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• Resenha Artigo Poder Judiciário e Comunicação Democrática
Henrianne Barbosa
Jornalista e mestranda em Comunicação Pública, da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp). A relação entre os cidadãos brasileiros e a Justiça é, freqüentemente, marcada por desencontros. Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, no formato de uma carta endereçada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o filósofo Roberto Romano falou desse descompasso que fere a democracia. Para o filósofo, apesar de existirem juízes e advogados honestos, predomina no Judiciário a injustiça. Paradoxo que pode sim, ser revertido, basta que estabeleça um diálogo entre o poder decisório e "o verdadeiro soberano, o povo que sustenta o Estado" .
Reformar a Justiça é consenso nacional. As discussões sobre a renovação desse poder, no Congresso Nacional, já se estendem por 12 anos e estão próximas do seu desfecho. Neste cenário, onde o essencial é a pluralidade de vozes, com primazia do interesse público, destaca-se a responsabilidade dos meios de comunicação, na medida em que traduzem o inteligível, estimulam a reflexão e promovem o controle do poder. À semelhança de Romano, com sua carta-artigo que chama o presidente à responsabilidade, os meios de comunicação devem compor sua carta - textos, imagens e sons - para facilitar o encontro entre o cidadão e as questões jurídicas. Sinal de alerta - Um sistema de comunicação eficiente, seja ele público ou privado , facilita não só o entendimento do cidadão, como contribui com a compreensão dos políticos sobre o poder Judiciário. Compreensão, no momento, deficitária. De acordo com o ministro Nelson Jobim, em pronunciamento na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, há senadores que desconhecem o texto final da reforma do Judiciário enviado pela Câmara dos Deputados ao Senado, discutem "sobre palavras e não sobre fatos". Jobim completa: "Li hoje no jornal da Capital que um eminente juiz disse que precisava conhecer o tema. Mas como conhecer o tema se está tudo aqui. Ou seja, discutem-se palavras e não realidades" .
O despreparo de políticos e da sociedade compromete a reforma do Judiciário, que entrou em discussão em 1995 na Câmara dos Deputados, chegou ao Senado em 2000 e a previsão é de que seja votada em 2004.
Pesquisa realizada pelo Instituto Toledo & Associados, a pedido da Ordem dos Advogados (OAB) em setembro de 2003, revela a percepção dos brasileiros do Judiciário. Das 1.700 pessoas entrevistadas, de 16 capitais brasileiras, 66% não sabem que o Congresso está fazendo a reforma do Judiciário. Outros 57% não souberam diferenciar o trabalho do promotor do juiz e metade dos entrevistados ignora a diferença entre o trabalho do advogado e do promotor público.
O grau de desconfiança também está alto: 41% não acreditam na Justiça. E na lista das instituições mais confiáveis, o Judiciário aparece em quinto lugar, das sete instituições citadas, seguido do Ministério Público e do Congresso Nacional. Dos países da América Latina, o Brasil é quem apresenta os índices mais críticos, afirma a cientista política Maria Teresa Sadek . "A história ensina que é mais fácil minar o Estado de Direito quando é baixo o grau de confiança nas instituições, especialmente nas encarregadas de fazer valer direitos e dirimir conflitos de forma pacífica", alerta.
Para o promotor José Carlos Blat, a imprensa pode ajudar na formação de uma opinião pública consciente, "que por sua vez poderá exercitar eficazmente sua cidadania" . Os próprios meios de comunicação, internos e externos ao poder, estão começando a despertar para o assunto, há iniciativas importantes, partindo da próprio poder Judiciário e do Ministério Público. Contudo, a relação entre Jornalismo e Justiça ainda é instável. Seja porque a mídia não traduz eficientemente as questões jurídicas e recorra ao sensacionalismo, ou porque o Judiciário apóia projetos que restringem a liberdade de imprensa, como a Lei da Mordaça, e se nega a informar, sendo esse seu dever.
O Judiciário é notícia - "O poder Judiciário precisa urgentemente aprender a se comunicar melhor com a sociedade", defendeu o publicitário Duda Mendonça, no 18º Congresso de Magistrados na Bahia, realizado no fim de 2003. Após admitir seu desconhecimento das leis e do mundo jurídico, Duda Mendonça disse que a sua própria visão do Judiciário mudou para melhor com o Congresso, onde teve oportunidade de conversar com juizes participantes. A percepção do Judiciário quanto aos meios de comunicação também está mudando, a palestra com o publicitário atesta - ainda que a escolha por Duda possa sugerir um interesse maior pelo "marketing jurídico" em detrimento de uma comunicação democrática.
O mundo do Judiciário, tido como hermético, começa a ser traduzido pelos meios de comunicação. A Radiobrás, em um convênio com o Supremo Tribunal Federal e a Secretaria de Comunicação do Governo Federal, transmite desde o dia 29 de agosto de 2003 o programa "Rádio Justiça - Revista", que pode alcançar 680 emissoras, mas no momento está sendo transmitido por cerca de 10 emissoras, de norte a sul do país. Com linguagem acessível à população, o projeto visa informar as decisões do Judiciário de maior impacto social. O ouvinte também pode requisitar informações.
Os avanços não param por aí. Em maio de 2002 foi criada a TV Justiça, para dar publicidade a toda atividade do poder em território nacional. Em 2004, a Rede Globo deve veicular vinhetas explicando ao público o funcionamento do Judiciário, Ministério Público, Polícia e dos poderes Legislativo e Executivo. Resultado de uma parceria com a Associação dos Magistrados Brasileiros (ABM), o projeto é baseado na "Cartilha da Justiça". A cartilha também é usada em outro projeto da AMB, que leva juízes às escolas do Rio de Janeiro, para dar aos estudantes noções de cidadania e Justiça. Os estudantes são convidados a visitar o fórum e expressam seu aprendizado em textos e desenhos. No Paraná, por exemplo, projeto similar, de iniciativa da Associação dos Magistrados, já alcançou mais de 70 mil crianças, em 10 anos de funcionamento.
No mundo virtual, destaca-se o site "Consultor Jurídico", do jornalista Márcio Chaer, que disponibiliza informações diárias sobre o Judiciário em todo Brasil e, principalmente, atua como um fórum de discussões. Sites oficiais foram criados recentemente, tais como "Canal Justiça", que enfatiza a relação entre mídia e Justiça, disponibilizando notícias, artigos, trabalhos acadêmicos e projetos de comunicação. Embora não registre muito sobre sua própria história, revela a "memória" desse movimento que liga a Justiça à comunicação. Debates públicos - Embora os poderes Executivo e Legislativo tenham investido na comunicação bem antes do poder Judiciário, este parece estar avançado mais nas discussões sobre a importância de se fazer uma Comunicação Pública, a serviço da democracia. A conclusão fica por conta da realização de encontros nacionais promovidos pelos assessores de comunicação do Judiciário e do Ministério Público, a partir de 2000.
O primeiro encontro foi em São Luiz, MA. Um dos objetivos estabelecidos no evento foi a criação de assessorias de comunicação em todos os órgãos dessas instituições, em âmbito nacional. Firmar parcerias com a academia e organizações não-governamentais e incluir no currículo dos cursos para magistrados a disciplina de comunicação foram outras propostas levantadas no documento final, conhecido como "Carta de São Luiz".
Nos anos posteriores foram definidas metas diferentes, com a participação de palestrantes ilustres do Judiciário e do Jornalismo. No terceiro encontro, em Maceió, foi criado o Fórum Nacional de Debates sobre Comunicação e Justiça, que reúne profissionais de comunicação do âmbito federal e estadual dos órgãos do Judiciário e do Ministério Público. No ano seguinte, mais avanços: apoio à radiodifusão e ênfase na transparência da informação. Foi nesse evento que aconteceu o I Prêmio Nacional de Comunicação e Justiça, com a premiação de projetos que divulgam, de maneira eficiente, o Judiciário, no país.
Melhorar a imagem do Judiciário diante da sociedade é só uma das motivações desses encontros. Comunicação pública, e não meramente institucional, parece ser a meta dos profissionais da área, na medida em que não debatem apenas sobre a instrumentalização da assessores de comunicação. Na "Carta de Belo Horizonte", em 2001, os comunicadores manifestaram seu repúdio ao arquivamento da "CPI da corrupção", defendida pelo Governo Federal, e desaprovaram a posição do Congresso Nacional, favorável à Lei da Mordaça. O direito dos juizes e procuradores dar informações em off e prestar satisfações à sociedade foi defendido nas Cartas-justiça elaboradas no final de cada um desses eventos. A organização de seminários para explicar a Justiça para os jornalistas foi mais um dos objetivos firmados.
Em 2004, o encontro será em Recife e contará com a participação de profissionais de diversas áreas: a lingüista da Universidade Paulista, Hélide Campos; jornalistas, como Paulo Henrique Amorim e Márcio Chaer, diretor do site Consultor Jurídico; o procurador-geral da república, Cláudio Fontelles e o presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, além da participação dos assessores de comunicação do Judiciário e do Ministério Público de várias partes do país. Tal diversidade de vozes e de interesses só pode enriquecer o debate, acentuar seu compromisso público.
Para o professor e jornalista, José de Sá, autor da tese Direito e informação: as políticas de comunicação no mundo da justiça, em especial do Ministério Público paulista, a comunicação do Judiciário está em fase "embrionária". Embora muitas iniciativas para democratizar as informações do Judiciário tenham surgido após a conclusão do seu estudo e Sá não tenha analisado a importância dos encontros nacionais dos assessores nas suas duas primeiras edições, suas conclusões permanecem válidas.
Judiciário e mídia estão se comunicando, contudo não o fazem de maneira eficiente, a pesquisa encomendada pela OAB comprova. "A perspectiva é de que haja integração entre o Ministério Público e a imprensa, bem como em outros órgãos do Estado, visando justamente o interesse da sociedade. Isto depende da mudança de cultura jurídica, institucional e jornalística. Além de investimento e muita vontade política", afirma Sá.
A mudança, tão necessária, está dando passos mais firmes, e rápidos. Na medida em que assessores, jornalistas e juristas unem-se para discutir as políticas de comunicação do Judiciário e do Ministério Público. A "Carta de Recife" terá a marca da diversidade de vozes. Espera-se, portanto, que seja uma carta pela democracia, à semelhança da carta de Roberto Romano, que nas primeiras linhas fala de José, homem do povo, preso e inocente. Vítima da negação da Justiça. Romano aproxima-se da angústia que vive a sociedade, identifica a realidade, pede por Justiça, coloca-a diante dos dilemas do povo. Aponta um caminho: diálogo cidadão. Cartas são fáceis de entender, e também devem ser firmes no propósito democrático.
Notas
1) ROMANO, Roberto. Ao presidente da República, sobre o STF. Folha de S. Paulo, Tendências e Debates, 7 de fev. 2003.
2) Neste caso, o termo público refere-se às instituições estatais.
3) Senado Federal. Ata da 3ª Reunião Extraordinária da Comissão de Cosntituição, Justiça e Cidadania, da 3ª Sessão Legislativa extraordinária, da 52ª Legislatura, realizada em 28 de janeiro de 2004.
4)SADEK, Maria Tereza. Sinal de alarme. Disponível em: Acesso em: 11 de abril de 2004.
5) BLAT, José. IN: SÁ, José de. Direito e informação: as políticas de comunicação no mundo da justiça, em especial do Ministério Público paulista. São Bernardo do Campo, 2002. Tese (Doutorado em Comunicação Social) - Universidade Metodista de São Paulo. |