A rede covarde da maledicência impune
18 de julho de 2012 | 3h 08
José Nêumanne
No fim do mês passado, o Superior Tribunal de Justiça
(STJ) deu provimento a recurso do Google contra decisão do Tribunal de
Justiça do Rio que o obrigava a deixar de oferecer fotos e filmes de
apelo erótico e sugestões de pedofilia da estrela de cinema e televisão
Xuxa Meneghel. A jurisprudência foi firmada sob a alegação de que o
provedor de internet não pode ser inculpado e punido por material que
não produz nem fiscaliza, mas apenas faz circular. Antes disso, a
Terceira Turma do STJ manteve condenação ao Orkut, de propriedade do
Google, por ter mantido ofensas feitas por um blogueiro ao diretor de
uma faculdade em Minas. Aquela turma fixou em 24 horas, depois de
denunciada a ofensa, o prazo para o veículo suspender a exibição dela,
sob pena de ser corresponsabilizado judicialmente.
Para qualquer leigo em meandros do jurisdiquês, caso do
autor destas linhas, há uma contradição em termos. E certamente a
confusão é provocada pela ausência de uma legislação clara e rigorosa
para coibir a circulação de infâmias covardes e anônimas em redes
sociais e quaisquer veículos que acolham e divulguem informações de todo
tipo num dos meios mais utilizados de comunicação deste século da alta
tecnologia, que é a rede mundial de computadores. A omissão jurídica a
respeito do assunto não é uma exclusividade tupiniquim, mas nos países
desenvolvidos alguns avanços têm sido registrados para impedir abusos
sem violação de direitos elementares da liberdade de informação,
expressão e opinião. A praticidade e a comodidade oferecidas pelo banco
de informações vendido pelo Google são de tal ordem que tem passado ao
largo dessas decisões o fato elementar de que esse provedor vende um
produto que obtém de graça, o que caracteriza, obviamente, pirataria. E
também que a tecnologia capaz de facilitar qualquer pesquisa ou informar
algo relevante a alguém que trabalhe com informação ainda não
desenvolveu meios que tornem possível separar o joio do trigo. Não se
sabe como distinguir um dado correto de uma reles falsificação.
Na verdade, não é realista reivindicar a erradicação da falsidade
proibindo que o instrumento funcione, pois isso provocaria uma revolta
mundial de usuários já habituados à facilidade da obtenção dos dados
necessários para uma pesquisa ou um texto. Mas urge mudar radicalmente o
enfoque que tem sido dado à proteção das mensagens veiculadas - reais
ou falsas. As redes sociais e os provedores dessas informações não são -
como querem fazer crer os executivos de um dos mais bem-sucedidos
negócios de alta tecnologia do mundo - apenas formas de relacionamento
interpessoal, mas seu alcance permite defini-los como meios de
comunicação social. Quem duvidar está convidado a refletir sobre a
importância dada a esses meios pela publicidade comercial e pela
propaganda política.
Por mais riscos que a falta de vigilância possa provocar, seja na boa
imagem de produtos, seja na honra de cidadãos, ninguém resiste a
anunciar, promover ou simplesmente se expor por esses meios. Neste ano
de eleições municipais, o caluniômetro nacional ganhará velocidade maior até do que a do impostômetro da
Associação Comercial de São Paulo, fazendo parecer folguedos de
crianças as infâmias divulgadas na última campanha presidencial, tais
como fotos de Luiz Inácio Lula da Silva com uma mancha de urina na calça
ou lendo um livro de cabeça para baixo e de sua candidata, Dilma
Rousseff, exibindo um fuzil a tiracolo. Dilma também foi citada
falsamente como impedida de entrar nos Estados Unidos por causa de sua
militância na guerra bruta e suja contra a ditadura militar brasileira,
na qual os americanos simpatizavam com os militares.
No entanto, ainda que vítima, o governo do Partido dos Trabalhadores
(PT) nunca manifestou interesse algum em reprimir a covarde rede de
infâmias que circula impunemente entre os usuários de computadores no
Brasil, como se ela fosse de somenos importância.
O petista Marco Maia (RS), presidente da Câmara dos Deputados, tem
tratado com displicência acima do razoável a tramitação na Casa do Marco
Civil da Internet, que, em teoria, poderia pôr fim à confusão a
respeito da responsabilidade de provedores e redes sociais em crimes
contra a honra, como exposto no início deste texto. Aliás, a expressão
em teoria merece uma explicação. A proposta a ser debatida e votada no
Congresso é de uma platitude que não assusta caluniadores pela internet
nem tranquiliza suas vítimas eventuais - quaisquer que sejam. Seria
ingênuo imaginar que os parlamentares, cujos partidos são vítimas e
algozes da rede mundial da maledicência, enfrentassem temas que tampouco
empolgam seus colegas nos países mais ricos, como a pirataria do Google
ou os serviços prestados pelas redes sociais às agências de espionagem.
Mas é sua obrigação precípua impedir que se confunda - como vem
ocorrendo, e não só nos meios cibernéticos - liberdade de expressão com
licença para enxovalhar a honra alheia.
A indiferença dos legisladores ao problema torna-os cúmplices de quem
se aproveita da ausência de leis que impeçam expressar ressentimentos,
manifestar desvios de comportamento e até tirar vantagem da difamação.
Não há mais tempo hábil para evitar que essa prática daninha provoque
turbulências indesejáveis nas campanhas eleitorais que estão para
começar. Mas é preciso desde já empenhar a energia e o poder político
que os membros do governo federal têm para pôr fim a esse massacre de
reputações na telinha, em vez de gastá-los na discussão de marcos
regulatórios da mídia e outros eufemismos a pretexto de disfarçar
tentativas de controlar a informação ou a opinião desagradáveis ou
nocivas aos donos do poder.
O primeiro passo a ser dado é a conscientização de que combater a
veiculação da infâmia anônima em quaisquer meios, computadores pessoais
inclusive, não é ferir as liberdades individuais, mas acudi-las,
salvaguardando a honra do cidadão.
* JORNALISTA E ESCRITOR, É EDITORIALISTA DO JORNAL DA TARDE