Diante da realidade eleitoral que lhe é adversa neste momento, com
uma tendência de queda detectada pelas pesquisas, a presidente Dilma
cedeu aos radicais do PT para tentar animar os militantes do partido:
aceitou discutir uma regulação econômica da atividade, uma das facetas
do controle social da mídia, e assinou na surdina um decreto instituindo
conselhos populares nos diversos níveis de atuação do governo, passando
por cima do Congresso, sobretudo na representação da população nas
decisões de governo.
Numa democracia representativa como a que (ainda) temos, esse papel caberia aos parlamentares eleitos pelo voto direto do cidadão, e não a movimentos “institucionais” e mesmo “não institucionalizados”, como previsto no decreto presidencial que está sendo contestado no Congresso.
Em troca de não colocar em votação um decreto legislativo que anularia o decreto presidencial, o presidente da Câmara Henrique Alves está pedindo que o governo cancele o decreto e submeta a proposta ao Congresso através de um projeto de lei.
Esta parece ser a única maneira viável de aprovar a criação desses conselhos, que ficariam, porém, circunscritos a certas instâncias definidas pelo Congresso, o que retiraria de sua criação o aspecto de “democracia direta” que é o centro da proposta do governo.
Para o filósofo Roberto Romano, o aspecto institucional mais desastroso é justamente o predomínio do Executivo sobre os demais poderes. “Pela enésima vez a Presidência tenta legislar atropelando o Congresso e as instâncias jurídicas apropriadas”, ressalta Romano.
Diante da leniência do Congresso, que troca seu poder por favores pessoais aos congressistas, “já temos uma ditadura do Executivo, se bolivariana, o futuro próximo (muito ligado à eleição ou reeleição do cargo presidencial) dirá”.
Roberto Romano ressalta que “uma coisa é a participação popular, como audiências públicas obrigatórias e outros instrumentos, algo bem diferente é a tese, contida no decreto, segundo a qual mesmo movimentos "não institucionais" podem ter influência direta nas decisões de ordem pública.
“Com o decreto, o que se faz é gerar um Estado na periferia do Estado. Só que ninguém, naqueles movimentos,assumirá responsabilidade oficial pelos erros e possíveis acertos das decisões perante a população como um todo”.
O cientista político Bolivar Lamounier chama também a atenção para a questão da responsabilização das decisões e da necessidade de dar explicações aos cidadãos, características da democracia representativa.
Parafraseando Sobral Pinto, ele diz que o decreto dos conselhos “tem catinga de fascismo” na sua “flagrante inconstitucionalidade”, pela "indigência intelectual que exala" e por sua "mal disfarçada sonoridade ideológica populo-esquerdóide-fascistóide", calculada para agradar a um certo público interno do PT e a setores externos que não digerem a democracia “burguesa”.
Ele ressalta que no regime democrático, “a participação não é induzida - não se confunde com a arregimentação promovida por regimes populistas, autoritários e totalitários-, mas é sempre bem-vinda”.
O problema, diz Bolivar, é que os setores que demandam a inclusão raramente oferecem ideias úteis sobre como efetivá-la. “Martelam as teclas populo-esquerdóides da “sociedade civil”, dos “movimentos sociais”, dos “plebiscitos”, do “aprofundamento da democracia” etc, mas sempre ferindo acordes bem conhecidos”.
Simplesmente porque considera que a presidente “não pode ser assim tão jejuna em história e teoria política”, Bolivar está convencido de que Dilma “sabe, com certeza, que seus “conselhos populares” outra coisa não são que a velha mistificação corporativista, sindicalista e fascistóide; a ideia de que a “verdadeira” consciência cívica se plasma no convívio com a companheirada; o corolário é o de que o voto, essa “velharia liberal”, é individualista, fragmentador, atomístico etc”.
Tudo faz crer, diz ele, que se trata de um pré-pagamento “que a Dra. Dilma se dispôs a fazer aos setores mais arredios do PT para mantê-los dentro do barco eleitoral, ainda mais com o “Volta Lula” ciscando por aí”.