de comunicação o ego de todos e da cada um se fortalece, justamente ao escolherem o inimigo comum a ser morto (simbólica ou fisicamente) ou expulso da cena pública. Os donos do espaço (jornal, TV, blog) lançam as palavras de morte ou salvação. Os leitores e adeptos servem como horda de perseguição, assassinato do espírito e, se necessário aos seus fins, de corpos.
Mas existem casos que fazem pensar, como ocorre agora no Irã. Os blogues e similares levam multidões às praças, não para matar inimigos, mas para defender uma franja mínima de liberdade. As demonstrações nas ruas de Teerã resultam de muito diálogo entre os que não suportam mais o terrorismo do regime.
A pensar....
Roberto Romano
Nos blogues, os "comentaristas" e seu querido escritor se imaginam finos, inteligentes, bem educados, pessoas "bien nées". A realidade que não percebem, porque partilham a idiotia das comunhões ideológicas (e de outras comunhões, pouco importa) é que seu comportamento na escrita é tão vulgar e desprovido de lógica argumentativa, quanto a dos seus inimigos. Os "comentaristas" operam como em espelho, percebem a si mesmos no campeão do blog, o seu mentor espiritual. Comunhão narcísica que os faz vibrar a cada novo insulto descoberto por seu ídolo contra os que não partilham as teses esposadas no diário da pequena corte. Tenho lido palavrões do pior calão em comentários, que mostram uma alma de sarjeta que se imagina sublime. E assim ocorre em boa parte dos blogues. Por tal motivo, os que mantem blogues e não querem seitas (nem ataques abaixo da cintura) desarmam as intervenções de leitores. Assim, a hipótese de Rossi parece estar confirmada.
Algumas questões: não foi sempre assim, sobretudo na imprensa escrita? Os leitores nazistas não liam, de preferência, o Völkischer Beobachter? Os leitores da direita francesa não preferiam e preferem Le Figaro? Os liberais norte-americanos não insistem em ler The New York Times, The Washington Post? Os conservadores ingleses não deixam de lado o The Economist e outras publicações similares. No Brasil, o leitorado mais, digamos, conservador, tinha o costume de ler O Estado de São Paulo. Os supostos progressistas liam a Folha. Mas nem sempre foi assim. Ocorreu nas vésperas dos finados da ditadura militar o seguinte : a Folha percebeu o potencial econômico dos leitores insatisfeitos com o regime. E se abriu para algumas causas como as diretas já. No mesmo passo, incorporou colunistas liberais e colaboradores idem, alguns integrando o amplo espectro do que denominava, na época, "a esquerda". A fórmula deu certo e a Folha venceu paradas de venda inéditas, esposando causas ao mesmo tempo liberais, esquerdistas e neo-liberais. Todas as correntes conflitantes tinham seu pequeno pé no jornal, além dos pequenos agrupamentos interna e extra corporis que favoreciam as própias ambições e interesses. A Folha pode ser definida como um arquipélago de grupos e ideologias conflitantes, administradas pela Redação, a quem incumbe as decisões em última instancia. Hoje há uma guinada à direita, com algumas concessões ao que restou da esquerda. No Estado, a essência liberal permanece, com algumas concessões à esquerda, em páginas assinadas, entrevistas, etc.
Tanto a Folha quanto o Estado servem como ponto obrigatório de referência em análises políticas, econômicas, culturais (embora a qualidade dos cadernos dedicados à cultura tenha baixado de nível assustadoramente). Impossível seguir o que se passa no Brasil sem a leitura daqueles periódicos. Mas aceitar tudo o que alí se enuncia, como se dogmas fossem, também é inviável. Angulações e seitas habitam suas páginas, talvez em plano mais grave do que o ocorrido nos blogues.
A estrutura leitor/veículo se mantem na mesma relação, tanto na midia impressa quanto na televisiva e nos blogues. O vínculo de Narciso opera, porque ele permite fortalecer o que Elias Canetti intitula "massas de perseguição". Com o vínculo entre leitor e dono do espaço de comunicação o ego de todos e da cada um se fortalece, justamente ao escolherem o inimigo comum a ser morto (simbólica ou fisicamente) ou expulso da cena pública. Os donos do espaço (jornal, TV, blog) lançam as palavras de morte ou salvação. Os leitores e adeptos servem como horda de perseguição, assassinato do espírito e, se necessário aos seus fins, de corpos.
Mas existem casos que fazem pensar, como ocorre agora no Irã. Os blogues e similares levam multidões às praças, não para matar inimigos, mas para defender uma franja mínima de liberdade. As demonstrações nas ruas de Teerã resultam de muito diálogo entre os que não suportam mais o terrorismo do regime.
A pensar....
Roberto Romano