Terça, 10 de junho de 2014
Mais da metade dos municípios não tem serviços de saneamento básico. Entrevista especial com Édison Carlos
“Seriam necessários R$ 304
bilhões para água e esgotos em 20 anos, ou seja, pouco mais de R$ 15
bilhões por ano. Estamos, portanto, muito longe do necessário para ter
essa infraestrutura básica em 20 anos”, adverte o presidente do
Instituto Trata Brasil.
O monitoramento das obras de saneamento básico realizadas pelos PAC 1 e PAC 2, realizado pelo Instituto Trata Brasil,
revela não só que a maioria das obras estão atrasadas ou paralisadas,
mas que “17% da população não recebe água tratada e 51% não tem acesso à
coleta de esgotos”, informa Édison Carlos em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail.
Das 219 obras analisadas — 149 de
esgotos e 70 de água — em municípios com população superior a 500 mil
habitantes, no período de 2007 a 2013, “foram 24% de obras de esgotos do
PAC 1 concluídas e 19% considerando a soma dos 2 PACs. Nas obras de água, o cenário vai de 34% de obras concluídas no PAC 1 até 27% quando se consideram os 2 PACs”, diz.
O atraso das obras está relacionado a
problemas gerados pela apresentação de “projetos desatualizados ou
tecnicamente falhos”. “Nas primeiras inspeções e análises dos técnicos,
as obras foram paralisadas por problemas nos projetos. Passada esta
fase, muitos problemas foram detectados por conta da demora de licenças
ambientais, por deficiência técnica das empreiteiras, pela burocracia
para os recursos chegarem às obras, entre outros”, resume.
Édison Carlos
ressalta que o atual quadro do saneamento básico no Brasil é explicado
pelo “descaso público por décadas”. “Prevaleceram primordialmente as
obras de abastecimento de água, e o esgoto foi deixado de lado”, pontua.
Ele lembra ainda que “o saneamento básico só ganhou uma Lei Federal em 2007, quando o setor ganhou as novas diretrizes, obrigando os municípios, por exemplo, a fazerem um Plano Municipal de Saneamento”.
De acordo com o presidente do Instituto Trata Brasil, os recursos
financeiros para o saneamento básico já estão disponíveis, os problemas,
contudo, “estão na execução destas obras. Ainda falta um caminho longo a
percorrer, mas não há como negar que o saneamento básico, hoje, tem um
olhar mais crítico do que anos atrás. A Copa do Mundo não ajudou em absolutamente nada o saneamento”.
Com a promulgação da Lei 11.445/2007, Édison Carlos
diz que havia esperança de que os municípios levassem mais a sério o
setor, “mas não é bem isso que acontece atualmente. Pela Lei, por
exemplo, todas as cidades deveriam ter entregado seus Planos Municipais
de Saneamento Básico até 2010, prazo estendido a 2013 e
há pouco novamente postergado a 2015. Mais da metade dos municípios não
tem seus serviços regulados por agências reguladoras (outra obrigação
legal)”, conclui.
Édison Carlos é químico industrial graduado pelas Faculdades Oswaldo Cruz e pós-graduado em Comunicação Estratégica. Atuou por quase 20 anos em várias posições no Grupo Solvay, sendo que, nos últimos anos, foi responsável pela área de Comunicação e Assuntos Corporativos da Solvay Indupa. Em 2012, recebeu o prêmio “Faz Diferença - Personalidade do Ano”, do Jornal O Globo - categoria “Revista Amanhã”, que premia quem mais se destacou na área da Sustentabilidade em todo o país.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Quais são os
principais apontamentos feitos pelo monitoramento “De Olho no PAC”,
realizado pelo Instituto Trata Brasil, especialmente em relação ao
tratamento de água e esgoto?
Édison Carlos - Foram analisadas 219 obras do PAC
nos municípios com uma população superior a 500 mil habitantes; foram
149 obras de esgotos e 70 de água. Nas obras de esgotos, de 2007 até
dezembro de 2013, foram 24% de obras de esgotos do PAC 1 concluídas e 19% considerando a soma dos 2 PACs. Nas obras de água, o cenário vai de 34% de obras concluídas no PAC 1 até 27% quando se consideram os 2 PACs.
IHU On-Line - Quais são as principais obras de saneamento desenvolvidas pelo PAC Saneamento?
Édison Carlos -
Geralmente, as obras de ampliação do sistema sanitário (redes de coleta e
estações de tratamento de esgotos) são mais evidentes nas cidades que
monitoramos dentro do relatório “De Olho no PAC”. Nas
obras de água prevalece a ampliação do sistema de abastecimento (de
estações de tratamento, adutoras e redes de distribuição).
IHU On-Line - Por quais razões 54% das obras do PAC Saneamento estão atrasadas ou paradas?
Édison Carlos - Na maior parte do PAC 1,
os maiores problemas foram gerados pela apresentação de projetos com
problemas (desatualizados ou tecnicamente falhos). Nas primeiras
inspeções e análises dos técnicos, as obras foram paralisadas por
problemas nos projetos. Passada esta fase, muitos problemas foram
detectados por conta da demora de licenças ambientais, por deficiência
técnica das empreiteiras, pela burocracia para os recursos chegarem às
obras, entre outros. Quando as obras são paralisadas, os recursos do
governo federal ficam congelados e só voltam ao responsável da obra
quando tudo se normaliza.
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“Em São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, ainda há condomínios luxuosos que não são conectados às redes de esgotos e trabalham no sistema de fossa" |
Édison Carlos - É
importante entendermos que o saneamento foi um setor que sofreu com o
descaso público por décadas; prevaleceram primordialmente as obras de
abastecimento de água, e o esgoto foi deixado de lado. O saneamento
básico só ganhou uma Lei Federal em 2007, quando o setor ganhou as novas
diretrizes, obrigando os municípios, por exemplo, a fazerem um Plano Municipal de Saneamento. Os recursos financeiros existem por parte do Governo Federal, bilhões de reais já foram destinados para as obras do PAC,
por exemplo, entretanto os problemas estão na execução destas obras.
Ainda falta um caminho longo a percorrer, mas não há como negar que o
saneamento básico, hoje, tem um olhar mais crítico do que anos atrás. A Copa do Mundo não ajudou em absolutamente nada o saneamento.
IHU On-Line - O monitoramento “De olho no PAC”
analisou a situação do saneamento básico em cidades com mais de 500 mil
habitantes. É possível traçar um perfil dessas cidades? Quais
indicativos apontam para a falta de saneamento básico em regiões
populosas?
Édison Carlos - São as
grandes cidades brasileiras; parte delas são capitais e as outras são
grandes cidades das regiões metropolitanas. Os problemas variam de
cidade para cidade; em São Paulo e Rio de Janeiro,
por exemplo, ainda há condomínios luxuosos que não são conectados às
redes de esgotos e trabalham no sistema de fossa e até mesmo de poços
artesianos como fonte de água; porém, são estados que também sofrem com
as áreas irregulares, não contempladas com os serviços de saneamento
devido a questões judiciais.
Nas regiões do Nordeste e Norte,
a ausência do saneamento é histórica; ainda existem municípios em que a
população não aceita pagar por uma taxa mínima para se ligar à rede de esgoto,
ou seja, precisamos informar melhor a população sobre a importância de
ter saneamento como forma de melhorar nossa qualidade de vida.
IHU On-Line - O Instituto Trata
Brasil assinala as capitais João Pessoa, Natal, Belém e Fortaleza como
as que enfrentam maiores dificuldades em relação ao enfrentamento dessa
questão. Qual a situação dessas capitais? Por que a questão do
saneamento está atrasada em relação às demais capitais?
Édison Carlos - Praticamente todas as obras destas capitais estão paralisadas ou atrasadas por questões contratuais. Eu ressalto que a própria Região Sul do Brasil também enfrenta sérios problemas com o saneamento básico, principalmente Santa Catarina. Não é uma questão econômica, é mais uma questão cultural.
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IHU On-Line - O
Instituto Trata Brasil chama a atenção para o valor de 121 milhões
gastos em 2013 para tratar de pacientes que sofreram com infecções
gastrointestinais por conta da poluição da água. Quais são, por outro
lado, os gastos com saneamento?
Édison Carlos - De acordo com o Governo Federal,
os investimentos em saneamento em 2012 foram de R$ 9,7 bilhões, mas
este valor ainda é muito baixo comparando-se com os valores necessários
para universalizar os serviços até 2033, segundo o Plano Nacional de Saneamento Básico – PLANSAB do Governo Federal. Pelo PLANSAB
seriam necessários R$ 304 bilhões para água e esgotos em 20 anos, ou
seja, pouco mais de R$ 15 bilhões por ano. Estamos, portanto, muito
longe do necessário para ter essa infraestrutura básica em 20 anos.
IHU On-Line - De acordo com a pesquisa do Trata Brasil,
34 milhões de pessoas não são atendidas com rede de água e 103 milhões
de brasileiros não estão conectados às redes de esgoto. O que isso
significa considerando a população brasileira?
Édison Carlos - 17% da população não recebe água tratada e 51% não tem acesso à coleta de esgotos.
IHU On-Line - Há soluções práticas para resolver a questão do saneamento básico no Brasil no curto prazo?
IHU On-Line - Há soluções práticas para resolver a questão do saneamento básico no Brasil no curto prazo?
Édison Carlos -
Saneamento não se resolve da noite para o dia, mas tudo começa sendo
prioridade para prefeitos e governadores. Existem leis, mas não há
punição para quem não as cumpre. Com a Lei 11.445/2007,
a esperança era de que os municípios levassem mais a sério o setor, mas
não é bem isso que acontece atualmente. Pela Lei, por exemplo, todas as
cidades deveriam ter entregado seus Planos Municipais de Saneamento Básico
até 2010, prazo estendido a 2013 e há pouco novamente postergado a
2015. Mais da metade dos municípios não tem seus serviços regulados por
agências reguladoras (outra obrigação legal).
Quem tem o poder de mudar a situação, portanto, é o cidadão. Precisamos cobrar providências aos nossos governantes. O papel do Instituto Trata Brasil
é o de informar a população para sensibilizar cada pessoa de que
saneamento é um problema a ser discutido em conjunto com o poder
público. Com as eleições se aproximando, é importante que sejam
analisadas as propostas dos candidatos e que no futuro sejam cobradas as
suas ações.
Fotos: (1) urbanidades.arq.br (2) exame2.com.br