sexta-feira, 15 de abril de 2011

Eis o artigo. E foi publicado em 1995, quando ainda os petistas não podiam subir tanto na vida, não mostravam a mesma arrogância dos primos tucanos...


São Paulo, segunda-feira, 27 de março de 1995

O PT e a dignidade da oposição

ROBERTO ROMANO

O signo de um país livre é a presença reconhecida de oposição. Quando as minorias desaparecem, a tirania instala seu cortejo de lisonja, gerando erros grosseiros nos planos governamentais.

Jornalistas que abusam da credibilidade por eles conseguida em antigas lutas pelos direitos cívicos, e hoje servem enquanto propagandistas deste ou daquele governo, traem sua classe. Não cabe à imprensa o papel da oposição. Restringir o mister jornalístico à sofística, para bajular os poderosos momentâneos, enfraquece todos os que têm como alvo a busca e a comunicação das notícias, agradáveis ou não aos ouvidos dominantes.

Salvo em casos de veto à liberdade de imprensa —regra no Brasil durante o regime castrense— ou quando um governante legítimo torna-se tirano pelo exercício imoral do poder, ameaçando jornais e jornalistas —o reinado de Collor—, não cabe aos periódicos a tarefa de substituir os políticos. Nem ventriloquismo oficial, pois, nem caixa de ressonância dos alijados do mando.

A imprensa deve buscar, contra todas as mentiras políticas e ideológicas, a verdade em sua forma mais correta possível. Os profissionais da imprensa não são anjos, mas a carantonha dos áulicos não lhes convém.

Qualquer governo, sobretudo após uma campanha vitoriosa ou golpe de Estado bem-sucedido, possui cortesãos. Muitos deles serviram a outros mestres, agora em desgraça. Os aduladores sabem dobrar a espinha para os dominantes e cuspir nas mãos que os alimentaram. É normal encontrar esses répteis nos palácios. Achá-los nas redações causa espanto e náusea. O sicofanta jornalístico termina isolado, sem o respeito dos seus pares que possuem maior amor por sua profissão.

Na imprensa, os turiferários são repelidos por seus pares honestos. O mesmo não ocorre nas outras camadas intelectuais. Desde a colônia, chegando aos nossos dias, um número diminuto de acadêmicos guarda o espírito crítico e alerta, enfrentando a opinião pública e os dominantes. Intelectuais favorecem o governo que lhes entrega assessorias, antes denominadas sinecuras.
Jacques le Goff, historiador rigoroso, mostra a universidade inteira, durante a Renascença e a Idade Moderna, domesticada pelos governantes, servindo enquanto polícia intelectual. Os grandes nomes da ciência e da filosofia, no Ocidente, ou produziram seus trabalhos longe dos campi ou foram por eles perseguidos.

O que vale para a universidade também cabe aos famosos centros extra-universitários, todos unidos à grei dominante por laços de sectarismo e interesse. Comparar o número dos que resistem ao arbítrio com os índices dos adesistas pode conduzir à descrença no valor humano.

Mas os doutores não monopolizam a lisonja. Muitos intelectos fora dos campi cumprem este papel. O pior, para uma democracia, é a união dos cientistas com os ressentidos que não conseguiram um sonoro PhD. O quadro piora quando este grupo se espalha no interior dos partidos que deveriam zelar, como oposição, pelos interesses do país.

Tais reflexões surgiram após o último programa político do Partido dos Trabalhadores. Tornaram-se gravíssimas as atitudes que semelhante agremiação assume diante do atual governo federativo. Foram lamentáveis as demonstrações isoladas de "realismo", visando as ascensões de certos petistas na escala social. Até aí, tudo previsível. Mas que uma liderança, sufragada por milhões nas urnas, relute quando se trata de exercer a oposição, manipulando a máquina da propaganda para escapar deste mister, é algo assustador.

Dói lembrar que a "modernidade" petista, hoje, reduz-se a um cartão de crédito. Mas o PT, no programa em pauta, escondeu-se no pretérito com tamanho entusiasmo que não deixou dúvidas: no mínimo é solidário com o status quo presente. As "críticas" ao governo de hoje, rápidas, raivosas, ligeiras, foram declarações de apoio velado. Nada se disse sobre os projetos governamentais realmente polêmicos.

Com isto, o supostamente maior partido de oposição do Brasil cauciona medidas problemáticas —sobretudo no campo do ensino, da pesquisa, da tecnologia— sem receber nada em troca, salvo a desconfiança do eleitor que nele votou. A resposta, nos próximos escrutínios, será implacável. Morno e sem fala própria, o PT será tragado pelos setores —na direita ou no centro— que assumirem o ônus eminente da oposição ao governo.

A gestão tucana, em dois meses, comete erros gravíssimos, como a lamentável "anistia" ao senador Humberto Lucena. Enfraquecida mas prepotente, ela retoma o execrável "é dando que se recebe". Quando se trata de falar duro, um partido sem mando não pode ser "compreensivo" em demasia. A oposição do PT tem sido o fruto das suas bases. Seus parlamentares tratam o Executivo com luvas de pelica.

Durante a sabatina do sr. Persio Arida, na Câmara, os deputados petistas não demonstraram firmeza nem argumentos sólidos. Batendo numa só tecla, deixaram ao funcionário toda a latitude para tergiversar e fornecer lições impertinentes de patriotismo ao Congresso Nacional. Se no Planalto não estivessem os primos tucanos, a atitude do PT seria diversa.

No ângulo oposto, o apoio logístico do governo Cristovam Buarque aos manifestantes —contrários às reformas constitucionais— resulta em puro desastre. Nenhuma "causa nobre" pode desculpar esse desvio ético. Tais manipulações anulam a dignidade política e produzem desconfiança nas formas democráticas. Desta licença generalizada, brotam os golpes de Estado.
Que o governo seja governo e a oposição, oposição. Fora disto, temos apenas a truculência de ambos os lados, o que destrói qualquer República.