Henry Milleo/ Gazeta do Povo
Aprovado na UFPR na cota para negros, Gilberto Vieira diz que está acostumado a enfrentar a “cara feia” da discriminação
Pesquisa
Com 81% de aceitação, curitibanos aprovam o Dia da Consciência Negra
Maioria concorda que a data em homenagem à população negra seja feriado, mas vantagem foi apertada – 44% disseram sim e 40% não
Publicado em 04/02/2013 | Rosana Félix
A
maioria dos curitibanos (81%) concorda com a criação do Dia da
Consciência Negra, a ser comemorado em 20 de novembro, como previsto em
lei sancionada em 11 de janeiro deste ano pela Câmara de Vereadores.
Grande parte (44%) também concorda que a data seja feriado municipal,
mas, para 40%, a data devia ser apenas festiva, sem a suspensão de
atividades. Os dados foram coletados pelo instituto Paraná Pesquisas a
pedido da Gazeta do Povo e revelam ainda que a percepção de preconceito
na capital é alta: 20% disseram já ter sido alvo de discriminação
racial, e 56% conhecem alguém que já passou por essa situação.
Feriado ajuda na construção de identidade
O presidente do Centro Cultural Humaita, Adegmar Candiero, se ressente um pouco ao falar sobre o Dia da Consciência Negra. Para ele, o fato de se discutir um fato já aprovado em lei demonstra o racismo estrutural e institucionalizado que, segundo ele, impera em Curitiba.“Esse feriado ajuda a construir a identidade da população negra, que há séculos vem sendo apagada. Até parece que o negro caiu de paraquedas na história de Curitiba. Mas esta é uma etnia fundante”, diz. Segundo ele, o debate a respeito ajudará a transformar a sociedade. “O que se tem de discutir é a importância que o feriado terá daqui a 30 ou 40 anos. Para o Brasil ser um país forte, não pode esconder a história de seus negros.”
Para o professor Paulo Silva, da UFPR, o feriado ajuda no processo de reconhecimento social. “É um reconhecimento de que há uma parcela da população que sofreu discriminação ao longo da história do país e serve como um marco para que essa situação não exista mais no futuro”, avalia. “O Paraná construiu para si mesmo uma história de estado branco e na verdade o negro tem uma grande importância em sua história.”
Sem desrespeito
“A data se justifica para que se reflita sobre a nossa história, que definiu um padrão racista no Brasil”, afirma Roberto Romano, professor de Ética da Unicamp. Segundo ele, a criação do dia não implica em desrespeito a outros povos que formaram o país. “É bom lembrar que nenhum europeu ou outro povo foi escravizado em solo brasileiro. Dizer que todas as etnias mereceriam uma data é banalizar a discussão.”
A Lei nº 14.224 incluiu o novo feriado no calendário oficial da
cidade. Por um lado, a data é vista como um passo fundamental para
eliminar comportamentos preconceituosos que ainda perduram na sociedade.
Por outro, há quem defenda que ações do tipo servem apenas para
segregar ainda mais a sociedade. Além disso, há uma discussão jurídica
não sobre o significado da data, mas a respeito da criação de um novo
feriado (leia mais nesta página).
Na opinião do curitibano, a segregação racial existe. Para 66%, há
uma grande desigualdade nas abordagens policiais, dependendo da cor da
pele. Em relação ao acesso a emprego, a maioria também acha que há
discriminação, mas a proporção é menor – 41%. A percepção muda quando se
fala sobre o acesso a serviços como escola e postos de saúde: 36% dizem
que há uma pequena desigualdade racial e 35% avaliam que há igualdade
de acesso.
“O fato de ter uma grande parcela da população que reconhece que não
há igualdade no acesso aos bens sociais não é novidade, já foi
identificada em outras pesquisas”, explica o professor Paulo Vinicius
Baptista da Silva, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da
Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Mas os números refletem também o
amadurecimento do debate sobre preconceito, que ganhou força no Brasil a
partir dos anos 2000 com a criação das cotas e, no ano passado, com o
julgamento do STF [Supremo Tribunal Federal] declarando que as cotas são
constitucionais”, avalia.
O autônomo Gilberto da Silva Vieira, 43 anos, tem dúvidas sobre o
apoio popular ao Dia da Consciência Negra. “Não sei como vão encarar o
feriado. Às vezes a pessoa só quer um dia de folga”, diz. Mas ele apoia
iniciativas que ajudem a reduzir o preconceito. “Dias atrás, eu e meu
amigo fomos a uma lanchonete tomar um café. Quando a gente entrou, todas
as pessoas lá dentro, que eram brancas, levantaram o rosto e nos
olharam, assustadas. Provavelmente ficaram achando que a gente era
assaltante.”
“Branco da favela também sofre”
O economista Rodrigo Constantino, especialista do Instituto
Millenium, é contra a criação do Dia da Consciência Negra. “É um
contrassenso querer combater o racismo relembrando a existência de raças
diferentes. A cor da pele é apenas mais um atributo da pessoa. Ao
colocá-lo como preponderante, só ajuda a fomentar o preconceito,
dividindo a sociedade.”
Outro ponto criticado por Constantino é o termo que batiza a data. “A
consciência é algo totalmente individual. Eu tenho muitos amigos que
têm uma visão ideológica muito mais alinhada com a minha do que com os
grupos que defendem essa consciência negra, como se todos os negros
pensassem de forma igual.” O economista afirma que os principais
problemas do Brasil são sociais. “O branco da favela sofre tanto quanto o
negro. Precisamos caminhar para sermos uma sociedade pós-racial, em que
a cor da pele não tenha importância nenhuma.”
Legislação
Associação Comercial diz que município não pode criar feriados
A Associação Comercial do Paraná (ACP), que veiculou anúncios se
posicionando contra a criação de mais um feriado municipal, vai
ingressar com alguma medida judicial para reverter a Lei nº 14.224/2013.
O vice-presidente da entidade Gláucio José Geara diz que a norma
contraria a Lei Federal nº 9.093, de 1995, e que muitos municípios já
tiveram que suspender o Dia da Consciência Negra por causa de decisões
judiciais.
“Que fique claro que em nenhum momento questionamos a importância da
data. Pelo contrário, até sugerimos a Semana da Consciência Negra, com
eventos apoiados pela ACP. Mas nossos associados se manifestaram de
forma contrária a mais um feriado, o que causaria muito prejuízo”, diz.
Segundo cálculos da ACP, a prefeitura de Curitiba deixaria de arrecadar
R$ 166 milhões pelo dia parado.
Pela legislação federal, os estados só podem celebrar uma data magna e
os municípios só podem criar feriados religiosos, e limitados ao número
de quatro. No Mato Grosso do Sul, o Tribunal de Justiça determinou a
inconstitucionalidade de uma lei estadual criando o feriado no Dia da
Consciência Negra. Os tribunais de Goiás e de São Paulo também já
decretaram a inconstitucionalidade de leis municipais.
Crítica
Para o professor Roberto Romano, da Unicamp, a reclamação de
comerciantes contra mais um feriado não merece crédito. “O comércio
conseguiu transformar todos os feriados religiosos em feriados
comerciais. Acabaram com o significado do Natal e o simbolismo e o afeto
relacionados ao Dia das Mães, dos Pais, da Criança”, observa.