Terça, 28 de abril de 2015
Na USP, professor defende tese de que negros africanos tem QI menor que europeus
Utilizando um artigo considerado
ultrapassado e falando em inglês para dificultar a compreensão, um
professor da pós-graduação da USP deu uma aula racista nessa semana, mas foi surpreendido pela presença de estudantes do coletivo Ocupação Preta; “Shut up”, dizia o docente quando alunos e alunas negras tentavam intervir.
A reportagem é de Ivan Longo, publicada no Portal Fórum, 24-04-2015.
Se fosse no começo do século XX, o
episódio ainda seria aceito sem maiores problemas. Mas, por ter
acontecido em pleno ano de 2015, a anacrônica aula do professor
britânico Peter Lees Pearson, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), não passou despercebida. Na última quarta-feira (22), Pearson ministrou aula para uma turma de pós-graduação e sua tese conotou conceitos extremamente ultrapassados e racistas.
Usando como base o artigo “James Watson’s mostly inconvenient truth: Race realism and moralistic fallacy”, de autoria de J. Philippe Rushton e Arthur R. Jensen, o professor começou a explicar, “cientificamente”, como testes de QI “comprovavam” que os negros africanos têm uma capacidade cognitiva menor que europeus ou asiáticos, por exemplo.
Se o Ocupação Preta – coletivo de alunos e alunas negras da USP que luta pela ampliação da presença negra na universidade
– não estivesse presente, a possibilidade de haver qualquer tipo de
confronto com as ideias do professor seria praticamente nula. Além de
propor uma discussão “conjunta” para uma turma com 19 pessoas brancas e
apenas 1 negro, o docente não apresentou qualquer outro autor que
fizesse um contraponto às teses que apresentava
.
Essas teses, porém, já foram rechaçadas pela Academia inúmeras vezes. Watson foi, inclusive, exonerado de seu cargo de conselheiro no Spring Harbor Laboratory (CSHL) em Nova Iorque em virtude de suas afirmações sobre a inferioridade cognitiva de pessoas negras.
“Entendemos que era necessária a
ocupação dessa aula primeiramente porque quase todos(as) estudantes
matriculados eram brancos(as). Dentre 20 pós-graduandos(as) presentes,
apenas um era negro. Este fato por si só já choca e evidencia o caráter elitista e racista da USP
e dos cursos ministrados nela. Há um número irrisório de negros e
negras nas salas de graduação e pós-graduação da tão reconhecida
Universidade de São Paulo”, afirmaram alunas que fazem parte do
coletivo.
E assim o fizeram. Aos poucos, dezenas
de negros, ao ficarem sabendo da aula que estava sendo dada, começaram a
ocupar a sala para fazer o contraponto aos conceitos racistas que estavam sendo levantados por Pearson.
Muitos começaram a intervir e expressar sua opinião, mas o debate não
fluía pois o professor, de acordo com os estudantes, adotava uma postura
ainda mais elitista que sua própria aula: ele só se comunicava em
inglês.
“Quem não sabe falar em inglês, que
fique sem se expressar”, chegou a afirmar. Em diversos momentos, de
acordo com membros do coletivo, o professor ainda fazia escárnio dos
alunos e alunas “extras” na sala de aula e muitas vezes chegava a –
literalmente – mandá-los calar a boca, com um clássico “shut up”.
“O mais chocante certamente foi a posição do professor:
impediu diversas vezes que mulheres pretas falassem, mandou os negros
calarem a boca – literalmente! – incontáveis vezes, insistiu que não
éramos capazes de compreender, ora pela língua, ora pela ciência.
Constrangeu os próprios alunos os obrigando a se manterem na posição que
ele escolhia. Além disso riu, fez escárnio e ironias várias vezes. É
uma postura inaceitável, porque a posição clara de poder que ele ocupa
diante dos alunos não deveria ser permissão para atitudes abusivas. Mas
foi o que aconteceu”, explicaram os membros do grupo, que optaram por
responder coletivamente aos questionamentos da Fórum.
De acordo com o Ocupação Preta,
a ideia de entrar na sala de aula era a de firmar a presença negra na
universidade e trazer à tona algumas perguntas, como: “Por que, em 2015,
ainda é necessário dispensar esforços para combater tal artigo que
expressa tão obviamente o racismo,
quando poderíamos, nas mais variadas áreas, estar refletindo sobre
assuntos produtivos à comunidade paulista que sustenta a Universidade de
São Paulo?”; “Qual o significado político de uma discussão de tal
artigo dentro de uma universidade composta por uma maioria branca
elitizada?”; “É possível discutir se o artigo é racista ou não sem a
presença dos sujeitos vítimas do racismo, no caso os negros?”.
E é por meio desse tipo de questionamento e da ocupação, firmando a presença negra na universidade, que os alunos e alunas que compõem o coletivo pretendem mudar a realidade “branca” e “elitista” da Universidade de São Paulo.
Procurado para se posicionar quanto às declarações dos estudantes, o professor Pearson não deu retorno até a publicação desta matéria.
Confira a íntegra da nota do grupo Ocupação Preta.
Nota de Repúdio ao Racismo Pseudocientífico Defendido na USP
Ontem a Ocupação Preta esteve presente em uma aula da pós-graduação do Instituto de Biociências da USP. O propósito da aula era debater o artigo “James Watson’s mostly inconvenient truth: Race realism and moralistic fallacy”, de autoria de J. Philippe Rushton e Arthur R. Jensen,
indicado pelo professor para “discussão em conjunto”. Entendemos que
era necessária a ocupação dessa aula primeiramente porque quase
todos(as) estudantes matriculados eram brancos(as). Dentre 20 pós
graduandos(as) presentes, apenas um era negro. Este fato por si só já
choca e evidencia o caráter elitista e racista da USP e dos cursos
ministrados nela. Há um número irrisório de negros e negras nas salas de
graduação e pós graduação da tão reconhecida Universidade de São Paulo.
Mais do que esta triste realidade
uspiana (a inexistência de representatividade negra nas salas de aula), o
que também nos motivou a fazer a intervenção na aula do Professor Peter Lees Pearson
foi o conteúdo extremamente racista e ofensivo do material proposto. O
artigo propõe análises comparativas de QI entre populações africanas,
européias e asiáticas, sugerindo uma inferioridade intelectual do povo
africano com base em estudos de James Watson. Os estudos de Watson
foram rechaçados pela academia por serem baseados em estudos de
cefalometria (herdeira cientifica da frenologia, um ramo
pseudocientífico que serviu de base pra diversas atrocidades no meio
médico e sobretudo psiquiátrico-manicomial) e análises de aplicações de
testes de QI sem análises psicossociais.
Watson foi inclusive exonerado de seu cargo de conselheiro no Spring Harbor Laboratory (CSHL)
em Nova Iorque em virtude de suas afirmações sobre a inferioridade
cognitiva de pessoas negras.Compreendemos que a escolha do artigo feita
pelo professor foi infeliz, pois o texto apresenta racismo puro,
explícito e além de não trazer dados concretos, foi apresentado sem
autores(as) que fazem críticas a ele, endossando ainda mais o racismo de
forma determinista. O desconforto a qualquer leitor(a) que respeite a
dignidade humana é assegurado!
O ataque ao povo africano e à sua
descendência é bastante claro. E esse ataque não passou despercebido
desta vez. Contestamos, nos manifestamos contrários a escolha do artigo e
fomos enegrecer a discussão com nossos posicionamento de negras e
negros que somos, estudantes das mais diversas áreas da universidade que
sentem o racismo todos os dias, resistindo e combatendo com muita
força. O que nos surpreendeu foi a postura extremamente racista do
professor que defendeu subjetivamente o texto e que não valorizava o
diálogo, diversas vezes batendo palmas em cima da falas dos estudantes
negros, dizendo “Shut up!” e se recusando a fazer a discussão em
português, mesmo sabendo que havia estudantes que não entendiam inglês e
por isso, não podiam se defender. O professor começou uma discussão
sobre um artigo que ressaltava e queria provar a inferioridade
intelectual negra, acusando as “pessoas extras” que estavam presentes de
“não saberem ciência”.
A Ocupação Preta
repudia esse tipo de método de aula, nas quais há a defesa de textos
ultrapassados que remetem a pensamentos eugenistas.Repudiamos ainda a
inflexibilidade da Universidade (em todos os níveis) em refletir
assuntos que dizem respeito ao povo negro com os próprios sujeitos
negros que se apresentam para discutir.Seguiremos resistindo e lutando
para transformar e enegrecer a Universidade de São Paulo
e todos os outros espaços que julgarmos necessários. E que a cada dia
juntem-se a nós mais e mais pessoas negras que estudam na universidade
se apoderando e ocupando espaços a nós historicamente negados.Queremos
uma USP com menos “racist classes” e com mais cotas raciais que insiram a
comunidade negra para transformar e guiar o conhecimento científico.
Dentro e fora da Universidade, RACISTAS NÃO PASSARÃO!