quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013
Imagem: Antoine Josse
Enviado pelo amigo virtual Grozny ArrudaGrata!
O
filho e a mãe-coragem, por Zuenir Ventura
Zuenir Ventura, O Globo – 27.2.13
O
estudante Stuart Angel, que esta semana deu nome a uma escola pública no bairro
de Senador Camará, foi submetido em 1971 a um ritual atroz. Preso na Base Aérea
do Galeão por atividade subversiva, não resistiu ao suplício: amarrado a um
jipe, com a boca presa ao cano de descarga, passou a ser arrastado até que, com
o corpo esfolado, morreu envenenado pelos gases tóxicos do carro. O também
militante Alex Polari foi quem, tendo presenciado a tortura da janela de sua
cela, relatou-a em carta à mãe de Stuart.
A
partir de então, Zuzu Angel, uma figurinista famosa aqui e lá fora, se dedicou
à busca incessante do corpo do filho. Usando sua notoriedade internacional e o
fato de que Stuart, filho de um pastor americano, tinha dupla nacionalidade,
atraiu para sua luta clientes como Joan Crawford, Liza Minnelli e Kim Novak,
além de conseguir que o então senador Edward Kennedy levasse o caso ao
Congresso americano.
Obstinada
e corajosa, Zuzu fez coisas arriscadas para a época, como driblar a segurança
do então secretário de Estado Henry Kissinger, em viagem ao Rio, para
entregar-lhe o dossiê que preparara. Também sem perder o humor fez da moda um
instrumento de protesto, realizando um desfile-denúncia em pleno consulado do
Brasil em NY, com roupas estampadas com manchas vermelhas, pássaros engaiolados
e motivos bélicos. O anjo ferido e amordaçado da coleção tornou-se o símbolo do
seu filho.
A
14 de abril de 1976, Zuzu morreu num acidente de carro suspeito. Meses antes,
entregara um bilhete aos amigos Chico Buarque, Paulo Pontes e eu, anunciando:
“Se algo vier a acontecer comigo, se eu aparecer morta por acidente, assalto ou
qualquer outro meio, terá sido obra dos mesmos assassinos do meu amado filho.”
A lápis, acrescentou: “Esteja certo que não estou vendo fantasmas.” No dia
seguinte à morte, resolvemos reproduzir à máquina cópias do texto para enviar
pelo correio a parlamentares e colunistas. Cada um ficou com um certo número de
envelopes que foram postados em lugares diferentes para despistar. Naqueles
tempos, todo cuidado era pouco.
Um
dos envelopes mandei do Méier. Paulinho, usando o carro e o motorista de sua
mulher Bibi Ferreira, foi a alguns subúrbios. Chico, se não me engano, fez
remessas de Itaipava. Mas a denúncia não foi publicada, com uma exceção: na sua
coluna na “Folha de S.Paulo”, Alberto Dines referiu-se ao bilhete e cobrou uma
investigação policial séria.
Finalmente,
em 1996, o compositor fez chegar o bilhete à recém-instalada Comissão dos
Mortos e Desaparecidos Políticos, anexando ao processo uma dedicatória: “Minha
homenagem a uma mulher como nunca vi igual, ferida de morte e rindo.”