Oscar Vilhena | diretor da escola de direito da fgv
“Nos últimos 20 anos, homicídios no Brasil superam os da guerra no Vietnã”
Professor defende integração da polícia, mas adverte que lobby político bloqueia iniciativa
M. M.
São Paulo
11 NOV 2014 - 21:20 BRST
Oscar Vilhena, diretor da DIREITO SP da Fundação Getúlio Vargas
(FGV), qualifica constantemente de "preocupantes" os dados divulgados no
Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Os números de mortes violentas no Brasil são comparáveis aos dados de
países em guerra, lamenta o professor de Direito Constitucional. Vilhena
defende uma reestruturação e a integração das polícias para melhorar os
indicadores de violência e coloca o desafio nas mãos do Congresso
Nacional, embora adverta que os parlamentares não têm levado a questão a
sério: "Há um lobby muito forte das próprias polícias, que defendem
seus interesses corporativos, que, ao meu ver, não atendem à população".
Pergunta. Qual é o dado que mais lhe preocupa entre os apresentados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública?
Resposta. Inúmeras coisas são preocupantes, mas o
que deveria nos mobilizar imediatamente é a questão dos homicídios. O
Brasil tem mantido um padrão profundamente preocupante para uma
democracia. Especialmente para uma democracia que vem enfrentando outros
problemas, como a pobreza, a desigualdade, a educação e, no entanto, na
área de segurança, não consegue fazer progressos consistentes. Em
alguns Estados, como é o caso de São Paulo, Minas Gerais ou Pernambuco,
tem havido uma redução muito substantiva dos homicídios. São Paulo, nos
anos 2000, reduz quase 70% dos homicídios, mas isso significa que em
outras regiões do Brasil houve um aumento. Esse é um ponto essencial e
que tem consequências do ponto de vista de vidas humanas perdidas, que
somam mais de um milhão de vítimas nos últimos 20 anos, com
consequências econômicas graves. As pessoas estão deixando de investir,
seja o grande investidor como o pequeno, porque sabem que há riscos de
ser vítima de violência no país.
P. Podemos falar que o Brasil tem um número de homicídios equiparável ao de um país em guerra?
R. Sem dúvida nenhuma. Países como a Colômbia, o
México, a África do Sul e o Brasil apresentam números de violência
interna que são muitas vezes superiores a conflitos armados. Se nós
pegamos dados concretos de mortes no conflito como de Israel com a Palestina,
são infinitamente menores. Porém, evidentemente falamos de populações
muito pequenas. Mas, em guerras como a do Vietnã, que durou cerca de
duas décadas, o número de mortes foi 25% inferior a essa cifra [um
milhão de vítimas] apresentada no Brasil ao longo dos últimos 20 anos.
P. Como avalia o fato de que as polícias brasileiras tenham matado em cinco anos mais que as polícias norte-americanas em três décadas?
R. Essa é em alguma medida uma das razões pelas
quais a polícia brasileira é tão pouco eficiente. Porque uma polícia
eficiente depende, em grande medida, do seu relacionamento com a
comunidade, porque será ela quem trará as informações para que a polícia
investigue os crimes e os previna. Uma polícia violenta, sem dúvida,
afasta a boa informação. Os dados são preocupantes. O relatório traz
cerca de 11.000 pessoas que foram mortas em confrontos com a polícia, é
um número muito superior ao de outras democracias. Como também é alto o
número de policiais mortos. O importante a destacar nesse sentido é que o
número de policiais vítimas de homicídio se dá quando eles estão fora
de serviço, isto é, quando estão trabalhando, mas não como polícias,
senão em casas noturnas, como seguranças privados... Então, isso também
demonstra que o emprego como policial não é suficiente para a
subsistência dos agentes e os leva a trabalhar em situações que os
coloca em enorme vulnerabilidade.
P. Foi a Segurança Pública um assunto suficientemente tratado durante a campanha eleitoral?
R. Me parece que não. A questão da Segurança Pública
aparece nas maiores cidades como o problema número um, mas ainda assim
ela recebeu um tratamento na campanha eleitoral muito tímido.
P. Quais são os principais desafios do Governo federal na área de Segurança Pública?
A reforma das polícias depende hoje do Congresso, que lamentavelmente não tem levado essa discussão a sério
R. O Governo federal tem um papel relevantíssimo na
questão da Segurança Pública, porque a estrutura institucional é
determinada pela Constituição brasileira. Um dos elementos que os
especialistas indicam e que sobre o que nós temos um certo consenso no
Brasil é que nós precisaríamos criar uma polícia de ciclo único. Ou
seja, a mesma polícia que participa da prevenção, está na rua,
uniformizada, identificada e, quando ocorre o crime, ela participa do
processo de investigação. O fluxo de informação entre quem está
constantemente na rua e quem faz a investigação é essencial para que
você possa chegar a bons resultados, seja de investigação, seja de
prevenção. A reforma das polícias depende hoje do Congresso, que
lamentavelmente não tem levado essa discussão ao sério. Há um lobby
muito forte das próprias polícias, que defendem seus interesses
corporativos, que, ao meu ver, não atendem à população.
P. E dos Governos estaduais?
R. No caso dos Governos dos Estados, não precisam
ficar esperando que venha a reforma. Os exemplos que nós temos de
Pernambuco, em alguma medida de São Paulo, e de Minas Gerais, é que você
consegue avançar em uma integração operacional entre as polícias com
resultados positivos. Não devemos negligenciar que São Paulo tem um
índice de homicídios de menos da metade do índice brasileiro, e essa
curva declinante é fruto de um conjunto de esforços: controle de armas,
policiamento comunitário, integração das polícias, qualificação do
departamento de homicídios... Isso é o que precisa ser feito: gestão.
P. Qual é a relação do brasileiro com a impunidade?
A questão que desestabiliza mais a confiança é a falta de expectativa de que o Poder Judiciário aplicará a lei de maneira imparcial e igualitária
R. Há alguns indicadores que devem chamar nossa
atenção. O primeiro deles é que apenas 33% dos brasileiros confiam na
polícia e só 32% confiam no Poder Judiciário. Isso é muito preocupante,
até porque o Poder Judiciário, em outros países, está mais bem colocado
em relação à polícia, mas, no Brasil, demonstra que a aplicação da lei,
em geral, não merece a confiança da população. Por que isso ocorre? Há
indicadores que apresentam que a Justiça é lenta e que aplica a lei de
maneira desigual. A Justiça é lenta em todas as partes do mundo, mas a
questão que desestabiliza mais a confiança é a falta de expectativa de
que o Poder Judiciário aplicará a lei de maneira imparcial e
igualitária. Em relação à polícia, é apontada sua ineficiência. O
cidadão pensa que não adianta procurar por ela, porque ela não vai abrir
uma investigação e, por outro lado, [critica] a questão da
arbitrariedade, da polícia ser violenta e corrupta.
P. É relevante para você que dados tão importantes sobre violência sejam divulgados por uma ONG e não pelo poder público?
R. É lamentável, muito embora esses dados sejam
coletados pelas diversas instâncias públicas. No Brasil, há duas fontes
de coleta de dados, por exemplo, dos homicídios. Uma vem do Ministério
da Justiça e, a outra, do Ministério da Saúde. Apenas há dois anos, nós
temos o Sinesp, [um sistema de informação vinculado ao Ministério da Justiça]
que organiza esses dados. O que seria preocupante é que o Brasil não
tivesse esses números. Hoje, o Estado brasileiro produz esses números,
mas evidentemente não divulga, chamando atenção sobre eles.