domingo, 17 de abril de 2011
Onde está Ai WeiWei?
Em Londres
Ajudou o escritório de arquitetura a pensar o estádio Copa na China
Zigor Aldama
Em Xangai (China) LE MONDE via UOL
O artista Ai Weiwei em foto de 2010 "Fuck off!"
Talvez só Ai Weiwei se atreva a fotografar seu punho com o dedo médio bem erguido diante da Cidade Proibida no centro da Praça Tiananmen, e a intitular assim a obra. Mas Weiwei não está só em seu empenho de "buscar justiça para a China". Muitos outros criadores enfrentam o sistema e põem em risco sua vida profissional, inclusive sua integridade física, com críticas ao autoritarismo do poder político e à sociedade neocapitalista que se impôs na China nas três décadas posteriores à abertura econômica iniciada por Deng Xiaoping. ***************************
Formigas humanas contra o Grande Dragão. Lutam contra a censura e para que a população se conscientize dos diferentes problemas que a asfixiam. A detenção e o posterior desaparecimento de Ai Weiwei no último domingo, acusado de supostos "crimes econômicos", representa só o último capítulo de uma dura mensagem que chega agora ao mundo da cultura, resumida de forma contundente no título de um editorial publicado ontem pelo jornal "China Daily": "O ativismo político não pode ser um escudo legal". Afinal, Pequim considera que Ai Weiwei é só um criminoso comum. ***********************************************
O artista estava perfeitamente consciente de que suas mensagens incendiárias poderiam lhe acarretar graves problemas. "Estou preparado para enfrentar as consequências", afirmou há um ano. "Estou consciente de que minha faceta como criador me dá uma voz mais forte no mundo, por isso considero que é minha obrigação fazê-la valer. Não o fazer seria um crime." ***************************************
Por isso, o criador que expõe atualmente na Tate Modern em Londres não desperdiça ocasião para disparar contra o Partido Comunista: "Funciona como um exército. Não importa quantas pessoas morram para conquistar a colina. Este governo não se importa com a vida humana". Weiwei não diz isso só por causa do edema cerebral que vários policiais lhe causaram quando investigava as consequências do terremoto que sacudiu Sichuan há três anos. Weiwei encontra muitas razões para ser beligerante em seus frequentes posts em blogs, porque considera que "a Internet é a única esperança da China". ***************
Outros criadores não têm qualquer proteção e se mostram mais comedidos. Suas mensagens explodem na literatura ou na moda, e muitas vezes deixam o governo encostado às cordas. Foi o que fez Zhao Bandi durante os Jogos Olímpicos de Pequim, que considerou "totalmente desligados da população". ***************************
Nem curto nem preguiçoso, esse estilista criou mascotes alternativos, ursos pandas de diferentes cores semelhantes aos bonecos originais, e se atreveu a organizar um percurso de relevos para uma tocha alternativa que culminou em uma cerimônia de inauguração paralela, da qual participou até o prefeito de Genebra. "Pretendia demonstrar que os indivíduos podem fazer a diferença. Foi uma iniciativa irônica, mas teve muito mais sucesso que o esperado", orgulha-se ao lembrar do feito em seu ateliê em Pequim. ******************
É claro que as autoridades não acharam a menor graça. O mesmo aconteceu com o desfile que Zhao organizou utilizando a figura do urso panda em modelos de lingerie excessivamente provocantes para o gosto das autoridades. Foi a desculpa perfeita que o governo de Sichuan utilizou para aprovar uma lei que proíbe o uso comercial desse animal, considerado uma "figura nacional", e assim evitar novas saídas de tom de Zhao. Não o conseguiu. ****************************
A proibição de três de seus romances em território chinês também não calou Yan Lianke, um famoso escritor que utiliza o sarcasmo em suas sátiras políticas da Revolução Cultural para revelar os limites do politicamente correto na China. "Vivemos uma situação absurda", critica, em uma livraria nos arredores de Pequim. "Há muitas coisas que se podem fazer na China, mas das quais é proibido falar. Quero mostrar a falsidade desta sociedade e da política que a rege." Entretanto, não crê que o cenário vá mudar. "Os ocidentais fazem questão de afirmar que haverá problemas políticos na China e que o desenvolvimento levará irremediavelmente a reformas democráticas, mas eu creio que o Partido Comunista governará a China durante muito tempo." *********************************************
Yan não está só nessa observação. Por isso, muitos criadores preferem ceder diante da censura. É o caso de Li Yu, uma diretora que já sofreu na própria carne a retirada em 2007 de seu filme "Lost in Beijing" pouco depois da estreia na China. "Tudo porque a mulher de um importante político achou excessivas as cenas de sexo", esclarece. "Pensamos que a censura é um sofisticado sistema de controle político no qual milhares de pessoas trabalham como formigas para detectar qualquer mensagem contrária à doutrina do governo. Não é assim. Todo o sistema está nas mãos de poucos indivíduos, que concentram uma grande parcela de poder. É preciso negociar tudo com eles, porque se não gostam do que veem não se mostra." ************************************
Marcar um gol contra eles não é fácil. Para poder estrear sua última produção, "Buddha Mountain", Li teve de trabalhar lado a lado com os censores chineses, que a enlouqueceram em várias ocasiões. Sobretudo quando lhe disseram que não poderia mostrar jovens fazendo descarrilar um trem, apesar de a ação não ter motivação política. "Se o roteiro não está aprovado previamente, não se pode começar a rodar, por isso fiz mudanças mínimas para que a mensagem - uma ácida crítica social - ficasse intacta." *************************
O mesmo viveu Wang Xiaoshuai, diretor de "A Bicicleta de Pequim" e, recentemente, de "Chongqing Blues". Seu cinema explora as complexidades de "uma sociedade que está perdida". Para finalizar "So Close to Paradise", o primeiro projeto que contou com financiamento oficial, precisou de quatro anos de guerra com a censura. Sua batalha continua. A mensagem de seus filmes é demolidora: "Tudo é capitalismo, tudo é dinheiro na China. Não há filosofia nem religião. O passado se perdeu. Diria mais: perdemos a dignidade, a amizade, o amor. No entanto, parece que tudo vai bem na China".
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Continua o assédio a Ai Weiwei
A polícia chinesa diz ter "provas firmes" de que o artista e dissidente Ai Weiwei sonegou impostos e já começou a "confessá-lo", segundo o jornal "Wen Wei Po", de Hong Kong, que o governo chinês às vezes utiliza para vazar o que lhe interessa. Segundo o jornal, que não cita as fontes, os investigadores do caso recolheram "uma grande quantidade de provas que revelam que Weiwei é suspeito de sonegar impostos e que o valor é bastante grande". O jornal acrescenta que conforme a investigação avançou e as autoridades de segurança pública "acumularam provas sólidas" contra o dissidente, "Weiwei manteve uma boa atitude de cooperação com a investigação e começou a confessar as diversas questões". O jornal também informa que Ai Weiwei, 57 anos, é "suspeito de bigamia e de distribuir pornografia através da internet". A irmã mais velha do artista, Gao Ge, considerou "absurdas" as acusações e, em declarações à agência Reuters, salientou que o que o governo chinês deveria fazer é informar à família sobre a situação de Weiwei.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves