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Freud explica? por Filmes, livros & Psicologia.
Suicídio
A principal contribuição de Freud
para a suicidologia é datada de l920 - o texto "Além do princípio do
prazer" - onde procura explicar o conflito humano como sendo,
essencialmente, o conflito de Eros x Thanatos.
Eros é a pulsão que conduz a vida e Thanatos é a pulsão que conduz a
morte, sendo necessário haver equilíbrio entre as duas pulsões para que o
suicídio não ocorra com o predomínio da pulsão de morte.
Dias (l991), após fazer uma
revisão dos casos clínicos dos pacientes de Freud que tentaram o
suicídio e citar outros textos freudianos, finalizou sua análise com o
gráfico baseado em explicações encontradas em "Luto e Melancolia", texto
publicado em l9l7:
Como se percebe, Garma considera a
relação de dois amplos fatores : o ambiente desfavorável e a
constituição do indivíduo, enfatizando a depressão resultante do luto e
melancolia, o papel do objeto perdido, a deformação masoquista da
personalidade e a internalização das agressões do ambiente. Da síntese
dos dois fatores poderia emergir uma personalidade autodestrutiva. Esta
autodestruição contaria, segundo contribuição do psiquiatra
Menninger(1970), com mecanismos intrapsíquicos : "(...) o suicídio deve
ser considerado como uma espécie peculiar de morte que envolve três
elementos internos: o elemento de morrer, o elemento de matar e o
elemento de ser morto." (p. 37). Melhor dizendo: o desejo de morrer, o
desejo de matar e o desejo de ser morto.
Na obra clássica datada de 1897, Durkheim analisa o suicídio como fato social. Ele (l987) escreve:
"Dado que a pequena minoria de
pessoas que se matam todos os anos não constitui um grupo natural, que
não estão em contacto umas com as outras, o número constante dos
suicídios só pode ser devido a acção de uma causa comum que domina os
indivíduos e que lhes sobrevive." (pp. 311-312)
Além da sociedade ser composta
por indivíduos, é composta também por fatos sociais de diferentes
maneiras, inclusive como fenômenos abstratos de consciência coletiva e
sua manifestação concreta que são as representações coletivas. A vida
social é essencialmente formada por representações. Estas representações
coletivas são de uma natureza muito diferente das representações
individuais: deve-se admitir que os estados sociais diferem
qualitativamente dos estados individuais e, ainda, são exteriores aos
indivíduos. A vida social age sobre o comportamento do indivíduo a
partir do exterior. Estruturas e normas criadas por diferentes
indivíduos materializam-se em realidades autônomas que passam a
independer daqueles que as criaram. Além disso, tornam-se também mais
inalteráveis e menos acessíveis aos indivíduos, ainda que nem toda
consciência social consiga exteriorizar-se e materializar-se a tal
ponto. Durkheim estava preocupado com a manutenção da ordem social. A
solidariedade social é o ponto de partida para sua teoria sociológica.
Ele salienta que existem as influências exteriores, quer sejam de
associações, quer sejam de acontecimentos passageiros, que perturbam o
funcionamento da vida coletiva, configurando uma situação anômica, que é
a ausência ou desintegração das normas. Ou seja, as crises industriais
ou financeiras bem como as crises de prosperidade, por exemplo, têm o
mesmo resultado, fazendo aumentar os suicídios porque são perturbações
da ordem coletiva. Ele afirma que, para preencher as necessidades morais
do indivíduo, é preciso que a sociedade desempenhe o papel moderador
entre os limites de cada um. Ela é a única autoridade moral superior ao
indivíduo e cuja superioridade este aceita. No entanto, o Estado, a
religião e a família passam a encontrar dificuldades para desempenhar o
papel moderador, conforme Durkheim(1987) afirma:
"Actualmente, e sobretudo nos
nossos grandes Estados modernos, a sociedade está demasiado longe do
indivíduo para poder agir sobre ele de uma maneira eficaz e contínua."
(p. 376) bem como "(...) a menos que a humanidade volte ao ponto de
partida, as religiões nunca mais poderão voltar a exercer um domínio nem
muito vasto nem muito profundo sobre as consciências." (p. 378).
Finalmente, após comentar como a
família esta perdendo, dia a dia, seu controle sobre o indivíduo,
Durkheim afirma que "(...) esta dispersão periódica reduz a zero a
família como ser coletivo." (p. 380). O suicídio, segundo Durkheim,
reflete a frouxidão das normas sociais e, conseqüentemente, a coesão
grupal e a solidariedade estão ausentes. Kalina e Kovadloff(1983)
afirmam, claramente, que Durkheim "(...) vê no suicídio o sintoma de um
trauma cultural, a expressão de um conflito comunitário proveniente ou
resultante de uma dissolução parcial, mas profunda das três forças
coercitivas clássicas da civilização ocidental: a família, o Estado e a
religião." (p. 60).
Situando-se na fronteira entre o
estudo de Durkheim e a psicanálise, este estudo considera o indivíduo
vivendo conflitos intra/inter-subjetivos dentro da sociedade. Assim, é
preciso pensá-lo enquanto indivíduo que contém as múltiplas
determinações da complexa estrutura social - onde se destacam família,
Estado e religião. O ser humano vive um constante paradoxo: ao mesmo
tempo que é sobrecarregado por uma avalanche de informações e aparenta
estar integrado ao todo social, na realidade, está só e sem tempo de
elaborar o acúmulo de diferentes valores morais que recebe, bem como sem
possibilidade de perceber a si mesmo e aqueles que o rodeiam. O Estado
exerce seu controle através de diferentes comunicações nem sempre claras
aos indivíduos e que vão desde obrigações - registro de nascimento,
atestado de óbito, declaração do imposto de renda, entre outras- até a
utilização de propagandas subliminares disfarçadas em campanhas
educativas ou notícias. Quanto a religião e a família, elas continuam
exercendo controle sobre as consciências, mas, hoje, mediadas pelos
meios de comunicação. Assim, a religião pode se apresentar ao indivíduo
através da televisão ou do telefone. Por exemplo, todos os anos, o Papa
João Paulo II tem aberto a Campanha da Fraternidade da CNBB-Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil via televisão e rádio, diretamente do
Vaticano e, em São Paulo, é possível ouvir mensagens evangélicas através
do telefone.
Entretanto, o ser humano não é um
sujeito passivo diante da sociedade e não se deve atribuir ao organismo
social toda a responsabilidade pelo suicídio individual. É preciso
enxergar o ser humano também como sujeito ativo na sociedade,
enfatizando-o enquanto ser comunicativo, criador de símbolos e
significados. A comunicação é uma necessidade humana básica e o ser
humano utiliza-se dela em todas as situações de sua vida para partilhar
com os demais suas experiências, constituindo sua identidade. Isolado, o
indivíduo desumaniza-se. Ora, suicidar (o uso correto em português,
francês e espanhol tem o pronome se, mas desprezo a partícula se porque
utilizando suicidar = morte de si mesmo busco marcá-lo como um momento
de revolta) ainda que não faça parte da vida de todas as pessoas, é uma
ação que faz parte da vida daqueles que efetivamente se matam. E,
lembrando que comunicar-se pode se dar através de formas verbais e não
verbais, torna-se possível pensar no suicídio como gesto de comunicação
praticado por alguém que se vê tolhido na sua razão comunicativa. Nesta
comunicação, porém, é difícil perceber a mensagem enviada e como ela é
recebida. Isto porque o intercâmbio suicidado-sociedade, a curto e a
longo prazo, se dilui pelo aparente isolamento de cada ato suicida no
tempo e no espaço, o que é reforçado pela dissimulação e repressão
social. Porém, é a palavra que comunica o fato para a sociedade que irá
juntar os inúmeros gestos suicidas isolados dentro de um só contexto
social. O suicidado, através de seu gesto, permanece incomodando o mundo
"dos outros", uma vez que estes ficarão procurando significado para seu
último gesto. O processo de comunicação suicidado-sociedade, portanto,
continua dentro de um campo interacional. Por isto, é preciso resgatar o
ato suicida: o gesto solitário, uma vez efetivado, perde sua
característica de isolamento porque desencadeia um processo de
comunicação contra o qual vão se consolidando diferentes mecanismos de
controle social, utilizando diversas formas de comunicação dispersas por
instâncias de poderes que não descartam sequer um limitado controle
familiar.
Neste ponto, cabe retomar a
literatura a respeito de suicídio, especificamente a respeito de
bilhetes suicidas, se detendo, em primeiro lugar, no estudo desenvolvido
em França sob coordenação de Foucault (l977) a respeito do memorial
escrito por Pierre Rivière, o qual matou a mãe, a irmã e o irmão no
século XIX. Ele foi preso, condenado a morte, indultado para ficar em
prisão perpétua e, vendo recusado seu pedido para receber a pena de
morte, enforcou-se na cadeia.
Peter e Favret, dois estudiosos
do caso Pierre, afirmam que para ele ser ouvido foi preciso que matasse e
a recusa da justiça ao pedido dele para receber a pena de morte era
também a recusa em ouvi-lo. Foucault acrescenta que relatos como estes
podem servir de intermediários entre o quotidiano e o histórico,
produzindo história que, por sua vez, marca datas, lugares e pessoas. É
uma história abaixo do poder e que vem chocar-se com a lei. A expressão
"história abaixo do poder" designa todos os relatos de acontecimentos
ausentes da história oficial que permitem tornar conhecidos aspectos da
sociedade que se encontravam encobertos.
Riot, outro estudioso do caso
Pierre, diz que os médicos e os magistrados fazem duas tentativas de
substituir o memorial por versões "aceitáveis" embora contraditórias, da
vida de Rivière.
E foi assim, recoberto por todo o
peso dos textos oficiais, que o texto de Rivière ficou desaparecido nos
arquivos por quase cento e cinqüenta anos.
A análise do memorial de Pierre
Rivière é importante porque caracteriza a intenção deste estudo em ser
parte dos que procuram dar voz aos suicidados, diferenciando-se dos
trabalhos apresentados a seguir, os quais são importantes porque
oferecem contribuições metodológicas à análise dos bilhetes suicidas.
O primeiro autor a abordar
escritos de suicidados parece que foi Brierre de Boismont em l856 em
França, segundo Durkheim(1987), seguido de Wolf em l93l nos Estados
Unidos da América e de Morgenthaler em l945 na Suíça, segundo
Frederick(1969). Brierre de Boismont analisa os sentimentos expressos
pelos suicidas em seus escritos, dividindo-os em bons, maus e
sentimentos mistos. Wolf resume os bilhetes, distribuindo-os por temas
tais como pobreza, amor não retribuído, doença, etc. Morgenthaler
enfatiza os estados emocionais dos escritores de bilhetes.
A tentativa de introduzir uma
técnica mais precisa de análise dos bilhetes suicidas, porém, começa com
Shneidman e Farberow em l956, investigando as diferenças de conteúdos
entre bilhetes legítimos, reconhecidos como sendo de autoria do
suicidado pelas autoridades legais, e e simulados. Os bilhetes legítimos
eram os escritos, evidentemente, pelos suicidados, enquanto que os
simulados eram os escritos por pessoas colocadas na situação "simulada"
de que se matariam porém, antes, deveriam escrever um bilhete. A partir
destes autores, para melhor compreender como se desenvolveram os estudos
a respeito dos bilhetes suicidas, pode-se sistematizá-los em quatro
grupos: estudos de bilhetes legítimos de suicidados comparados com
simulados; estudos de bilhetes legítimos de suicidados comparados com
bilhetes legítimos de tentadores e ameaçadores de suicídio; estudos
somente de bilhetes legítimos de suicidados e estudos de revisão das
pesquisas a respeito dos bilhetes suicidas. As diferenças entre os
estudos são encontradas, principalmente, nos métodos utilizados pelos
diferentes autores. Assim, Shneidman e Farberow (1956 e 1957) utilizam o
Quociente Desconforto-Alívio elaborado por Mowrer; Tuckman, Kleiner e
Lavell (1959), Darbonne (1969a,b), Lester (1971a), Cohen e Fiedler
(1974) e Chynoweth (l977) se preocupam em buscar os conteúdos
emocionais; Osgood e Walker (l959), Gottschalk e Gleser (l960), Spiegel e
Neuringer (l963), Tuckman e Ziegler (l968) e Lester e Reeve (l982)
pesquisam os conteúdos emocionais juntamente com a análise gramatical ou
de estilo; Jacobs (l967) faz um estudo fenomenológico, classificando os
bilhetes pelas intenções dos suicidados; Tuckman e Ziegler (l966)
utilizam a análise de padrões de linguagem das crianças segundo Piaget;
Frederick (l968) utiliza a análise gráfica dos bilhetes; Hood (l970) e
Beck, Morris e Lester (l974) procuram descobrir o grau de intenção de se
matar expressos nos bilhetes; Lester (l97lb) verifica a necessidade de
afiliação(reunião com os mortos) do suicidado; Edland e Duncan (l973)
buscam o significado da morte expresso pelo suicidado; Henken (l976) e
Edelman e Renshaw (l982) utilizam computadores para analisar os bilhetes
na busca de estilo próprio do suicidado em escrever; Lester e Hummel
(l980) procuram nos bilhetes os desejos de matar, morrer e ser morto do
suicidado detectados por Menninger; Shneidman (l98l) propõe que o
bilhete seja estudado junto com a história do sujeito; Leenaars e
Balance (l98l, l983 e 1984) fazem a análise dos bilhetes segundo
sentenças-protocolos extraídas das teorias de Freud, Bismark e Kelly; e,
finalmente, Frederick (l969), Shneidman (l973 e l979) revêem os estudos
a respeito dos bilhetes suicidas.
Frederick conclui sua revisão com
algumas recomendações, entre as quais, que devem ser feitos estudos
comparando bilhetes suicidas de grupos culturais diferentes, estudos
comparando suicidados que deixaram bilhetes com suicidados que não
deixaram e, principalmente, dado a dificuldade em se obter bilhetes
suicidas para estudo, sugere que haja maior intercâmbio entre os
pesquisadores do mundo inteiro porque os estudos dos bilhetes suicidas
abrem as portas para investigações dentro da teoria da personalidade,
psicodinâmica, teoria da aprendizagem, etc. Segundo Frederick, cada
pesquisa feita com bilhetes suicidas é uma contribuição histórica porque
muitos dados de bilhetes suicidas se perdem devido à dissimulação das
autoridades e amigos que estão presos a velhos tabus em relação ao
suicídio, requerendo que se realizem programas educativos visando acabar
com os tabus e ajudar as pessoas a superarem seus sentimentos de culpa.
Só assim será possível encontrar respostas que até o presente
permanecem desconhecidas.
Shneidman, em sua primeira
revisão, termina por propor (epistemologicamente) cinco tipos de
bilhetes suicidas: l. Tético = dogmático, contendo teses; 2. Antitético =
refutando ou subentendendo teses; 3. Sintético = combinando teses e
antíteses; 4. Atético = contendo ponto de vista, instruções; e 5.
Ambitético = contendo um ponto de vista e seu contrário.
Em l979, Shneidman revê novamente
os estudos a respeito de bilhetes suicidas desde l856 para concluir que
os bilhetes suicidas podem ser imensamente explicativos nos casos
individuais quando colocados dentro do contexto de um estudo de caso
detalhado ou anamnese.
Ressalte-se, portanto, que todos
os estudos apresentados até aqui não abordam o assunto sob a ótica
psicossocial. Via de regra, eles se restringem a abordagens psicológicas
ou psicanalíticas ou sociológicas, ora enfatizando o indivíduo, ora o
social. Além disso, em geral, os autores centralizam a atenção no
conteúdo, esquecendo que o fato está inserido dentro de um contexto
social mais amplo de relações, o qual este estudo pretende questionar.
Um trabalho que procura descrever
mecanismos específicos da dinâmica sócio-psicológica (ou psicossocial)
do suicida expressos em "mensagens de Adeus" é o de Dias publicado em
1991. As mensagens de Adeus é a expressão utilizada por dias para o
material deixado pelos suicidas em forma de cartas, bilhetes e fitas de
áudio. Dias analisa a visão da vida e da morte pelo suicida, as
dinâmicas específicas do mesmo relacionadas ao narcisismo e considera os
bilhetes como "mensagens de Adeus", portanto de indivíduos que se
despediram para sempre. No entanto, o próprio ato suicida é um signo de
comunicação por excelência que os mantêm vivos na sociedade após a
morte.
Assim, partindo-se do pressuposto
que interessa aos suicidados serem ouvidos após a morte, os conteúdos
dos bilhetes são analisados tentando resgatar o que eles têm para dizer,
para quem escreveram e com quais sentimentos e intenções. Afirmar que o
suicidado quer ser ouvido, implica reconhecer a comunicação como
processo fundamental do desenvolvimento do ser humano. Ele pensa,
expressa seu pensamento em palavras e, quando quer ser ouvido além do
espaço e do tempo, registra suas palavras através da escrita.
Obs: Este texto foi extraído de:
SUICÍDIO - TRAMA DA COMUNICAÇÃO
Dissertação de Mestrado, 1992, Psicologia Social, PUC-SP
Autor: Marcimedes Martins da Silva