ARTIGOS
Canto de sereias, Nylza Jorgens Bertoldi *
“Erra todo aquele que desconhece limites para o exercício de qualquer poder.”
Roberto Romano – Filósofo, escritor e professor titular da Universidade de Campinas, São Paulo
Épreciso, pois, refletir antes de esbarrar nos limites que nos são dados. Estamos diante de um novo impasse, em que a garantia da verdade é sempre uma interrogação que leva à desesperança as nossas expectativas. De um lado, o poder constituído do governo do Estado com o seu jeito novo de governar. Do outro, o Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul. À distância, ouve-se o canto das sereias como outrora ouvira Ulisses no percurso a Ítaca, a seduzir os incautos para sucumbir à melodia de suas canções. Fácil entender os mitos e as verdades. Elas cantam a proposta do governo do Estado aos professores: um complemento de R$ 1,5 mil aos que em início de carreira são infelicitados por salários miseráveis, mesmo qualificados em suas competências. É válida e justa a intenção de melhorar os ganhos desses e de outros profissionais que se aposentaram marginalizados financeiramente. Até mesmo para atrair novos profissionais com curso superior preenchendo as vagas dos cursos de licenciatura esvaziados pelos baixos salários.
Mas esses mesmos professores logo farão jus ao tempo de serviço, avançando nos níveis e classes do Plano de Carreira. Os R$ 1,5 mil deixarão de existir, porque são apenas um complemento imediato e o piso salarial sobre o qual incidirão todas as vantagens voltará a ser de R$ 640. As greves, os impasses, as reivindicações continuarão a bater nos lares das famílias e a emperrar a continuidade dos estudos de milhares de jovens e crianças. Espera-se que o novo jeito de governar zere também os problemas que os velhos jeitos foram incapazes de fazer. Acena o governo com reajustes “quando houver” superávit em suas finanças. Discurso demagógico. Canto de sereias. Conto de Papai Noel. Falta de respeito com a educação, com os seus profissionais, com o futuro da nação.
Acenar com meritocracia é uma falácia. Sistema similar implantou-se na década de 70, frustrado pelos resultados negativos em relação aos objetivos propostos.
Avaliar desempenho profissional sem estabelecer critérios é um cheque em branco. Howard Gardner – psicanalista, neurologista e professor de Educação da Universidade de Harvard –, ferrenho defensor da “Teoria das inteligências múltiplas”, critica de forma avassaladora testes e avaliações que medem o desempenho do ser humano, dada a diversidade das competências de cada um. Modelo ideal para a propagação do favoritismo, dos apadrinhamentos políticos, das bajulações, do desgaste nas relações humanas na escola, do acirramento à competição, da injustiça e das discriminações. Afinal, está em jogo um 14º salário. Mas, por certo, os índices (forjados) de aprovação de alunos elevarão as estatísticas da qualidade de ensino no Rio Grande do Sul. As famílias que hoje lamentam a deflagração de uma inoportuna greve, diga-se de passagem, lamentarão muito mais no início do ano letivo com professores desestimulados, descrentes e emocionalmente desencantados.
É chegada a hora de resgatar com dignidade o respeito aos professores, bravos lutadores pelos méritos de suas conquistas, sob pena de danificar ainda mais as bases justificadoras da Educação.