Bispo que questionou Holocausto pede perdão às vítimas e à igreja
O bispo britânico Richard Williamson pediu perdão nesta quinta-feira às vítimas do Holocausto e à Igreja Católica pelas declarações em que havia negado a dimensão do massacre de judeus pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). As informações foram divulgadas pela agência católica de notícias Zenit.
"Para todas as almas que ficaram verdadeiramente escandalizadas com o que eu disse, diante de Deus, peço perdão", disse o bispo, em uma declaração feita depois de chegar a Londres, vindo da Argentina, onde sofria risco de expulsão. "Observando essas consequências, posso verdadeiramente dizer que lamento ter feito essas observações, e que se eu soubesse de antemão todo dano e dor que elas dariam origem, especialmente para a igreja, mas também para os sobreviventes e parentes das vítimas da injustiça sob o Terceiro Reich, eu não as teria feito."
A polêmica teve início depois que a excomunhão dele e de outros três bispos ultraconservadores foi suspensa pelo papa Bento 16, em janeiro. Eles haviam sido expulsos da igreja por terem sido ordenados sem autorização do Vaticano, nos anos 80, pelo arcebispo ultraconservador Marcel Lefebvre. Lefebvre liderava religiosos que se opunham às mudanças na igreja introduzidas pelo Concílio Vaticano 2º, como o fim do uso do latim durante as missas.
O movimento do papa em favor da unidade da igreja, reabilitando os membros da Sociedade São Pio 10°, acabou nublado pela divulgação posterior de uma entrevista de Williamson à TV sueca sueca SVT na qual ele questionou o Holocausto. "Acredito que não existiram câmaras de gás e [apenas] entre 200 mil e 300 mil judeus sofreram nos campos de concentração", disse então.
Vários grupos judaicos reagiram com indignação às declarações. O rabinato de Israel cortou todos os laços com o Vaticano no fim de janeiro. Em uma carta enviada à Santa Sé, o diretor geral do rabinato, Oded Weiner, suspendeu um encontro entre judeus e cristãos programado para o início deste mês. "Sem uma desculpa pública será difícil continuar com este diálogo."
A igreja tentou diminuir os atritos. Ainda em janeiro, o cardeal Walter Kasper, responsável pelas relações da igreja com os judeus, chamou as declarações de "estúpidas" em um editorial do jornal do Vaticano, "L"Osservatore Romano", e disse que o antissemitismo "não é objeto de discussão". O próprio papa condenou qualquer tentativa de negar o Holocausto, e Williamson escreveu, em 30 de janeiro, uma carta em que pediu desculpas pelas "observações imprudentes", mas não pelo conteúdo de suas declarações.
O movimento, no entanto, foi insuficiente para conter as críticas. No dia 3 deste mês, a chanceler alemã, Angela Merkel, que é protestante, exigiu que o papa deixasse "bem claro" que rejeitava a negação do Holocausto --cerca de 34% dos alemães declaram-se católicos, e 34%, protestantes. No mesmo dia, o jornal "Bild", o mais vendido da Alemanha, afirmou que o papa "cometeu um erro grave" e que o "fato de ser um papa alemão torna a questão especialmente ruim". Na juventude, Bento 16 foi obrigado, na juventude, a servir no Exercito nazista, mas fugiu e foi feito prisioneiro de guerra. A família dele se opôs ao nazismo e um primo dele foi executado pelo governo alemão por ter síndrome de Down.
Um dia depois da pressão vinda da terra natal do papa, o Vaticano exigiu que Williamson negasse "de forma inequívoca e pública" seus questionamentos a respeito da dimensão do Holocausto como um requisito para ser reabilitado na Igreja Católica. O documento informou também que Bento 16 não sabia do posicionamento do bispo quando suspendeu a excomunhão dele e de mais três bispos tradicionalistas.
Na semana seguinte, Williamson afirmou à revista alemã "Der Spiegel" que estava disposto a "rever as evidências históricas", dizendo ter encomendado um livro sobre as câmaras de gás, mas que não visitaria o campo de Auschwitz. Anteriormente, ele dissera que só pediria desculpas pela negação do Holocausto se encontrasse provas de sua existência. Nesta quinta-feira, Williamson disse que se limitou a dar uma "opinião de uma pessoa que não é um historiador, uma opinião formada há 20 anos com base nas provas disponíveis então, e raramente expressa em público desde então".
A agência católica que noticiou o pedido de perdão não divulgou, no entanto, nenhuma declaração de Williamson admitindo os números comumente aceitos de vítimas judias do nazismo, em torno de 6 milhões.
Na última terça-feira, Williamson deixou a Argentina, sob ameaça de expulsão. O governo argentino alegou que ele exercia atividades de direção no seminário que a Fraternidade São Pio 10° possui na cidade de Moreno, nos arredores de Buenos Aires, mas informara oficialmente ser um empregado administrativo da Associação Civil La Tradición.
Tensão com os judeus
A polêmica envolvendo Williamson foi o mais recente episódio de choque com autoridades religiosas judaicas do atual papado. No início deste ano, as relações ficaram tensas depois das declarações do cardeal Renato Martino, o presidente do Conselho Pontifício de Justiça e Paz do Vaticano, segundo o qual Gaza, sob ataque israelense, assemelhava-se a um "grande campo de concentração".
Em 2007, o papa enfureceu muitos judeus ao suspender restrições a missas em latim com o rito tridentino, que contém uma oração pela conversão dos judeus. A Associação dos Rabinos Italianos decidiu, em resposta à decisão sobre a missa, boicotar as celebrações do dia anual de diálogo interreligioso entre judeus e cristãos, no último dia 17, instituído pelo papa João Paulo 2º como uma forma de combater o antissemitismo.
Outra fonte de atrito entre o Vaticano e Israel é o processo de beatificação do papa Pio 12, que liderou a igreja na Segunda Guerra e é acusado por grupos judaicos de ter fechado os olhos à perseguição nazista aos judeus. Em 2008, Bento 16 barrou o processo que poderia levar o antecessor a ser declarado santo, pedindo um estudo aprofundado sobre o assunto. O atual papa destacou, no entanto, o que chamou de trabalho silencioso de Pio 12 em favor dos judeus, nos tempos do Holocausto