20/06/2014 • 12:31
Um ano após as manifestações de rua que sacudiram o
país, apenas 25% dos brasileiros com 16 e 17 anos exerceram seu direito
e tiraram o título de eleitor para votar em outubro. Desde 2006, esse
índice registra quedas sucessivas. Naquele ano, o grupo de eleitores
facultativos (com menos de 18 anos) representava 39% da população nessa
faixa etária. Nas eleições de 2010, ele encolheu para 32%. Agora,
segundo cruzamento de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com
informações do IBGE, o total de jovens adolescentes com título
representa apenas um quarto da população nessa faixa etária.
Para demógrafos e cientistas políticos, a queda na quantidade desses registros facultativos indica a indiferença da juventude brasileira em relação às urnas. Ao que parece, aqueles que agora teriam o direito de eleger seus representantes demonstram não acreditar no sufrágio como meio de transformação de seu país.
Além disso, acompanhando o envelhecimento da população brasileira, nas eleições de outubro, o Brasil viverá um cenário totalmente novo. Pela primeira vez em sua História, o país terá mais eleitores idosos, com mais de 60 anos, do que com idades entre 16 e 24 anos. E isso pode influenciar os rumos das políticas públicas.
— Se houver uma disputa de recursos entre a Previdência Social e a Educação infantil, por exemplo, o peso dos idosos pode acabar conduzindo os recursos para a Previdência. E isso pode gerar um conflito entre as gerações — alerta o demógrafo José Eustáquio Diniz, autor do artigo “O envelhecimento do eleitorado brasileiro”.
Ao analisar a queda no número de títulos eleitorais tirados pelos adolescentes de 16 e 17 anos, ele aponta ainda o que acredita ser a principal causa disso:
— Essa queda reflete um certo desinteresse deles pela política. A política nacional não está conseguindo atingir os jovens adolescentes.
A juventude confirma essa teoria. Diz que não quer ir às urnas em outubro por conta da descrença nos candidatos, que se soma à desilusão com os partidos.
— Não vejo nenhum nome ou legenda que me represente na política. Não tenho em quem confiar meu voto — argumenta a estudante Victoria Soares Carneiro Silva, de 16 anos. — Por isso, optei por não tirar meu título agora. Resolvi ganhar tempo para estudar cada um dos que se apresentam como a solução.
‘PROTESTO É A FORMA DE SERMOS OUVIDOS’
A adolescente que mora com os pais em Vila Isabel, na Zona Norte do Rio, foi às ruas nas manifestações de junho do ano passado e, agora, acredita mais na ocupação do espaço público do que no voto como forma de mudar o cenário político.
— O protesto é a forma que temos de sermos ouvidos. Além disso, tenho a esperança de que essas pessoas que pediram por mais Saúde e Educação ingressem na política para que comece a haver renovação — acrescenta a menina que pretende cursar Direito.
Victor Antônio Pena tem 17 anos mora no Humaitá, na Zona Sul do Rio, e pretende ser militar. Em junho de 2013, optou por protestar nas redes. Foi um ciberativista. Ele também não tirou título de eleitor.
— No ano passado, discuti com amigos, espalhei ideias e as reivindicações pela internet. Fui atuante. Ainda assim, não quis votar agora porque não acredito em candidatos que não venham do povo, que não passem pelo suplício de depender do sistema de saúde e do transporte públicos.
Seu colega Gabriel Felix, que também protestou nas redes em 2013, tem posição contrária. Aos 17 anos se orgulha de ter tirado o título e diz estar pronto para votar.
— Não há outra forma de mudar o país sem ser através do voto. Qual seria a outra alternativa? A anarquia não é a resposta — dispara ele.
Outros especialistas enxergam outras motivações para a retração. Segundo o professor de Ética e Política da Unicamp Roberto Romano, “nada mais próximo dos partidos brasileiros do que a cartolagem no futebol”.
— Os cartolas têm o dinheiro. Eles decidem. O torcedor não tem espaço nenhum. É conduzido a uma posição passiva. Os partidos fazem o mesmo. Acabaram com a prática da militância, assim como o fizeram as organizações estudantis. Desde que a UNE se transformou em um organismo semioficial, os jovens sumiram dela.
Romano argumenta também que a despolitização vem passando de geração em geração e chega agora aos jovens com voto facultativo. Ele lembra que um dos métodos de aprendizado do ser humano é a imitação e que, se não há inserção na política tradicional a ser imitada, ela não se perpetua.
— Se seu pai é desiludido e fala ‘eu tentei participar, não consegui’, se seu irmão mais velho ou seu primo não participou dos movimentos estudantis, é claro que você não vai ter um modelo. Assim, não terá nenhum desejo de participar da vida política.
DESCRENÇA NA POLÍTICA TRADICIONAL
Marcus Figueiredo, doutor em Ciência Política pela USP, aponta mais uma causa para o afastamento dos jovens das urnas. Para ele, a descrença na política tradicional é fruto da “campanha de oposição” feita pelos movimentos sociais aos partidos nos últimos meses.
— Todas as lideranças sociais passaram o ano inteiro dizendo que a política não vale nada. Houve um ano de campanha contra os partidos e contra as instituições representativas. O que se pode esperar? Só podemos lamentar que (esses movimentos) passem esse tipo de mensagem aos jovens.
Num cenário oposto ao dos jovens, estão os idosos, com mais de 60 anos. Pela primeira vez na História, a fatia desses eleitores ultrapassou a dos que têm entre 16 a 24 anos. Em 2006, os idosos detinham 14% dos títulos e somavam 17 milhões de eleitores. Agora, representam 17%, com um grupo de 24 milhões de pessoas.
Rozália Neves Barboza é um desses eleitores de cabelos brancos que não se abstêm do direito de votar. Com 72 anos, moradora de Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, ela não é obrigada a ir às urnas, mas o fará em outubro.
— Nunca deixei de votar. Não vejo porquê deixar de fazê-lo. E, mesmo que não concorde com nenhum candidato, votar nulo ou em branco está fora de cogitação.
A expectativa é de que o grupo de Rozália cresça mais. Estudos demográficos e eleitorais indicam que, até 2030, os eleitores com mais de 60 anos representarão o dobro do total de jovens com título. Se a tendência se confirmar, o Brasil poderá vir a ser um país de jovens nas ruas e de idosos nas urnas.
O Globo
Para demógrafos e cientistas políticos, a queda na quantidade desses registros facultativos indica a indiferença da juventude brasileira em relação às urnas. Ao que parece, aqueles que agora teriam o direito de eleger seus representantes demonstram não acreditar no sufrágio como meio de transformação de seu país.
Além disso, acompanhando o envelhecimento da população brasileira, nas eleições de outubro, o Brasil viverá um cenário totalmente novo. Pela primeira vez em sua História, o país terá mais eleitores idosos, com mais de 60 anos, do que com idades entre 16 e 24 anos. E isso pode influenciar os rumos das políticas públicas.
— Se houver uma disputa de recursos entre a Previdência Social e a Educação infantil, por exemplo, o peso dos idosos pode acabar conduzindo os recursos para a Previdência. E isso pode gerar um conflito entre as gerações — alerta o demógrafo José Eustáquio Diniz, autor do artigo “O envelhecimento do eleitorado brasileiro”.
Ao analisar a queda no número de títulos eleitorais tirados pelos adolescentes de 16 e 17 anos, ele aponta ainda o que acredita ser a principal causa disso:
— Essa queda reflete um certo desinteresse deles pela política. A política nacional não está conseguindo atingir os jovens adolescentes.
A juventude confirma essa teoria. Diz que não quer ir às urnas em outubro por conta da descrença nos candidatos, que se soma à desilusão com os partidos.
— Não vejo nenhum nome ou legenda que me represente na política. Não tenho em quem confiar meu voto — argumenta a estudante Victoria Soares Carneiro Silva, de 16 anos. — Por isso, optei por não tirar meu título agora. Resolvi ganhar tempo para estudar cada um dos que se apresentam como a solução.
‘PROTESTO É A FORMA DE SERMOS OUVIDOS’
A adolescente que mora com os pais em Vila Isabel, na Zona Norte do Rio, foi às ruas nas manifestações de junho do ano passado e, agora, acredita mais na ocupação do espaço público do que no voto como forma de mudar o cenário político.
— O protesto é a forma que temos de sermos ouvidos. Além disso, tenho a esperança de que essas pessoas que pediram por mais Saúde e Educação ingressem na política para que comece a haver renovação — acrescenta a menina que pretende cursar Direito.
Victor Antônio Pena tem 17 anos mora no Humaitá, na Zona Sul do Rio, e pretende ser militar. Em junho de 2013, optou por protestar nas redes. Foi um ciberativista. Ele também não tirou título de eleitor.
— No ano passado, discuti com amigos, espalhei ideias e as reivindicações pela internet. Fui atuante. Ainda assim, não quis votar agora porque não acredito em candidatos que não venham do povo, que não passem pelo suplício de depender do sistema de saúde e do transporte públicos.
Seu colega Gabriel Felix, que também protestou nas redes em 2013, tem posição contrária. Aos 17 anos se orgulha de ter tirado o título e diz estar pronto para votar.
— Não há outra forma de mudar o país sem ser através do voto. Qual seria a outra alternativa? A anarquia não é a resposta — dispara ele.
Outros especialistas enxergam outras motivações para a retração. Segundo o professor de Ética e Política da Unicamp Roberto Romano, “nada mais próximo dos partidos brasileiros do que a cartolagem no futebol”.
— Os cartolas têm o dinheiro. Eles decidem. O torcedor não tem espaço nenhum. É conduzido a uma posição passiva. Os partidos fazem o mesmo. Acabaram com a prática da militância, assim como o fizeram as organizações estudantis. Desde que a UNE se transformou em um organismo semioficial, os jovens sumiram dela.
Romano argumenta também que a despolitização vem passando de geração em geração e chega agora aos jovens com voto facultativo. Ele lembra que um dos métodos de aprendizado do ser humano é a imitação e que, se não há inserção na política tradicional a ser imitada, ela não se perpetua.
— Se seu pai é desiludido e fala ‘eu tentei participar, não consegui’, se seu irmão mais velho ou seu primo não participou dos movimentos estudantis, é claro que você não vai ter um modelo. Assim, não terá nenhum desejo de participar da vida política.
DESCRENÇA NA POLÍTICA TRADICIONAL
Marcus Figueiredo, doutor em Ciência Política pela USP, aponta mais uma causa para o afastamento dos jovens das urnas. Para ele, a descrença na política tradicional é fruto da “campanha de oposição” feita pelos movimentos sociais aos partidos nos últimos meses.
— Todas as lideranças sociais passaram o ano inteiro dizendo que a política não vale nada. Houve um ano de campanha contra os partidos e contra as instituições representativas. O que se pode esperar? Só podemos lamentar que (esses movimentos) passem esse tipo de mensagem aos jovens.
Num cenário oposto ao dos jovens, estão os idosos, com mais de 60 anos. Pela primeira vez na História, a fatia desses eleitores ultrapassou a dos que têm entre 16 a 24 anos. Em 2006, os idosos detinham 14% dos títulos e somavam 17 milhões de eleitores. Agora, representam 17%, com um grupo de 24 milhões de pessoas.
Rozália Neves Barboza é um desses eleitores de cabelos brancos que não se abstêm do direito de votar. Com 72 anos, moradora de Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, ela não é obrigada a ir às urnas, mas o fará em outubro.
— Nunca deixei de votar. Não vejo porquê deixar de fazê-lo. E, mesmo que não concorde com nenhum candidato, votar nulo ou em branco está fora de cogitação.
A expectativa é de que o grupo de Rozália cresça mais. Estudos demográficos e eleitorais indicam que, até 2030, os eleitores com mais de 60 anos representarão o dobro do total de jovens com título. Se a tendência se confirmar, o Brasil poderá vir a ser um país de jovens nas ruas e de idosos nas urnas.
O Globo