quarta-feira, 8 de abril de 2015

São Paulo, Escola da Magistratura


São Paulo, Escola da Magistratura



31/03/2015

Paz e justiça entre as nações são debatidas no curso “Teorias da Justiça”

O professor Roberto Romano ministrou ontem (30), a aula “Paz e justiça entre as nações” no curso de formação continuada Teorias da Justiça da EPM. A exposição teve a participação do subcoordenador do curso, professor Luiz Paulo Rouanet.

“Paz e justiça entre as nações é algo muito complicado. Eu não me refiro aos últimos eventos beligerantes no mundo, e sim à história da humanidade. Se quisermos perceber a profundidade desse tema, temos que descer bem fundo nos dias em que estamos no planeta, pois este tema envolve assuntos que atormentam a sociedade desde os primórdios da história”.

O professor iniciou a preleção com a análise de uma obra de arte contemporânea, o filme 2001: Uma odisseia no espaço, de Stanley Kubrick. Depois, regressou à antiguidade clássica e discorreu sobre as obras História da Guerra do Peloponeso, de Tucídides e A República, de Platão. Teceu, finalmente, considerações sobre alguns teóricos da guerra, da Justiça e da paz.

As observações do palestrante sobre a filmografia de Kubrick buscaram o fundamento da ideia da perpetuação da beligerância entre nações, fator de interdição da realização ou o simulacro da Justiça. “Nas cenas iniciais, assistimos o nascimento da humanidade, e com ela, o parto da violência (...). Entre a ciência e a literatura, temos o porrete; há uma  evolução que refina a força corrosiva da técnica e da ciência. E não existe salvação nos sentimentos, pois eles são tirânicos por natureza. A Justiça surge como sombra enganosa que preside o nascimento do Estado e habita os sonhos dos homens; mas quando eles acordam, o pesadelo da violência estatal ou particular reaparece com a sua figura assustadora. A razão de Estado impera em 2001. Nele, a violência se refina e se torna a cada instante mais cruel e profunda. O medo controla as decisões de homens e máquinas. Em Kubrick, o ente humano deseja a morte, e a técnica é um instrumento para atingir tal fim”.

Na análise que desenvolveu sobre a obra de Tucídides, o professor sublinhou que, de acordo com o historiador, os atenienses foram levados à guerra que destruiu Atenas por razões de Estado, mas por interesses particulares. “Somos levados a discutir o funcionamento estatal das instituições, mas esquecemos muitas vezes os interesses privados que estão na guerra, na diplomacia, etc., observou o filósofo”. Adiante, fez uma reflexão sobre a “delicada passagem das razões de Estado para as razões do interesse privado”, analisando o período do governo democrático de Sólon.

Discorreu também sobre o discurso de Trasímaco, na República, de Platão, em que se discute o conceito de Justiça como algo imutável e perfeito e se debate sua concepção como conveniência dos mais fortes ou dos mais fracos.

Em prosseguimento, Roberto Romano falou sobre a questão de política interna do relacionamento da cidadania com os poderes de Estado. Flagrou, no Renascimento, o poder de Estado nascente centralizado, examinado por François Hotman (1524-1590) intelectual e jurista protestante, no livro clássico do Direito Público Franco-Gallia, “em que se encontra a tese que procura manter os direitos da cidadania contra os magistrados, um embrião daquilo que chamaríamos soberania popular “.

A recidiva da “guerra de todos contra todos”

Na perspectiva do movimento pendular da “guerra de todos contra todos”, tese defendida por Thomas Hobbes (1588–1679), o professor  discorreu sobre a obra de autores considerados críticos do projeto de paz perpétua kantiano, “quase caracterizando como irrealizável ou infundado na natureza humana”. Ele citou Georg Wilhelm Friedrich Hegel (17701831) e Johann Gottlieb Fichte (17621814), este último autor de Sobre Maquiavel como escritor e excertos de seus escritos, onde recupera e desenvolve pressupostos da força definidora da relação entre as nações, já hauridos por Tucídides e Platão.

“Segundo Fichte, se as nações se descuidam um minuto de expandir o seu território, outras concorrentes aumentam. Esse é um ponto básico, e não adianta falar de Justiça ou de Direito, pois é essa lei que define o padrão do relacionamento internacional”, sustentou o professor.

Roberto Romano examinou o termo “pleonexia”, “que significa vontade de ter mais – mais poder, mais riqueza, mais honra, etc., mencionado pelo historiador grego Tucídides (460 a.C.400 a.C.) na História da Guerra do Peloponeso, e recuperado  por Hobbes como um erro inerente à condição humana”. De acordo com o professor, esse impulso opera na alma humana 24 horas por dia, com intensidade, e não se encontra limites para essa expansão, tanto do ponto de vista dos interesses dos estados quanto de particulares.

O filósofo sustentou finalmente que, desde a antiguidade até os nossos dias, ensaios de controle do poder político fracassaram quase inevitavelmente. “A Liga das Nações e a ONU fracassaram na tentativa de impor normas de conduta às potências, sobretudo as de grande porte. Vivemos uma situação perene, em que os interesses privados de grandes corporações econômicas ditam as regras dos poderes estatais nas guerras: o fornecimento de armas, crédito para sua compra, a arregimentação de mercenários, ideologias fundamentalistas cristãs ou islâmicas, enfim, todo um complexo de interesses privados afasta os entes estatais da justa paz mundial”.

Em suas considerações finais, Roberto Romano asseverou que, no sistema de poderes, o medo entre Estados é mantido, mesmo após o final oficioso da Guerra Fria. “Até hoje, os homens convivem com a ausência de uma autoridade que, acima dos estados, poderia proteger uns dos outros. Nenhum Estado deixa de possuir forças armadas, sinal de insegurança diante de inimigos atuais ou potenciais. A cautela ronda os poderes, o que os leva a fabricar, ainda na frase de Hobbes, “teias de espiões em todas as esferas da vida pública e privada”.

Curso

Iniciado no dia 9 de março, com aula inaugural do presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo e coordenador do curso, desembargador José Renato Nalini, o curso Teorias da Justiça teve continuidade no dia 16, com a palestra “Contratualismo moderno”, proferida por Rolf Kuntz, e no dia 23, com aula ministrada pelo professor Anderson Vichinkeski Teixeira sobre o tema “Concepção de Justiça em Hobbes e Kant”. O módulo inicial do curso, “Fundamentos Modernos da Justiça”, prossegue até o dia 13 de abril.

ES (texto e foto)