segunda-feira, 25 de maio de 2009

Petrobras, Especialistas em ética criticam privilégio

O GLOBO, "O PAÍS", 25/05/2009, P. 3


Wagber Gomes e Chico Otavio

Ao repassar, sem fiscalização adequada, 609 milhões de reais a determinadas ONGs, em contratos sem licitação, a Petrobras está criando, na opinião de especialistas em ética, um modelo de fazer política pública baseado em privilégios. Eles alegam que, quando passa a competir com o próprio governo na área social, a estatal não pode se dar ao luxo de escolher para quem abrirá os cofres.

O professor de ética Roberto Romano, da Unicamp, disse que, num país com problemas na saúde, educação e segurança, a Petrobras não pode privilegiar apenas um setor da sociedade. Já Rubes Figueiredo, do Centro de Pesquisas e Análises de Comunicação (Cepac), a estratégia da Petrobras reflete um estilo que "o PT parece ter adotado para distribuir dinheiro público para entidades com afinidade ideológica".

—A questão central é : será que as Ongs têm a capacidade adequada para merecer o dinheiro? Nos estados onde a Petrobras tem atuado, a estatal acaba se envolvendo com alguma contrapartida. Isso, além de ser uma distorção, é também porta aberta para um apoio seletivo— reforça o sociólogo Ricardo Ismael, da PUC-Rio.

Ricardo Ismael lamenta que o crescimento da presença da Petrobras na área social não tenha atraído, até agora, o interesse de órgãos fiscalizadores, como já funciona para outros programas governamentais.

—O investimento geral da Petrobras no ano passado (petróleo e outros) foi maior do que a União. Com esse gigantismo, não há uma fiscalização adequada. O TCU precisa botar o dedo nisso.

Romano: desde a origem, ética é contaminada pela irresponsabilidade

Os três professores criticaram os contratos da estatal. Para Romano, as denúncias mostram "claro interesse de administradores da Petrobras, ligados a partidos políticos que dão apoio ao governo, de aplicar recursos em entidades que têm a mesma linha ideológica do governo". Os repasses, continuou, ferem os princípios básicos de qualquer código de ética ao privilegiar setores específicos.

—Por mais glorioso que seja o passado da Petrobras, a instituição não está acima da lei. Qualquer administração pública precisa ser regida pelo princípio da moralidade e da transparência. Foram dados milhões a entidades como a UNE para fazer propaganda do governo e muito pouco para a pesquisa. Boa parte do dinheiro poderia ser destinada a pesquisas em universidades— disse.

Segundo Romano, a ética pública no Brasil é contaminada desde a sua origem pela irresponsabilidade. Para ele, o investimento sem retorno garantido "é um verdadeiro escândalo".

—É um escândalo repassar recursos sem licitação a uma instituição que não aplica a verba onde deveria. Transparência é um imperativo constitucional que deveria prevalecer, conclui.

Para o cientista político Rubes Figueiredo, a Petrobras repete a postura adotada pelo partido para beneficiar instituições amigas:

—Isso é novidade. Nunca houve partido no governo com instituições com tanto poder de mobilização. É uma postura aética usar recursos de toda a sociedade para apenas algumas instituições em sintonia com o governo. É aética e preocupante.

Figueiredo lembra que há um artigo na Lei 8. 666 (sobre as normas gerais para licitações e contratos) que dá às instituições a possibilidade de conseguir contratos sem concorrência:

—Isso, porém, abre caminho para se favorecer quem quiser, sem nenhum critério".