Entrei em uma corte e me divorciei da Igreja Católica. É isso que você tem que fazer se for alemão e quiser deixar a igreja.
Eu estava esperando que o papa me segurasse. Eu estava esperando que me dissesse que nunca deveria ter acontecido. Estava esperando que ele corrigisse seu erro. Mas ele me deixou esperando.
Quando ouvi falar pela primeira vez que o papa tinha recebido de volta na Igreja um bispo excomungado que negava o Holocausto, não acreditei. Achei que a verdade provavelmente era mais complicada.
Eu respeitei o papa Bento 16. Por mais que discordasse dele em muitas questões, admirava seu intelecto. Como alemão, sentia certo orgulho por um homem tão pensativo e humilde tornar-se líder da igreja à qual eu pertencia.
Depois, ele me perdeu. O bispo absolvido, Richard Williamson, era um famoso negador do Holocausto.
Semanas antes, Williamson tinha dado uma entrevista a um repórter de televisão sueca, na Alemanha, por incrível que pareça, na qual ele repetia a sua negação do Holocausto.
Confrontado pelo repórter com sua declaração anterior de que nem um único judeu tinha morrido em uma câmara de gás, que era tudo "mentira, mentira, mentira", Williamson pensou por um momento. Bem vestido em uma túnica preta, com uma grande cruz no pescoço, ele assentiu com a cabeça e expôs, em uma voz suave, de avô, o que ele acredita. "Acredito que não houve câmara de gás", disse ele.
Sabendo que negar o Holocausto é crime na Alemanha, Williamson olhou por cima do ombro como se quisesse se assegurar de que ninguém estava ouvindo. "Você poderia ter-me jogado na prisão antes que eu deixasse a Alemanha", disse ele e sorriu.
Esse é um homem que, após ser excomungado por um papa há mais de vinte anos, foi reinstalado como bispo da Igreja Católica -por um papa alemão que esteve em Auschwitz.
Depois de dias de silêncio insuportável e revolta em torno do mundo, Bento finalmente falou, e foi aí que ele me perdeu. De fato, ele não falou: o Vaticano emitiu uma declaração exigindo que Williamson "se distanciasse de sua posição sobre o Shoah."
Eu olhei para essas palavras e me perguntei por que, aos olhos do Vaticano, negar o Holocausto era "uma posição". Eu me perguntei por que um bispo que negava o Holocausto precisava apenas "se distanciar" de suas palavras para permanecer bispo.
Eu não consegui entender porque Bento não dissociou a Igreja Católica de Williamson da mesma forma que se associou a ele, com uma penada. Então, eu me distanciei do papa.
Eu sei que eu deveria ter ido ao padre que celebrou meu casamento há apenas um ano. Nós escolhemos a igreja quando soubemos que seu secretário havia escondido judeus no porão durante o nazismo. Eu suspeito que o padre teria me pedido para não puni-lo pelos erros do papa. Mas eu estava cansado. Peguei minha certidão de casamento e fui para a justiça.
Há muitas questões da Igreja Católica que eu gostaria de discutir: gostaria de discutir quais papéis as mulheres podem desempenhar; por que usar preservativo para prevenir a Aids é um pecado; por que a Igreja Católica não considera a Igreja Protestante como igreja. Mas há certas questões que eu não quero discutir. Eu não quero discutir se Hitler tinha um lado agradável. Eu não quero discutir se o Holocausto realmente aconteceu.
Sou neto de dois homens muito diferentes. Um veio de uma família que hasteou a bandeira da suástica no prédio mais alto da minha cidade natal. O outro era um alfaiate que secretamente costurava ternos para judeus. Ambos desapareceram nas trincheiras da Segunda Guerra Mundial. Talvez por isso eu fique sensível em discutir o Holocausto. Parte da minha família tem sangue nas mãos, e a parte que não tem também foi morta.
Eu me lembro do dia em 2005 quando Joseph Ratzinger inesperadamente tornou-se o papa Bento 16.
Foi no mesmo ano em que, pela primeira vez, uma mulher tornou-se líder do meu país. Não apenas isso, ela era filha de um pastor protestante que tinha se mudado da Alemanha Ocidental para a Oriental e recusou-se a ser intimidado por um governo comunista que desprezava a fé tanto quanto o capitalismo.
Foi um belo ano para um alemão.
O papa não é antissemita e nunca endossou o antissemitismo. Entretanto, ele escolhe se retirar em uma época quando deveria liderar, e essa, para mim, não é uma opção para um papa alemão diante do antissemitismo.
Talvez eu o esteja julgando muito duramente. Espero que sim. Essa é a beleza de ter nascido em um país com um passado nazista. Posso cobrar dele um padrão mais alto.
*Mario Kaiser é jornalista em Berlim.
Tradução: Deborah Weinberg
Eu estava esperando que o papa me segurasse. Eu estava esperando que me dissesse que nunca deveria ter acontecido. Estava esperando que ele corrigisse seu erro. Mas ele me deixou esperando.
Quando ouvi falar pela primeira vez que o papa tinha recebido de volta na Igreja um bispo excomungado que negava o Holocausto, não acreditei. Achei que a verdade provavelmente era mais complicada.
Eu respeitei o papa Bento 16. Por mais que discordasse dele em muitas questões, admirava seu intelecto. Como alemão, sentia certo orgulho por um homem tão pensativo e humilde tornar-se líder da igreja à qual eu pertencia.
Depois, ele me perdeu. O bispo absolvido, Richard Williamson, era um famoso negador do Holocausto.
Semanas antes, Williamson tinha dado uma entrevista a um repórter de televisão sueca, na Alemanha, por incrível que pareça, na qual ele repetia a sua negação do Holocausto.
Confrontado pelo repórter com sua declaração anterior de que nem um único judeu tinha morrido em uma câmara de gás, que era tudo "mentira, mentira, mentira", Williamson pensou por um momento. Bem vestido em uma túnica preta, com uma grande cruz no pescoço, ele assentiu com a cabeça e expôs, em uma voz suave, de avô, o que ele acredita. "Acredito que não houve câmara de gás", disse ele.
Sabendo que negar o Holocausto é crime na Alemanha, Williamson olhou por cima do ombro como se quisesse se assegurar de que ninguém estava ouvindo. "Você poderia ter-me jogado na prisão antes que eu deixasse a Alemanha", disse ele e sorriu.
Esse é um homem que, após ser excomungado por um papa há mais de vinte anos, foi reinstalado como bispo da Igreja Católica -por um papa alemão que esteve em Auschwitz.
Depois de dias de silêncio insuportável e revolta em torno do mundo, Bento finalmente falou, e foi aí que ele me perdeu. De fato, ele não falou: o Vaticano emitiu uma declaração exigindo que Williamson "se distanciasse de sua posição sobre o Shoah."
Eu olhei para essas palavras e me perguntei por que, aos olhos do Vaticano, negar o Holocausto era "uma posição". Eu me perguntei por que um bispo que negava o Holocausto precisava apenas "se distanciar" de suas palavras para permanecer bispo.
Eu não consegui entender porque Bento não dissociou a Igreja Católica de Williamson da mesma forma que se associou a ele, com uma penada. Então, eu me distanciei do papa.
Eu sei que eu deveria ter ido ao padre que celebrou meu casamento há apenas um ano. Nós escolhemos a igreja quando soubemos que seu secretário havia escondido judeus no porão durante o nazismo. Eu suspeito que o padre teria me pedido para não puni-lo pelos erros do papa. Mas eu estava cansado. Peguei minha certidão de casamento e fui para a justiça.
Há muitas questões da Igreja Católica que eu gostaria de discutir: gostaria de discutir quais papéis as mulheres podem desempenhar; por que usar preservativo para prevenir a Aids é um pecado; por que a Igreja Católica não considera a Igreja Protestante como igreja. Mas há certas questões que eu não quero discutir. Eu não quero discutir se Hitler tinha um lado agradável. Eu não quero discutir se o Holocausto realmente aconteceu.
Sou neto de dois homens muito diferentes. Um veio de uma família que hasteou a bandeira da suástica no prédio mais alto da minha cidade natal. O outro era um alfaiate que secretamente costurava ternos para judeus. Ambos desapareceram nas trincheiras da Segunda Guerra Mundial. Talvez por isso eu fique sensível em discutir o Holocausto. Parte da minha família tem sangue nas mãos, e a parte que não tem também foi morta.
Eu me lembro do dia em 2005 quando Joseph Ratzinger inesperadamente tornou-se o papa Bento 16.
Foi no mesmo ano em que, pela primeira vez, uma mulher tornou-se líder do meu país. Não apenas isso, ela era filha de um pastor protestante que tinha se mudado da Alemanha Ocidental para a Oriental e recusou-se a ser intimidado por um governo comunista que desprezava a fé tanto quanto o capitalismo.
Foi um belo ano para um alemão.
O papa não é antissemita e nunca endossou o antissemitismo. Entretanto, ele escolhe se retirar em uma época quando deveria liderar, e essa, para mim, não é uma opção para um papa alemão diante do antissemitismo.
Talvez eu o esteja julgando muito duramente. Espero que sim. Essa é a beleza de ter nascido em um país com um passado nazista. Posso cobrar dele um padrão mais alto.
*Mario Kaiser é jornalista em Berlim.
Tradução: Deborah Weinberg