Estudo liga resistência à insulina no
fígado à inflamação do hipotálamo
Publicada na Diabetes, descoberta abre frentede estudo para o tratamento do diabetes
Diabéticos
que monitoram rotineiramente a glicemia têm, às vezes, ao acordar, uma
surpresa: o elevado nível de açúcar no sangue. Este é um dos principais
problemas enfrentados por endocrinologistas para controlar a glicemia de
jejum em pacientes com diabetes. Um dos órgãos que fazem este controle é
o fígado.
Pesquisa realizada no
Laboratório de Sinalização Celular (Labsincel) da Faculdade de Ciências
Médicas (FCM) da Unicamp pela nutricionista Marciane Milanski
demonstrou, pela primeira vez na literatura médica, a ligação entre a
inflamação do hipotálamo e a resistência à insulina no fígado.
O
estudo foi realizado durante dois anos em ratos obesos. Além desta
descoberta, Marciane também identificou a via neural por onde ocorre a
ligação entre o sistema nervoso central e o fígado.
Os
resultados do trabalho ganharam matéria especial e editorial da revista
norte-americana Diabetes, uma das mais respeitadas publicações na área
de endocrinologia do mundo. Segundo o professor Licio Velloso,
orientador da pesquisa, a descoberta abre uma nova frente de estudo
visando o tratamento do diabetes.
“O
diabético passa um período de jejum dormindo e, ainda assim, ele acorda
com a glicose alta. Décadas atrás, descobriram que o fígado produz
glicose e o paciente com diabetes tem defeito nessa produção. Porém,
detalhes a respeito deste processo ainda não são completamente
esclarecidos”, disse Velloso.
A
pesquisa “A inibição da inflamação hipotalâmica reverte a resistência à
insulina no fígado induzida por dieta” publicada na revista Diabetes é a
continuação da tese de doutorado de Marciane.
A
nutricionista e professora da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da
Unicamp do campus de Limeira mostrou que uma dieta rica em gordura
saturada – presente na manteiga e nas carnes bovina e suína, por exemplo
– leva a uma inflamação do hipotálamo.
O
hipotálamo é um órgão localizado na base do cérebro. Ele controla a
homeostase corporal, isto é, o ajuste do organismo às variações
externas. O hipotálamo controla a temperatura, o balanço de água no
corpo, a fome e o gasto energético corporal, entre outras funções. Ele
também faz a integração entre os sistemas nervoso e endócrino, atuando
na ativação de diversas glândulas produtoras de hormônios.
“Fomos
identificar quais eram os mecanismos por meio dos quais as gorduras
saturadas levavam à inflamação hipotalâmica. Existe uma relação muito
íntima entre via inflamatória e vias metabólicas, que controlam a
ingestão alimentar e gasto de energia. Distúrbios nessas vias
metabólicas levam ao aumento ou diminuição de peso”, explica Marciane.
A
pesquisadora focou seu estudo no Toll Like Receptor 4 (TLR4) e no Fator
de Necrose Tumoral Alfa (TNFα). O TLR4 é um receptor do sistema imune
inato que protege o corpo de infecções ao provocar uma inflamação que
sinaliza à célula sobre uma bactéria invasora a ser combatida. O TNFα é
uma citocina (proteína) presente em inflamações sistêmicas. Ele pode ser
produzido, por exemplo, após a ativação do TLR4.
Entretanto,
a gordura saturada também ativa o TLR4. A ativação do TLR4 induz ao
estresse retículo endoplasmático, uma organela importante na célula que
participa da síntese de proteínas e gorduras. O estresse do retículo
endoplasmático leva ao aumento de citocinas e inflamação no hipotálamo.
“A
inflamação hipotalâmica prejudica a sinalização da leptina e da
insulina – hormônios que participam do controle da ingestão alimentar e
do gasto energético – no hipotálamo. Isto leva a um desequilíbrio dos
mecanismos que regulam o bom funcionamento do organismo”, diz Marciane.
Fígado e nervo vago
A
leptina é um hormônio produzido, principalmente, pelo tecido adiposo.
Na obesidade, os níveis de leptina estão aumentados. A insulina é o
hormônio responsável pela redução da taxa de glicose no sangue ou
glicemia.
O fígado é o que regula a
quantidade de glicose produzida no jejum. Pacientes com esteatose
hepática, popularmente conhecida como gordura no fígado, possuem
resistência à insulina. O mesmo defeito é encontrado no fígado do
diabético: o órgão faz um controle inadequado da produção de glicose e
acumula gordura.
A gordura presente
no alimento “engana” o organismo e ativa o receptor TLR4. Ao ser
ativado, ele produz a citocina pró-inflamatória TNFα, um sensor celular
que leva à inflamação do hipotálamo. Por causa da inflamação, há uma
interrupção na sinalização de leptina e insulina no sistema nervoso
central.
A inflamação hipotalâmica,
que leva à obesidade, conforme descrito anteriormente por Marciane,
também vai fazer com que a função da insulina seja prejudicada no
fígado. Consequentemente, há um prejuízo no controle da produção
hepática de glicose.
Inicialmente,
para testar a hipótese de que a inibição da inflamação hipotalâmica
melhoraria o controle glicêmico corporal, animais experimentais foram
submetidos a uma cirurgia para implantação de um catéter no hipotálamo.
Por meio deste cateter, os animais receberam inibidores de vias
inflamatórias, antiTLR4 e antiTNFα.
Os resultados mostraram que a inibição hipotalâmica dessas vias foi capaz de melhorar o controle glicêmico dos animais, o que foi demonstrado no trabalho por várias metodologias, entre elas o teste de tolerância à glicose.
Os resultados mostraram que a inibição hipotalâmica dessas vias foi capaz de melhorar o controle glicêmico dos animais, o que foi demonstrado no trabalho por várias metodologias, entre elas o teste de tolerância à glicose.
“A
melhora do controle glicêmico foi resultante da maior capacidade da
insulina em inibir a produção hepática de glicose, como demonstrado em
experimentos de sinalização hepática de insulina e quantificação de
enzimas que aumentam a produção de glicose no fígado”, explica Marciane.
Para
provar efeito do hipotálamo na melhora da sinalização hepática à
insulina e, consequentemente, do controle glicêmico, os animais foram
submetidos à vagotomia, denervação hepática do nervo vago que faz a
comunicação entre o cérebro e outros órgãos.
O
sistema nervoso central manda informações para diversos órgãos do
corpo, inclusive ao fígado, por meio do nervo vago. Este nervo é
regulado por canais de potássio dependente de adenosina trifosfato
(ATP), que é a moeda de troca de energia da célula. Com a vagotomia, a
pesquisadora comprovou que houve a perda de todos os efeitos metabólicos
benéficos da inibição da inflamação hipotalâmica.
“Com
isso, concluímos que a inflamação hipotalâmica em roedores obesos leva à
ruptura do eixo cérebro-fígado responsável por controlar o equilíbrio
da glicose corporal. Inibindo a passagem de sinalização de inflamação no
hipotálamo pelo nervo vago, o fígado volta a controlar adequadamente a
produção de glicose e a insulina passa a agir com mais facilidade no
órgão. Portanto, o eixo neural cérebro-fígado é importante para
restaurar a sensibilidade hepática à insulina” disse a pesquisadora do
Labsincel.
A descoberta coloca o eixo
cérebro-fígado no controle do equilíbrio glicêmico. O hipotálamo passa a
ser o ator principal desse mecanismo. O professor e também pesquisador
Lício Velloso é otimista quanto à descoberta.
“O
mecanismo descrito por essa pesquisa mostra que o controle da glicose
alta no jejum é feito, pelo menos em parte, pelo hipotálamo. Isto
reforça nossa suspeita de que o desenvolvimento de drogas com ação no
sistema nervoso central deve ser interessante para o tratamento do
diabetes”, comentou Velloso.
A
pesquisa teve o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (Fapesp). O Laboratório de Sinalização Celular (Labsincel)
pertence ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de
Obesidade e Diabetes. Desde 2003, investiga mecanismos moleculares de
ação e interação entre hormônios e citocinas. É composto por estudantes e
pesquisadores de diversos níveis – iniciação científica, mestrado,
doutorado, e pós-doutorado. Suas pesquisas se inserem nas linhas de
estudos de obesidade e diabetes, com destaque nos mecanismos de
sinalização celular da insulina, citocinas, nutrientes e ação no
hipotálamo.
■ Publicação
Artigo: A inibição da inflamação hipotalâmica reverte a resistência à insulina no fígado induzida por dieta
Revista: Diabetes, edição n° 61 de junho de 2012
Acesso ao artigo: http://diabetes.diabetesjournals.org/content/61/6/1455.abstract
Autora: Marciane Milanski
Orientador: Licio Augusto Velloso
Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
Revista: Diabetes, edição n° 61 de junho de 2012
Acesso ao artigo: http://diabetes.diabetesjournals.org/content/61/6/1455.abstract
Autora: Marciane Milanski
Orientador: Licio Augusto Velloso
Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)