STF deve ser questionado sobre foro privilegiado no julgamento do mensalão
Defensores planejam questionar competência da instância máxima do Judiciário para julgar réus sem prerrogativa de foro.Estratégia pode retardar início da jornada ou acabar fulminada pela Corte
22 de julho de 2012 | 3h 04
Fausto Macedo e Eduardo Katah
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Mensalão reacende discussão sobre foro privilegiado e a vocação constitucional do STF
Prestes
a ser deflagrado, o polêmico julgamento da ação penal do mensalão
reacendeu no meio jurídico a discussão sobre o foro privilegiado e a
vocação constitucional do Supremo Tribunal Federal. Alguns defensores
dos 38 acusados planejam questionar a competência da instância máxima do
Judiciário para julgar réus sem prerrogativa de foro. É uma estratégia
que pode retardar o início da jornada ou acabar fulminada pela Corte.
Apenas três dos 38 réus do processo aberto para julgar o maior escândalo da era Lula têm foro privilegiado: os deputados federais João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT).
Por causa deles a famosa ação penal 470 ficou sob a tutela do STF. Os outros 35 acusados, tivesse havido a separação, estariam agora sob o crivo da primeira instância judicial.
Na abertura do julgamento, marcada para o dia 2, advogados deverão levantar questão de ordem para que os ministros do STF decidam se ainda cabe o deslocamento e a divisão dos autos.
É remota a possibilidade de o STF acolher, a essa altura, manifestação de tal natureza - até porque a Corte já decidiu anteriormente conduzir todo o processo sob alegação de que os fatos são os mesmos, daí não haveria como cindir o julgamento.
Mas o tema ainda provoca controvérsia na Corte. "O Supremo Tribunal Federal não pode ficar variando. Em alguns inquéritos desmembra, em outros não, em algumas ações penais desmembra, em outras não", argumenta o ministro Marco Aurélio Mello, que defendeu o desmembramento do mensalão quando ele ainda era um inquérito.
Marco Aurélio foi voto vencido. Seus pares cravaram que a competência sobre o mensalão, e todos os seus réus, é do STF. "O desmembramento do processo já foi discutido e o tribunal, acertadamente, repeliu a ideia, pois o fato não pode ter julgamentos distintos", anota o criminalista Alberto Zacharias Toron, que defende João Paulo Cunha. "O mesmo fato não pode ter julgamentos distintos por juízes diferentes."
Não é o que pensam advogados de outros réus. Marcelo Leonardo, que defende Marcos Valério, já adiantou que vai provocar o STF para que os ministros novamente apreciem essa questão.
Vocação. Para o coordenador da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público de Belo Horizonte, João Medeiros, que conduz a acusação no julgamento do chamado mensalão mineiro - suposto esquema de desvio de recursos públicos durante a campanha à reeleição do então governador de Minas, Eduardo Azeredo (PSDB), em 1998 -, a manutenção do processo no STF fere a vocação da Corte.
"É um julgamento numa instância única. Isso no limite acaba prejudicando as duas partes. Não vai ter recurso. Se forem absolvidos não há a quem recorrer e, se forem condenados, a mesma coisa", destaca. "Esse problema é fruto da existência do foro privilegiado, que transforma o Supremo em instância originária e única, quando na verdade ele não deveria cuidar disso. A vocação do Supremo é de ordem constitucional, de defesa da Constituição."
Por possuir foro privilegiado, a ação penal contra Azeredo foi aberta no STF. Em maio de 2009, o relator, ministro Joaquim Barbosa, ordenou o desmembramento do processo, determinando que todos, exceto Azeredo, respondessem aos crimes na Justiça Federal, que, por sua vez, remeteu os autos para a Justiça Estadual. Outro réu parlamentar e com processo desmembrado é o senador Clésio Andrade (PMDB), que assumiu a cadeira de Eliseu Resende (DEM), morto no início do ano passado. O julgamento na 9.ª Vara Criminal de Belo Horizonte está em fase de instrução - já foram ouvidas as testemunhas de acusação e de defesa de três dos dez réus. Na opinião de Medeiros, há risco de uma decisão contraditória. "Esse processo (mensalão mineiro) foi desmembrado e o outro não."
'Tolice'. Segundo o ex-ministro e ex-presidente do STF Carlos Velloso, a desconexão tornar ágil o julgamento. "Porém, no caso específico do processo do mensalão, seria muito difícil fazer a separação porque as ações estão muito entrelaçadas. No caso do mensalão não seria possível o desmembramento pelas circunstâncias, pelas condutas que se entrelaçam, tidas delituosas", afirma.
"Imaginemos que poderia haver condenação de primeiro grau e absolvição no Supremo, ou vice versa."
Para Velloso, o que não deveria existir é mesmo o foro privilegiado, salvo raras exceções.
"A Emenda Constitucional 01, outorgada pela Junta Militar, conferiu esse foro privilegiado aos parlamentares. A emenda 01 é que fez essa tolice", reclama. "Os tribunais não têm vocação de fazer as vezes de juiz de primeiro grau, de fazer instrução. Juízes têm sido convocados para auxiliar os ministros do Supremo, o que é absolutamente irregular. A atividade jurisdicional é indelegável, ministro não pode delegar essa atribuição."
Na avaliação de Velloso, os ministros do STF estão em situação difícil. "Um tribunal que tem vocação para julgar recursos e ações de constitucionalidade se vê com a atribuição de juiz de primeiro grau, tendo que ouvir testemunhas, fazer interrogatórios. É incabível, inconcebível. A cada dia aumenta mais o número de privilegiados. Leva ao descrédito da função jurisdicional."
Apenas três dos 38 réus do processo aberto para julgar o maior escândalo da era Lula têm foro privilegiado: os deputados federais João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT).
Por causa deles a famosa ação penal 470 ficou sob a tutela do STF. Os outros 35 acusados, tivesse havido a separação, estariam agora sob o crivo da primeira instância judicial.
Na abertura do julgamento, marcada para o dia 2, advogados deverão levantar questão de ordem para que os ministros do STF decidam se ainda cabe o deslocamento e a divisão dos autos.
É remota a possibilidade de o STF acolher, a essa altura, manifestação de tal natureza - até porque a Corte já decidiu anteriormente conduzir todo o processo sob alegação de que os fatos são os mesmos, daí não haveria como cindir o julgamento.
Mas o tema ainda provoca controvérsia na Corte. "O Supremo Tribunal Federal não pode ficar variando. Em alguns inquéritos desmembra, em outros não, em algumas ações penais desmembra, em outras não", argumenta o ministro Marco Aurélio Mello, que defendeu o desmembramento do mensalão quando ele ainda era um inquérito.
Marco Aurélio foi voto vencido. Seus pares cravaram que a competência sobre o mensalão, e todos os seus réus, é do STF. "O desmembramento do processo já foi discutido e o tribunal, acertadamente, repeliu a ideia, pois o fato não pode ter julgamentos distintos", anota o criminalista Alberto Zacharias Toron, que defende João Paulo Cunha. "O mesmo fato não pode ter julgamentos distintos por juízes diferentes."
Não é o que pensam advogados de outros réus. Marcelo Leonardo, que defende Marcos Valério, já adiantou que vai provocar o STF para que os ministros novamente apreciem essa questão.
Vocação. Para o coordenador da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público de Belo Horizonte, João Medeiros, que conduz a acusação no julgamento do chamado mensalão mineiro - suposto esquema de desvio de recursos públicos durante a campanha à reeleição do então governador de Minas, Eduardo Azeredo (PSDB), em 1998 -, a manutenção do processo no STF fere a vocação da Corte.
"É um julgamento numa instância única. Isso no limite acaba prejudicando as duas partes. Não vai ter recurso. Se forem absolvidos não há a quem recorrer e, se forem condenados, a mesma coisa", destaca. "Esse problema é fruto da existência do foro privilegiado, que transforma o Supremo em instância originária e única, quando na verdade ele não deveria cuidar disso. A vocação do Supremo é de ordem constitucional, de defesa da Constituição."
Por possuir foro privilegiado, a ação penal contra Azeredo foi aberta no STF. Em maio de 2009, o relator, ministro Joaquim Barbosa, ordenou o desmembramento do processo, determinando que todos, exceto Azeredo, respondessem aos crimes na Justiça Federal, que, por sua vez, remeteu os autos para a Justiça Estadual. Outro réu parlamentar e com processo desmembrado é o senador Clésio Andrade (PMDB), que assumiu a cadeira de Eliseu Resende (DEM), morto no início do ano passado. O julgamento na 9.ª Vara Criminal de Belo Horizonte está em fase de instrução - já foram ouvidas as testemunhas de acusação e de defesa de três dos dez réus. Na opinião de Medeiros, há risco de uma decisão contraditória. "Esse processo (mensalão mineiro) foi desmembrado e o outro não."
'Tolice'. Segundo o ex-ministro e ex-presidente do STF Carlos Velloso, a desconexão tornar ágil o julgamento. "Porém, no caso específico do processo do mensalão, seria muito difícil fazer a separação porque as ações estão muito entrelaçadas. No caso do mensalão não seria possível o desmembramento pelas circunstâncias, pelas condutas que se entrelaçam, tidas delituosas", afirma.
"Imaginemos que poderia haver condenação de primeiro grau e absolvição no Supremo, ou vice versa."
Para Velloso, o que não deveria existir é mesmo o foro privilegiado, salvo raras exceções.
"A Emenda Constitucional 01, outorgada pela Junta Militar, conferiu esse foro privilegiado aos parlamentares. A emenda 01 é que fez essa tolice", reclama. "Os tribunais não têm vocação de fazer as vezes de juiz de primeiro grau, de fazer instrução. Juízes têm sido convocados para auxiliar os ministros do Supremo, o que é absolutamente irregular. A atividade jurisdicional é indelegável, ministro não pode delegar essa atribuição."
Na avaliação de Velloso, os ministros do STF estão em situação difícil. "Um tribunal que tem vocação para julgar recursos e ações de constitucionalidade se vê com a atribuição de juiz de primeiro grau, tendo que ouvir testemunhas, fazer interrogatórios. É incabível, inconcebível. A cada dia aumenta mais o número de privilegiados. Leva ao descrédito da função jurisdicional."