quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Gazeta do Povo, sobre o dia da consciência negra. Minha opinião.

Vida e Cidadania

Quinta-feira, 07/02/2013
Henry Milleo/ Gazeta do Povo
Henry Milleo/ Gazeta do Povo / Aprovado na UFPR na cota para negros, Gilberto Vieira diz que está acostumado a enfrentar a “cara feia” da discriminação Aprovado na UFPR na cota para negros, Gilberto Vieira diz que está acostumado a enfrentar a “cara feia” da discriminação
Pesquisa

Com 81% de aceitação, curitibanos aprovam o Dia da Consciência Negra

Maioria concorda que a data em homenagem à população negra seja feriado, mas vantagem foi apertada – 44% disseram sim e 40% não
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Publicado em 04/02/2013 | Rosana Félix 

A maioria dos curitibanos (81%) concorda com a criação do Dia da Consciência Negra, a ser comemorado em 20 de novembro, como previsto em lei sancionada em 11 de janeiro deste ano pela Câmara de Vereadores. Grande parte (44%) também concorda que a data seja feriado municipal, mas, para 40%, a data devia ser apenas festiva, sem a suspensão de atividades. Os dados foram coletados pelo instituto Paraná Pesquisas a pedido da Gazeta do Povo e revelam ainda que a percepção de preconceito na capital é alta: 20% disseram já ter sido alvo de discriminação racial, e 56% conhecem alguém que já passou por essa situação.

Feriado ajuda na construção de identidade
O presidente do Centro Cultural Humaita, Adegmar Candiero, se ressente um pouco ao falar sobre o Dia da Consciência Negra. Para ele, o fato de se discutir um fato já aprovado em lei demonstra o racismo estrutural e institucionalizado que, segundo ele, impera em Curitiba. 

“Esse feriado ajuda a construir a identidade da população negra, que há séculos vem sendo apagada. Até parece que o negro caiu de paraquedas na história de Curitiba. Mas esta é uma etnia fundante”, diz. Segundo ele, o debate a respeito ajudará a transformar a sociedade. “O que se tem de discutir é a importância que o feriado terá daqui a 30 ou 40 anos. Para o Brasil ser um país forte, não pode esconder a história de seus negros.”

Para o professor Paulo Silva, da UFPR, o feriado ajuda no processo de reconhecimento social. “É um reconhecimento de que há uma parcela da população que sofreu discriminação ao longo da história do país e serve como um marco para que essa situação não exista mais no futuro”, avalia. “O Paraná construiu para si mesmo uma história de estado branco e na verdade o negro tem uma grande importância em sua história.”

Sem desrespeito
 
“A data se justifica para que se reflita sobre a nossa história, que definiu um padrão racista no Brasil”, afirma Roberto Romano, professor de Ética da Unicamp. Segundo ele, a criação do dia não implica em desrespeito a outros povos que formaram o país. “É bom lembrar que nenhum europeu ou outro povo foi escravizado em solo brasileiro. Dizer que todas as etnias mereceriam uma data é banalizar a discussão.”

A Lei nº 14.224 incluiu o novo feriado no calendário oficial da cidade. Por um lado, a data é vista como um passo fundamental para eliminar comportamentos preconceituosos que ainda perduram na sociedade. Por outro, há quem defenda que ações do tipo servem apenas para segregar ainda mais a sociedade. Além disso, há uma discussão jurídica não sobre o significado da data, mas a respeito da criação de um novo feriado (leia mais nesta página). 

Na opinião do curitibano, a segregação racial existe. Para 66%, há uma grande desigualdade nas abordagens policiais, dependendo da cor da pele. Em relação ao acesso a emprego, a maioria também acha que há discriminação, mas a proporção é menor – 41%. A percepção muda quando se fala sobre o acesso a serviços como escola e postos de saúde: 36% dizem que há uma pequena desigualdade racial e 35% avaliam que há igualdade de acesso. 

“O fato de ter uma grande parcela da população que reconhece que não há igualdade no acesso aos bens sociais não é novidade, já foi identificada em outras pesquisas”, explica o professor Paulo Vinicius Baptista da Silva, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Mas os números refletem também o amadurecimento do debate sobre preconceito, que ganhou força no Brasil a partir dos anos 2000 com a criação das cotas e, no ano passado, com o julgamento do STF [Supremo Tribunal Federal] declarando que as cotas são constitucionais”, avalia. 

O autônomo Gilberto da Silva Vieira, 43 anos, tem dúvidas sobre o apoio popular ao Dia da Consciência Negra. “Não sei como vão encarar o feriado. Às vezes a pessoa só quer um dia de folga”, diz. Mas ele apoia iniciativas que ajudem a reduzir o preconceito. “Dias atrás, eu e meu amigo fomos a uma lanchonete tomar um café. Quando a gente entrou, todas as pessoas lá dentro, que eram brancas, levantaram o rosto e nos olharam, assustadas. Provavelmente ficaram achando que a gente era assaltante.”

“Branco da favela também sofre”
O economista Rodrigo Constantino, especialista do Instituto Millenium, é contra a criação do Dia da Consciência Negra. “É um contrassenso querer combater o racismo relembrando a existência de raças diferentes. A cor da pele é apenas mais um atributo da pessoa. Ao colocá-lo como preponderante, só ajuda a fomentar o preconceito, dividindo a sociedade.”

Outro ponto criticado por Constantino é o termo que batiza a data. “A consciência é algo totalmente individual. Eu tenho muitos amigos que têm uma visão ideológica muito mais alinhada com a minha do que com os grupos que defendem essa consciência negra, como se todos os negros pensassem de forma igual.” O economista afirma que os principais problemas do Brasil são sociais. “O branco da favela sofre tanto quanto o negro. Precisamos caminhar para sermos uma sociedade pós-racial, em que a cor da pele não tenha importância nenhuma.”

Legislação

Associação Comercial diz que município não pode criar feriados

A Associação Comercial do Pa­­raná (ACP), que veiculou anúncios se posicionando contra a criação de mais um feriado municipal, vai ingressar com alguma medida judicial para reverter a Lei nº 14.224/2013. O vice-presidente da entidade Gláucio José Geara diz que a norma contraria a Lei Federal nº 9.093, de 1995, e que muitos municípios já tiveram que suspender o Dia da Consciência Negra por causa de decisões judiciais. 

“Que fique claro que em nenhum momento questionamos a importância da data. Pelo contrário, até sugerimos a Semana da Consciência Negra, com eventos apoiados pela ACP. Mas nossos associados se manifestaram de forma contrária a mais um feriado, o que causaria muito prejuízo”, diz. Segundo cálculos da ACP, a prefeitura de Curitiba deixaria de arrecadar R$ 166 milhões pelo dia parado. 

Pela legislação federal, os estados só podem celebrar uma data magna e os municípios só podem criar feriados religiosos, e limitados ao número de quatro. No Mato Grosso do Sul, o Tribunal de Justiça determinou a inconstitucionalidade de uma lei estadual criando o feriado no Dia da Consciência Negra. Os tribunais de Goiás e de São Paulo também já decretaram a inconstitucionalidade de leis municipais. 

Crítica

Para o professor Roberto Romano, da Unicamp, a reclamação de comerciantes contra mais um feriado não merece crédito. “O comércio conseguiu transformar todos os feriados religiosos em feriados comerciais. Acabaram com o significado do Natal e o simbolismo e o afeto relacionados ao Dia das Mães, dos Pais, da Criança”, observa.