quarta-feira, 8 de junho de 2011

De Rerum Natura...um ponto de vista, uma opinião.

Quarta-feira, 8 de Junho de 2011

A CRESCENTE DEGRADAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR

“Devido à irresponsabilidade dos governos, ao populismo dos parlamentares e à cobardia dos docentes, a universidade degradou-se para além do razoável” (Maria Filomena Mónica, “Público”, 08/12/2003).

Em Portugal, em rotas do ensino superior navega-se sem bússola ou carta de mareante. Ora, mesmo nas simples casas comerciais, no findar de cada ano civil, fecham-se as portas para balanço avaliando o stock de mercadoria existente e providenciando as necessidades futuras. Ao invés, o sistema educativo superior português tem prescindido desses tão úteis balanços, ou quando o faz é de uma forma viciada pretendendo dar o ar de virtuosa medida a medidas de duvidosa moral por parte de alguns dos seus mais directos responsáveis porque, para Isidro Alves, ao tempo reitor da Universidade Católica, “o poder político não conseguiu programar o sistema, foi ao sabor das ondas, e, assim, resolveu problemas , em lugar de programar politicamente um sistema”.

E desta forma, os erros acumularam-se, pese embora o artigo 12.º, da Lei de Bases do Sistema Educativo estabelecer expressamente que “o acesso a cada curso do ensino superior deve ter em conta as necessidades de quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do País, podendo ainda ser condicionado pela necessidade de garantir a qualidade do ensino”. Mas o preceituado por lei perdeu a sua expressão vinculativa quando, por exemplo, o acesso ao ensino superior passou a poder ser feito através do facilitismo das Novas Oportunidades ou Provas de Acesso para maiores de 23 anos para evitar fechar as porta a instituições de ensino superior de qualidade mais do que duvidosa.

Em meados de 90, alertava publicamente António Barreto para o facto de no ensino superior privado para além dos 500 cursos existentes e criados apenas em dez anos, estarem depositados nos serviços respectivos, pedidos de reconhecimento para mais 55 universidades, institutos e escolas superiores, assim como para 190 novos cursos. Mas nem o próprio ensino superior oficial se conseguiu subtrair a este verdadeiro desvario da abertura, sem rei nem roque, de universidades ou escolas do ensino politécnico. Corria, ainda, o ano de 87, e o então ministro da Educação lançava o aviso que caiu em saco roto: “A relação entre o número de necessidades que temos nos ensinos preparatório e secundário, e o número de alunos das Faculdades de Letras é de um para três”. Apesar disso, nessa mesma altura, foi dada autorização às escolas superiores para criarem, para além de cursos de professores do 1.º ciclo do básico, cursos de formação de professores do 2.º ciclo, na variante de português e francês e outras variantes.

Foi, portanto, com enorme espanto, e não menor desconforto, que tomei conhecimento, dias atrás, da “intenção da Direcção-Geral dos Recursos Humanos do Ministério da Educação em tornar extensiva a formação de professores do ensino secundário às Escolas Superiores de Educação”. Ora nesta intenção não bate a bota com a perdigota. Refiro-me à exaustiva e bem documentada entrevista de Alberto Amaral, presidente da Agência de Avaliação do Ensino Superior (A3ES), quando diz que “desde 2009 já desapareceram cerca de 1200 cursos. E agora estamos a fazer a análise dos restantes” (Expresso, 03/06/20111).

A este fenómeno de brutal desregramento na criação de cursos superiores deu o actual presidente da A3ES o nome de síndroma dos galinheiros, em entrevista ao Expresso, atrás citada, com o seguinte e jocoso argumento: “Quando se fez o primeiro aviário e se viu que dava dinheiro, toda a gente se pôs a fazer o mesmo. Depois foram as minhocas para estrume e os kiwis. No ensino superior aconteceu o mesmo. Quase todos os politécnicos têm uma escola superior agrária e agora não há agricultura. Há 14 ou 15 mil alunos nas escolas de enfermagem e que não sabem o que vão fazer. Existem 500 cursos de formação de professores com 28 mil estudantes lá dentro…É irracional. Não há uma estratégia de médio e longo prazo. E há muitas áreas onde a formação é de péssima qualidade e centenas de currículos de professores perfeitamente miseráveis”. Aliás, o espectro do desemprego entre licenciados espanhóis levou a que o periódico “El País” (1989) os tivesse chamado, com propriedade, “desempregados de luxo”.

Aliás, como é do domínio público, a qualidade do nosso ensino superior tem osacilado, de há vários anos para cá, de um extremo ao outro com estabelecimentos de ensino de elevadíssima qualidade e outros que não passam de uma espécie de “liceus superiores”, sem desprimor para as actuais escolas secundárias, suas sucessoras, que, contra ventos e marés, continuam a ser as jóias da coroa do reino do ensino não superior.

Finalmente, se o leitor se der ao trabalho de conotar a apreciação sobre o ensino superior de Alberto do Amaral com a de Sérgio Rebelo, professor da Universidade Católica, verá que aqui reside, em morada que resiste aos tempos, o dito popular com certidão de nascimento no século XIX, aquando da invasão dos franceses: “Tudo como dantes. quartel-general em Abrantes!” Como Sérgio Rebelo escreveu: “Onde antes havia uma pastelaria ou uma pequena mercearia, hoje tende a haver uma universidade ou uma escola superior, onde ontem se compravam pastéis de nata e garrafas de groselha, hoje conseguem-se licenciaturas e mestrados e encomendam-se doutoramentos” (Revista Exame, 4.Nov.96).

E se, como escreveu Ortega y Gasset, “há tantas realidades quantos os pontos de vista”, neste caso os pontos de vista destas duas personalidades académicas são concordantes no respectivo diagnóstico. Na entrevista do Expresso, atrás citada, é confessado, inclusivamente, por Alberto do Amaral que “com critérios mais apertados fechavam metade dos cursos”. Ora, se é essa a terapia necessária, por mais dolorosa que ela seja, apertem-se esses critérios porque, Vital Moreira o escreveu, em artigo de jornal, “a ideia de democratizar o ensino superior pela via da banalização do acesso e pela crescente “a crescente degradação da sua qualidade não é somente um crime contra a própria ideia de ensino superior, é também politicamente desonesta”.

Na imagem: fotografia de Alberto Amaral, presidente da Agência de Avaliação do Ensino Superior.