Quarta, 08 de abril de 2015
Conheça o “tempero” mais usado por brasileiros que pode matar a sua família
"Agrotóxicos não são uma necessidade inevitável. É possível
levar comida para cada mesa brasileira sem agredir o meio ambiente e nem
causar danos à saúde dos trabalhadores rurais e de nós mesmos. Ar puro,
águas limpas, terras férteis e alimentos de qualidade", escreve Daniel Boa Nova, redator, em artigo publicado pelo sítio Hypeness / Página do MST, 06-04-2015.
Eis o artigo.
Imagine que um amigo convida você para almoçar na casa dele. Na mais
saudável das intenções, a proposta é um menu leve. Digamos que uma
salada de entrada e batatas recheadas no prato principal. Você
possivelmente toparia o convite, não? E se ele dissesse que usaria veneno no tempero?
É isso que acontece na casa de uma pessoa qualquer como eu, você e
esse amigo fictício. E também nos restaurantes de esquina, buffets por
quilo e praças de alimentação. Pode lavar as folhas, deixar a cenoura no
vinagre e esfregar cada pepino com bucha. Se na lavoura eles receberam
agrotóxicos, ainda estarão contaminados. Quem diz isso não é o Hypeness, é a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
O Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos.
Se todos os defensivos agrícolas utilizados por ano em nosso país
fossem divididos pela população, daria um galão de 5,2 litros para cada
brasileiro. Vai um aí na janta?
Foi no pós-2a Guerra que o uso de agrotóxicos passou a ser
disseminado, com o crescimento exponencial da agricultura industrial. A
chamada Revolução Verde levou uma série de inovações ao
campo para aumentar a produção agrícola. Entre elas, a substituição da
mão-de-obra humana pela mecanizada, o advento de sementes geneticamente
modificadas e o uso de adubos químicos e venenos para pragas. O objetivo
declarado até poderia ser nobre: combater a fome. Porém, cinquenta anos
depois, além dos impactos sociais causados pelo êxodo rural, as
consequências para o meio ambiente e para a saúde das pessoas evidenciam
que esse modo de produzir pautado apenas na quantidade e não na
qualidade está ultrapassado.
No ano passado, a Embrapa deixou disponível na
internet um estudo realizado por seus pesquisadores entre os anos de
1992 e 2011. O objetivo do levantamento era traçar um panorama sobre a
contaminação ambiental causada pelos agrotóxicos no Brasil. E o cenário é
assustador: em todas as regiões do país são encontradas amostras de
resíduos tóxicos em concentrações acima do recomendável, seja nas
plantações, no solo, nas águas ou nos peixes. Isso porque não foram
avaliados os impactos sobre a carne, ovos e leite, que indiretamente
também trazem agrotóxicos para a mesa.
Muito se fala sobre como o Brasil disputa a liderança no mercado mundial de soja.
O que não se fala tanto é sobre como essa cultura lidera o uso de
defensivos agrícolas no país. Um bastante aplicado para limpar terrenos
antes do cultivo é o herbicida 2,4-D. Trata-se de um dos componentes do
agente laranja, utilizado pelos Estados Unidos na Guerra do Vietnã. O
herbicida é proibido em países como a Suécia, a Noruega, a Dinamarca, em
vários estados do Canadá e os Estados Unidos vêm discutindo o seu
banimento também. Aqui é liberado. E ele é apenas um.
Em nosso país temos mais de 400 tipos de agrotóxicos
registrados. Entre eles, pelo menos 14 venenos proibidos no resto do
mundo acabam sendo desovados por aqui e têm permissão para o comércio.
Na União Europeia e Estados Unidos, são considerados lixos tóxicos. No
Brasil manuseamos, respiramos, bebemos e comemos. Alguns a gente até
proíbe, mas a venda e o uso ilegal correm soltos pelo campo frente a uma
fiscalização falha. E, das substâncias permitidas, em inúmeros casos
são aplicadas quantidades acima dos limites aceitáveis. Até porque há um
mito entre produtores rurais de que, quanto maiores as doses, mais
tempo a lavoura fica livre de pragas. Mas parece que esse controle se
tornou ele próprio a maior praga. Porque os impactos na saúde pública
são evidentes.
A cada 90 minutos, um brasileiro é envenenado em decorrência do uso
de agrotóxicos no país. E isso são apenas os casos notificados ao
sistema de saúde. É uma epidemia de intoxicações
agudas, com direito a dores de cabeça, vômitos, infecção urinária,
alergias. O uso de agrotóxicos é uma prática tão deliberada,
inconsequente e sem controle que chegamos ao absurdo de episódios como
esse, onde um avião simplesmente despejou sua carga do inseticida engeo
pleno em cima de uma escola, hospitalizando funcionários e dezenas de
crianças. Aliás, a prática da pulverização aérea foi proibida pela União
Europeia lá em 2009, dada sua baixa eficiência e riscos ambientais. Por
aqui, apesar da pressão dos movimentos sociais, a discussão sobre
proibição da pulverização aérea está nesse nível aqui.
Ainda sobre os impactos que o uso massivo de agrotóxicos têm sobre a
saúde, eles vão além do mal estar. Especialistas apontam uma relação
direta entre o acúmulo de agrotóxicos no organismo e o desenvolvimento
de câncer de mama, fígado e testículos. Uma contradição quando se pensa
que o consumo de frutas e legumes é exatamente uma das atividades
saudáveis recomendadas para ajudar a prevenir o surgimento de tumores
malignos. Há pouco tempo, uma pesquisa realizada no município de Lucas
do Rio Verde, no Mato Grosso, mostrou que havia resíduos de agrotóxicos
no leite materno de todas as mulheres examinadas.
Todas, 100%. A mesma cidade é apontada como ícone do desenvolvimento
trazido pelo agronegócio, como mostrou essa reportagem que foi à TV.
Agora, nem eu e nem você somos obrigados a ingerir produtos contaminados por agrotóxicos. A alternativa está bem ao nosso alcance: optar pelo consumo de alimentos provenientes da agricultura orgânica. Além de serem isentos de adubos químicos e venenos para pragas, eles também não contêm remédios veterinários, hormônios e organismos geneticamente modificados. Quando se trata de alimentos orgânicos processados, nada de corantes, aromatizantes e conservantes sintéticos. É um modo de produzir que respeita os ciclos da natureza e estabelece formatos de trabalho colaborativos, valorizando a qualidade de vida de quem produz, de quem vende e de todos que consumimos.
Agora, nem eu e nem você somos obrigados a ingerir produtos contaminados por agrotóxicos. A alternativa está bem ao nosso alcance: optar pelo consumo de alimentos provenientes da agricultura orgânica. Além de serem isentos de adubos químicos e venenos para pragas, eles também não contêm remédios veterinários, hormônios e organismos geneticamente modificados. Quando se trata de alimentos orgânicos processados, nada de corantes, aromatizantes e conservantes sintéticos. É um modo de produzir que respeita os ciclos da natureza e estabelece formatos de trabalho colaborativos, valorizando a qualidade de vida de quem produz, de quem vende e de todos que consumimos.
Muito se diz sobre os alimentos orgânicos serem mais caros do que os
demais. É uma meia-verdade. Nos supermercados e mesmo nos sacolões,
talvez possa ser. Até porque ainda não temos por aqui um varejista como o
Whole Foods Market, que desde os anos 80 vende somente
comida orgânica. A rede começou com apenas 19 pessoas trabalhando, e
hoje já são mais de 50 mil colaboradores em suas lojas pelos Estados
Unidos, Canadá e Inglaterra. Com seu capital aberto, a empresa é uma
prova de que a agricultura orgânica não é inimiga do business. Um
exemplo de como é possível vender com escala e obter lucros sem ser
nocivo ao meio ambiente e às pessoas.
Olhando para a nossa realidade, a maneira mais fácil de encontrar
orgânicos a preços acessíveis é comprando direto do produtor. E com isso
não estamos dizendo que é preciso fazer uma viagem à roça cada vez que a
geladeira esvaziar. Hoje já são mais de 300 feiras orgânicas espalhadas
pelo Brasil, onde é possível encontrar de tudo a preços justos e sem
riscos à saúde. Fizemos até uma matéria mostrando algumas. Uma simples
busca por “orgânicos” no Google ou Facebook também traz vários resultados de produtores vendendo os mais diversos insumos, alguns provavelmente localizados perto de você.
Outras iniciativas que devem ser apoiadas e multiplicadas são as dos
hortões urbanos. Que, além de gerarem alimentos saudáveis, também
contribuem para o cinza das cidades se tornar mais verde. Recentemente
visitamos um incrível no meio de São Paulo. Aliás, também podemos
cultivar alimentos em nossas próprias residências. Dentro de casa
ninguém vai jogar agrotóxico, concorda? Hortaliças e
temperos são alguns exemplos do que pode ser plantado facilmente em
pequenos vasos para suprir a demanda doméstica. Quem sabe fazendo isso
você não toma gosto pela coisa e chega ao nível dessa família
norte-americana, que a 15 minutos do centro de Los Angeles produz
toneladas de alimentos orgânicos no próprio quintal.
O cultivo de orgânicos dentro de cooperativas familiares poderia suprir a todos com alimentos de qualidade a preços justos.
Seria uma questão de organizar a produção e o escoamento de forma mais
descentralizada. Tanto que a própria ONU incentiva o desenvolvimento
dessas práticas. Mas, no Brasil, de um lado estão os grandes interesses
econômicos do agronegócio e, do outro, as questões ambientais e de saúde
pública. Evidências científicas alarmantes nem sempre são decisivas
frente à contribuição que certos grupos dão ao nosso PIB. Apesar de
algumas iniciativas localizadas do poder público serem muito bem-vindas,
esperar que o governo solucione todo esse embate pode ser esperar tempo
demais.
Claro que para haver mudanças é importante atuar politicamente em
relação ao tema, cobrando dos 3 poderes as medidas que queremos, fazendo
petições, organizando protestos e não votando nos
representantes que vão contra nossos valores. Entretanto, de forma bem
pragmática, podemos no dia a dia tomar decisões que pressionem os grupos
econômicos a mudarem de rota. Quanto mais gente consumindo orgânicos,
mais mau negócio o uso de agrotóxicos se torna. Só que para isso é
preciso uma postura mais pró-ativa e crítica na hora de ir às compras.
Não basta chegar no local mais próximo e pegar o item mais barato
possível, achando que com uma lavadinha vai ficar tudo bem. Temos que
ser sinceros com nós mesmos para ter uma vida com mais qualidade.
Agrotóxicos não são uma necessidade inevitável. É possível levar comida para cada mesa brasileira sem agredir o meio ambiente
e nem causar danos à saúde dos trabalhadores rurais e de nós mesmos. Ar
puro, águas limpas, terras férteis e alimentos de qualidade. A gente
tem direito a tudo isso.
E esse é um dos motivos pelos quais apostamos na ideia de que o
futuro é mesmo um retorno ao campo. Não da forma como nossas gerações
passadas fizeram. O futuro é poder unir tecnologia com natureza e
usufruir dos dois com equilíbrio. Muita gente já decidiu largar a cidade
em busca de mais qualidade de vida, mas se esse não
for um sonho seu, não é preciso ser tão radical. Basta se reaproximar da
natureza reativando hábitos sábios que nossos antepassados
deixaram: plantar, para comer bem.
Uma varanda num apartamento já é espaço suficiente para produzir
alguns alimentos básicos para uma família e evitar servir veneno como
acompanhamento das refeições para as pessoas que ama. Vendo desse ponto
de vista, qual o trabalho de regar alguns vazinhos todos os dias?