Sábado, 16 de Abril de 2011
Da crítica da democracia à negação da democracia
Em certos momentos ouvem-se coisas estranhas, sendo que algumas delas podem afigurar-se muito estranhas.
Há uns tempos ouviu-se uma pessoa com grande responsabilidade política neste país afirmar que a democracia, ainda jovem e periclitante, deveria ser suspensa por um determinado período de tempo. Suspender a democracia!? Isso significava exactamente o quê!? E, durante a suspensão, implantava-se (provisoriamente) o quê!? Uma anarquia? Uma tirania? Não sei se alguém perguntou. Não sei se foram dadas respostas. Não segui o caso com a atenção que ele merecia.
Ontem ou anteontem, o bastonário de uma ordem profissional – que não é uma ordem qualquer: é, nada mais nada menos, a Ordem dos Advogados – apelou que se fala, por um dia, greve à própria democracia. O dia é o das eleições, 5 de Junho próximo. Um dia não seria demasiado, mas nesse dia estaria suspensa a democracia, justificando-se as perguntas que acima formulei.
Haverá, certamente, quem concorde, por pensar que o meio – a abstenção ao voto – justifica o fim – uma forte chamada de atenção, para “a mediocridade, o oportunismo e a incompetência dos políticos portugueses” –, mas será o meio certo?
A democracia, tal como a ciência, é uma invenção da Humanidade, uma invenção que nos tem permitido evoluir e, nessa evolução, temos conseguido aperfeiçoá-la.
É certo que ela não é perfeita, tal como a ciência não é perfeita (nem saberemos se alguma vez será, o mais certo é que nunca o seja), mas é na Contemporaneidade melhor do que era na Antiguidade e, se nos esforçarmos, será melhor no Futuro.
O nosso dever é empreender esse esforço, da mesma maneira que procedemos no campo da ciência. Tanto mais se pensarmos que democracia e ciência (ainda que sejam dois domínios de pensamento que não se guiando exactamente pela mesma lógica têm pontos de contacto) prosperam ou definham, em geral, a par.
Se há, como o Professor Jorge Dias de Deus, uma diferença substancial entre a crítica à ciência e a negação da ciência, também há uma diferença substancial entre a crítica à democracia e a negação da democracia.
É pela crítica, e não pela suspensão, que conseguimos que “o pior sistema político, com excepção de todos os outros”, no dizer de Winston Churchill, se distancie cada vez mais... de todos os outros.