Entrevista
Jefferson Coppola/ Folhapress
Romano: corrupção é a forma de fazer política no Brasil
Sistema político
“Renan não é corrupto porque é mau”
Roberto Romano, filósofo e professor de Ética e Ciência Política da Unicamp
Publicado em 03/02/2013 | Yuri Al’Hanati
A
volta de Renan Calheiros (PMDB) à presidência do Senado, mesmo sob
denúncias de corrupção, choca por aparentemente premiar alguém com
conduta suspeita. Mas para o professor de Ética e Ciência Política
Roberto Romano, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a
escolha de Renan pelos colegas é uma consequência natural do sistema
político brasileiro. Ele afirma que a prática de troca de favores e o
lobby dos estados em Brasília estão inseridos em um cenário que favorece
a corrupção. “O importante é que o político tenha o carimbo de
empreendedor, o que dá origem ao bordão popular ‘Rouba, mas faz’”. Nesta
entrevista, Romano comenta essa estrutura política, as origens do
partido do novo presidente do Senado e a participação da opinião pública
na mudança de pensamento.
De que forma as estruturas do poder estão relacionadas à corrupção?
O nosso modelo de presidencialismo concentra todas as iniciativas das
políticas públicas no governo federal. Nada se faz no Brasil sem passar
pela Presidência e pelos ministérios. Isso gera uma dificuldade para os
municípios em conseguir obras. O pagamento por essa hegemonia do
Executivo federal é a transformação de representantes do povo em
lobistas dos municípios e das regiões. Isso quando não se tornam
representantes de interesses do mercado e de grupos que nem sequer
primam pela ética nos negócios. Ou seja, apenas quem é capaz de trazer
obras e investimentos para sua região é eleito. O importante é que o
político tenha o carimbo de empreendedor, o que dá origem ao bordão
popular “Rouba, mas faz”. Quase não existe possibilidade de eleger e
reeleger um político que seja apenas ético.
Dois dos principais nomes à eleição do Congresso, Renan
Calheiros e Henrique Eduardo Alves, são do PMDB. Ambos são também
acusados de corrupção. Existe uma relação entre o partido e a corrupção?
Com o golpe militar de 64, houve a dissolução dos partidos para a
criação de um sistema bipartidário. A Arena era formada pelos grandes
oligarcas regionais. Eles abarcaram os cargos parlamentares, que por sua
vez serviam apenas de intermediários de recursos para sustentar o
presidente militar. O MDB ficou com a sobra dessas oligarquias. No fim
da ditadura, o MDB, agora já transformado em PMDB, para ganhar o apoio
das oligarquias da Arena em sua chapa, lançou José Sarney como vice de
Tancredo Neves. Sarney foi um oligarca importante durante o regime; e
ele locupletou todos os outros oligarcas ligados à sua sustentação [na
Presidência]. Então o PMDB se tornou o grande partido oligárquico
nacional, que expandiu suas bases para o Brasil inteiro e instalou no
Congresso o “centrão” e sua política de dar para receber.
Como essa política é transmitida para os políticos de hoje?
O Renan Calheiros, por exemplo, era um militante do PCdoB, político
de esquerda que começou a romper com o ideário socialista quando se
aliou a Fernando Collor, representante da oligarquia de Alagoas. Depois,
quando foi eleito senador, se uniu a José Sarney. Ele é herdeiro da
oligarquia nacional e aprendeu muito bem a política de dar para receber.
Além disso, desde Orestes Quércia, em 1994, o PMDB nunca mais
apresentou um candidato à Presidência. Isso é estratégico porque
qualquer partido grande sabe que não terá um concorrente no PMDB, mas
terá que pagar o preço de seu apoio no Congesso com cargos. Então é
possível entender por que Renan saiu da presidência do Senado por
acusação de corrupção [em 2007] e por que volta agora sob a mesma
acusação. Não há senador que não deva algum favor a Renan.
A conscientização da opinião pública sobre a corrupção tem alguma mudança prática no cotidiano político?
O que falta são análises estruturais. Nós somos muito presos aos
resultados e muito pouco afeitos a pesquisar o funcionamento da máquina
pública. Nossa visão do processo corruptivo é diacrônica [não tem
sincronia]. Um escândalo em um dia, depois outro, depois outro... Essa
sucessão de eventos cria um certo desânimo na opinião pública e deixa a
imprensa e a polícia cansadas de correr atrás sempre das mesmas coisas.
Essa dimensão nos faz esquecer que a corrupção é um sistema e como tal é
sincrônica. No mesmo momento em que um escândalo estoura, toda uma rede
está acontecendo ao mesmo tempo. O Renan não é corrupto porque é mau,
mas sim porque essa é a única forma de fazer política no Brasil. E isso
passa por uma cumplicidade do eleitor que observa apenas os resultados.