Sócrates e o Militante Governista
Sócrates vinha passeando e de repente foi abordado pelo militante governista.
MG: Sócrates, não vai me dizer que também concordas com as manifestações contra a Copa?
S: Mas por que me perguntas isso?
MG: Porque, afinal de contas, são manifestações de coxinhas.
S: E por que os manifestantes são coxinhas?
MG: Ora, basicamente porque se opõem ao Governo e ao PT e, portanto, ao progresso do país.
S: Então os manifestantes contra a Copa são todos coxinhas porque se opõem ao Governo?
MG: Sim.
S: Mas não foi dentro do estádio que nossa Presidenta foi vaiada?
MG: Sim.
S: E se os manifestantes são coxinhas, estando fora dos estádios
porque protestando contra a Copa, os que estavam dentro não eram
coxinhas?
MG: Também eram coxinhas, Sócrates.
S: Por quê?
MG: Porque xingaram a Dilma.
S: Deixe-me entender: dizes que apoias a Copa porque quem está contra
está contra o Governo e por isso é coxinha. E ao mesmo tempo afirmas
que quem está dentro do estádio também é coxinha, porque xinga o
Governo.
MG: Sim.
S: Consequentemente, estás me dizendo que apoiando ou não apoiando a Copa o sujeito é coxinha.
MG: Não, Sócrates. Uma coisa é apoiar a Copa enquanto celebração do
futebol, do Brasil e dos feitos do Governo, outro coisa é ir ao estádio e
participar da Copa.
S: Então há quem apoie a Copa, mas ao mesmo tempo seja contra quem está usufruindo a Copa e contra aqueles que criticam a Copa?
MG: Sócrates, deixa eu explicar melhor. O que estou dizendo é que como nosso apoio ao governo é incondicional, mesmo sendo contra a forma como a Copa foi feita, nós apoiamos a Copa porque apoiamos tudo que o Governo faz. Ao contrário dos coxinhas da oposição.
S: Então existe a Copa como uma “ideia” que vocês apoiam e a Copa real dos coxinhas que vocês não apoiam?
MG: Mais ou menos, Sócrates.
S: O que estás me dizendo então é que como há coxinhas fora e
coxinhas dentro, vocês ficam na posição de apoiar a Copa, por apoiar o
Governo, e não apoiar o público (e consequentemente a organização que
direcionou para esse público) da Copa, porque vaiam o Governo.
MS: É.
S: Mas ao mesmo tempo vocês não podem aderir às manifestações contra a
FIFA, uma vez que, se o fizessem, estariam enfraquecendo o Governo e
fortalecendo os coxinhas das ruas?
MS: Sim, mas há uma diferença. Os coxinhas das ruas são menos
coxinhas que os dos estádios. Na verdade, devido à história do nosso
partido e nosso governo, temos até uma pequena simpatia pelos
movimentos, já que eles defendem coisas que defendíamos antigamente. Mas
hoje o mais importante é manter o Governo forte, e isso significa
recusar tanto os menos quanto os mais coxinhas.
S: Então vocês são contra a forma como a Copa foi feita, não contra a
Copa enquanto ideia, mas não podem aceitar que as manifestações
contestem o Governo, já que a prioridade é fortalecer o Governo.
MS: Sim, Sócrates.
S: Isso significa que o interesse em defender a Copa é puramente
estratégico, ou seja, tem relação apenas com a defesa do Governo em
geral, sem especificidades?
MS: É, mais ou menos isso. O importante é que o PT siga no Governo,
por isso, apesar da FIFA, das desocupações, da violência policial e tudo
mais apoiamos o Governo, mesmo que isso signifique contradições
específicas, já que a contradição seria ainda maior se fizéssemos
oposição à Copa (e por isso ao Governo).
S: Deixa ver se eu entendi: vocês apoiam a Copa porque apoiam o
Governo, e portanto rejeitam os protestos como coisa de coxinhas. Mas
quem é que vai usufruir a Copa mesmo?
MG: Os coxinhas master, os que vaiaram ontem.
S: Então segundo vocês a melhor estratégia para lidar com os coxinhas
das ruas (que são coxinhas porque se opõem ao Governo) é apoiar o
evento em que quem está são os coxinhas master?
MG: Não entendi.
S: Considerando que o interesse é puramente estratégico, pergunto: é
uma boa estratégia apoiar um evento – mesmo não concordando com a forma
que foi feito – apenas “por apoiar” se justamente quem vai ao evento é o público dos coxinhas master? Vocês não estão apoiando para se fortalecer exatamente aquilo que os enfraquece?
MG: Ah, Sócrates. Deixa pra lá. Agora só falta me dizeres que não foi pênalti ontem, porque isso é coisa de coxinha!
S: Críton, devemos um galo a Asclépio. Não te esqueças de pagar essa dívida!