quarta-feira, 17 de junho de 2009
Sob o blog da Petrobras e o uso das aspas
Roberto Romano*
Semana
passada o jornal O Globo (10/6) publicou uma entrevista comigo, sobre o
blog criado pela Petrobras para, supostamente, dar ao público sua
versão dos eventos negativos ligados à empresa. Os assessores de
imprensa ameaçavam divulgar dados e questões dos jornalistas, antes que
as matérias fossem publicadas no veículo que as empreenderiam. Deixei
clara minha posição, segundo a qual os profissionais da mídia deveriam
ouvir, sempre, os encarregados pela Petrobras. Caso eles não
respeitassem as normas do convívio civilizado entre segmentos
institucionais, que fossem postos no olvido, fazendo o profissional da
imprensa o que deve, seguir sua consciência e publicar a notícia da
maneira mais próxima ao espírito da coisa relatada.
Não
imaginei que o Brasil contasse com mentes tão pouco instruídas,
justamente em setor que requer erudição e prudência opinativa. Certo
crítico da entrevista, após colocar muitas aspas nos meus títulos
acadêmicos, afirmou que apelar para a noção de consciência era algo
irrelevante e, mesmo, ridículo. Afinal, disse ele, Mengele também
possuía uma consciência. O mesmo analista diz ter rido às escâncaras com
as minhas respostas ao jornal, justo pelo emprego da consciência como
critério de ação e julgamento.
Sigo
o ataque do meu crítico. Em primeiro lugar, as aspas, variante vulgar
da retórica ad hominem. Elas foram usadas na propaganda fascista,
nazista e comunista. Você tem a missão, dada pelo grupo político,
religioso, econômico, ideológico, de arrancar um indivíduo da vida
pública? Aspas no seu nome, nos seus títulos, na sua nacionalidade, na
sua condição humana! V. Klemperer, vítima do nazismo que observou
procedimentos nazistas da fala, nota o uso escabroso das aspas na luta
pelo extermínio dos que ousam ser e pensar, desafiando a unanimidade
oficial. “A língua do Terceiro Reich”, diz o autor, “tem horror da
neutralidade, porque ela sempre precisa de um adversário e sempre
precisa derrubar este adversário”. Se os revolucionários espanhóis têm
uma vitória, se possuem oficiais ou um quartel-general, eles
invariavelmente são ditos “vitoriosos” ou “oficiais” vermelhos. Mais
tarde, a mesma regra foi usada pelos fascistas contra os russos, que
teriam uma “estratégia”. A Iugoslávia teria um “Marechal”, Tito.
Chamberlain, Churchill, Roosevelt sempre eram ditos “estadistas”.
Einstein, seria um “pesquisador científico”, Rathenau “um alemão” e
Heine, escritor “alemão”.
O
uso das aspas, para tentar expôr os inimigos ao ridículo, se
generalizou no fascismo de tal modo, diz Klemperer, “que nenhum artigo
de jornal ou discurso impresso deixava de estar delas apinhado (...). As
aspas pertencem tanto à língua impressa do Terceiro Reich quanto à
entoação de Hitler e Goebbels, elas são intrínsecas às duas” (LTI:
Lingua Tertii Imperii, Languag e of the Third Reich, Continuum Ed.,
2000, p. 73).
Outro
vezo fascista era negar aos intelectuais de certa origem (racial,
política, ideológica, religiosa) os títulos acadêmicos. Quando as aspas
se mostravam insuficientes, era proibido nomear professores, médicos,
advogados, juízes em desgraça face às massas militantes, segundo os seus
diplomas universitários. Os judeus foram assim os mais humilhados. Mas a
técnica foi aplicada aos outros inimigos do Reich (B. Bettelheim, The
Informed Heart, the human condition in modern mass society,
Thames/Hudson, 1960, p. 119). O método não vicejou apenas entre os
fascistas de direita. Os da esquerda também usaram aspas para
desacreditar inimigos. As formas de governo liberais eram ditas
“democráticas”, os professores não ortodoxos em termos de stalinismo
eram “intelectuais”, etc. Comunhão negra dos nada santos militantes,
diria Merleau-Ponty.
A
técnica da desqualificação é sempre a mesma, porque é sempre o mesmo
estilo de fazer política: aniquilar quem pensa diferente. Tal é a regra
dos que se ajoelham diante dos poderosos e não admitem que os demais
deixem de fazer o mesmo. No próximo artigo, tratarei da consciência,
algo tão ridículo ao meu apressado e imprudente crítico.
OBS.:
O uso das aspas não está no título original do texto, acrescentei
porque o tema é brilhantemente apresentado pelo professor Romano.