sábado, 30 de abril de 2011

Revista Época.





O bullying do Senado

Ruth de Aquino
Época
RUTH DE AQUINO
é colunista de ÉPOCA
raquino@edglobo.com.br

Somos vítimas de bullying político, moral e cívico. E nada fazemos. O país parece anestesiado pela overdose real de William e Kate naquela ilha ao norte do Equador. Ao sul, em nossa república tropicalista, assistimos passivamente a uma das cerimônias mais vergonhosas do Senado. Renan Calheiros acaba de entrar para a Comissão de Ética. Roberto Requião arranca gravador de repórter para apagar sua própria entrevista. Tudo com o beneplácito do padrinho-mor José Sarney.

Tapa na cara, bofetada na nação, cinismo institucional. Assim cientistas políticos e especialistas em ética classificaram as últimas ações do Senado. Roberto Romano, da Unicamp, declarou: “Se o Senado fechar amanhã, ninguém vai sentir falta, salvo os lobistas e os políticos que querem atingir o Tesouro Nacional por meio da troca de favores”. Claudio Abramo, diretor da ONG Transparência Brasil, foi além: “O Senado não precisa existir, não tem função. Não há nada que ele faça que a Câmara não possa fazer. Pode desaparecer sem prejuízo e seria até mais barato”.

Essas reações podem parecer destemperadas numa democracia que atribui seu equilíbrio à existência de duas Casas: a Câmara e o Senado. Mas respeito e credibilidade não são automáticos. Oito senadores indicados para a Comissão de Ética respondem a inquéritos ou processos no Supremo Tribunal Federal. A missão desse grupo “seleto” é vigiar e garantir o decoro dos 81 senadores. No novo conselho, muitos são amigos íntimos, alguns conterrâneos, do maranhense Sarney. O próprio Sarney esteve envolvido em 11 processos no ano passado – mas foi entronizado como “homem não comum” pelo ex-presidente Lula.

O presidente da Comissão de Ética, João Alberto, do PMDB, governou o Maranhão em 1990. Nesse ano, uma lei estadual doou um prédio histórico à família Sarney. Quem é João Alberto para ser o guardião do decoro do Senado? Quais são suas credenciais para o país acreditar em seu slogan “Vamos cortar na nossa própria carne”? Nas três vezes em que ocupou o mesmo cargo, João Alberto engavetou todos os processos abertos na Comissão de Ética. No Brasil de hoje, “formação de quadrilha” deixou de ser acusação.

Mais escandaloso é o resgate do líder do PMDB, o alagoano Renan Calheiros. O conselho aprovou em 2007 sua cassação, rejeitada pelo plenário. Calheiros enfrentou denúncias de quebra de decoro, corrupção, desvio de dinheiro público, sonegação de bens, uso de laranjas. Renunciou à presidência do Senado e foi absolvido pelos pares.

Oito senadores indicados para a Comissão de Ética estão enrolados na Justiça. É um tapa na cara da nação

A denúncia mais ruidosa contra Calheiros foi a de usar o lobista de uma construtora para pagar uma pensão mensal a Mônica Veloso, com quem teve uma filha fora do casamento. Ele alegou que alimentava a menina com a venda de bois nas suas fazendas. As notas fiscais estavam irregulares.

Mônica teve seus 15 minutos de fama, posou nua e hoje apresenta um programa de carros, Vrum, na televisão mineira.

Ela deixou imortalizada em seu livro uma descrição humana do amante. Segundo Mônica, Renan fingia que ia se separar. “No início do namoro, ele estava meio gordinho, mas fez dieta.” O casalzinho ia a festas, e Mônica era tratada “com deferência” no Senado. Para Renan, ela era “uma rosa única entre milhões de rosas”. O então presidente do Senado cantarolava “Eu sei que vou te amar” de noite ao telefone, e queria pular Carnaval de rua com ela na Bahia. Mônica chamava Renan de “docinho”, “de tão meigo que ele era”, mas ele entrou em pânico quando ela disse estar grávida.

Tudo o que Calheiros possa ter de “docinho”, seu colega de Senado Roberto Requião tem de truculento. Arrancou na segunda-feira um gravador das mãos de um repórter. Irritou-se com uma pergunta procedente: ele abriria mão da aposentadoria de R$ 24.117 que recebe como ex-governador do Paraná? Requião só devolveu o gravador após apagar a entrevista. Sarney o defendeu: “Requião é um cavalheiro”. Na tribuna, o senador disse ser vítima do “bullying de uma imprensa às vezes provocadora e muitas vezes irresponsável”.

Bullying é o que os senhores, senadores, resolveram praticar contra quem paga seus subsídios