Os breves
Roberto Romano
Numa instituição que se
fundamenta em símbolos, como a Igreja Católica, quando o seu dirigente
máximo escolhe um nome, isto possui conotações religiosas, pastorais,
dogmáticas, éticas. No caso de Bento XVI, lembremos que o seu antecessor
Bento XV, Giacomo della Chiesa (nascido em 21/12/1845) reinou de 1914 a
1922. Os seu grande problema, em termos externos à Igreja, foi a I
Guerra Mundial, espetáculo de selvageria na "civilização" européia. Na
Encíclica Pacem, Dei munus pulcherrimum (23/05/1920) diz-se
profeticamente que "os germes das antigas discórdias não desapareceram"
da Europa. Como tinha razão o papa! Poucos anos depois vem a II Guerra,
explosão de ódios e intolerâncias que resultaram na morte de seres
humanos aos milhões, incluindo o Holocausto. A diplomacia vaticana lutou
para diminuir os efeitos deletérios da guerra e clamou pela ajuda
humanitária às populações atingidas. No plano interno, ocorreu a questão
modernista que afastou muitos intelectuais, padres e leigos, da Igreja.
Contra os "erros" do pensamento moderno, sobretudo os trazidos pela
ciência e pela relativização dos valores, a Cúria Romana empregou a
censura, os exílios dentro da Igreja, a proibição de exercício
professoral para teólogos e exegetas contrários à rígida ortodoxia.
O
padre Lagrange, fundador da Escola Bíblica de Jerusalém, instituição
que produziu mais tarde a importante Bíblia de Jerusalém, foi proibido
de lecionar para os seus confrades dominicanos. A retomada do nome "Bento", pelo cardeal Ratzinger mostra todo um programa. Em primeiro
lugar, a condenação da guerra. Como Bento XV e João Paulo II, Bento XVI
continuará com certeza a política contrária aos fatos bélicos e aos
massacres que ocorrem no mundo inteiro. Em segundo, a disciplina interna
e o veto aos modernismos.
No sermão proferido para começar o
Conclave, o agora eleito definiu perfeitamente a sua atitude
epistemológica: a verdade é possível e todos os ceticismos, relativismos
e historicismos são condenados. E também, no campo ético, todas as
aberturas à ciência (pesquisas com células-tronco, eutanásia etc) serão
definidas pela autoridade e vetadas. A união dos homossexuais continua
proibida mas também o aborto, o divórcio, os métodos contrários à
concepção (a camisinha, a pílula). Todo esse complexo ético continuará
sendo tratado como se fosse, sobretudo, matéria disciplinar.
A
centralização administrativa, é claro, será mantida em detrimento da
autonomia das igrejas locais e nacionais. Em termos da pastoral, isto
pode ajudar no esvaziamento dos templos católicos, sobretudo na Europa,
nos EUA, no Brasil. Com a diferença de que o carisma pessoal de João
Paulo II trazia massas enormes aos lugares públicos, no mundo todo.
Quando assumiu o trono de Pedro, o Wojtyla tinha 58 anos. Bento XVI tem
78 anos de vida cansativa na direção da Cúria. Ele não terá a disposição
do seu predecessor para andar pelos quatro cantos do mundo dialogando
com governantes, movimentos oposicionistas, multidões.
Vários
papas que assumiram o nome Bento duraram pouco: Bento I, apenas um ano
(575-576) Bento II três anos (683-685), Bento XI, um ano (1303-1304), e
assim por diante. Pode ser que o Sacro Colégio tenha imaginado, sob
inspiração divina, escolher um papa breve, como os antecessores de mesmo
nome. Mas é bom lembrar que Albino Luciani era relativamente jovem e
durou pouco tempo enquanto João XXIII era ancião, mas em pouco tempo
mudou a face da Igreja (sendo muito conservador em todos os sentidos). A
Igreja no mundo apresenta uma face cheia de contrastes.
À plena
alegria pelo seu novo governo, une-se muita apreensão pelo destino,
devido às diretivas verticais do poder no interior da instituição.
Esperemos, para bem da humanidade e dos católicos, que o novo
pontificado abra novos caminhos para os que sofrem, dos desempregados
aos aidéticos, destes ao que esperam novos passos da ciência e da
engenharia genética. Também esperemos que o diálogo com as igrejas
nacionais seja mais eficaz do que as diretivas rudes e burocráticas.
Rezemos para que o debate com as igrejas orientais e com o Islã se
realize com prudência e destemor.
Enfim, peçamos a Deus que Bento
XVI desaponte os prognósticos sombrios que antecederam a sua escolha.
Afinal, por mais poderoso que ele seja, trata-se apenas do Vigário de
Cristo e não da fonte absoluta de toda a fé e de toda a esperança. "A
Igreja é mesmo divina", disse um historiador agnóstico do século IXX, "caso contrário, os homens já a teriam destruído". Amém.