Fazendeiros brasiguaios saúdam fim da era Lugo
Brasileiros assentados há décadas no Paraguai tratam novo presidente como 'nosso Franco'
01 de julho de 2012 | 9h 25
Roberto Simon, enviado especial a Santa Rita
SANTA RITA - Federico Franco é o nosso homem em
Assunção. Pelo menos é assim que pensam os grandes fazendeiros
brasileiros assentados há décadas no Paraguai, que chegam a tratar o
médico cirurgião de 49 anos que sucedeu a Fernando Lugo na presidência
de "o nosso Franco".
Efe
Federico Franco, novo presidente do Paraguai
Veja também: Unasul decide suspender Paraguai do bloco
Para líderes dos "brasiguaios", a comunidade de brasileiros que há
quatro décadas expande a fronteira agrícola do Paraguai, Lugo era uma
ameaça ao agronegócio e à propriedade no campo. Franco, do outro lado, é
um velho amigo. O ocaso do ex-bispo que rompeu a hegemonia do Partido
Colorado, afirmam os produtores brasileiros, dará início a uma nova era
de "segurança jurídica" para os investimentos, cada vez mais lucrativos,
no país vizinho. Mas, para isso, é preciso que o governo Dilma Rousseff
aceite a legitimidade do impeachment de Lugo e mantenha a fraterna
relação das últimas décadas com o Paraguai.
Juacir José Rebossi, mineiro ex-boia fria que se tornou um dos
maiores fazendeiros brasileiros em solo paraguaio, onde está desde 1969,
lamenta que tenha levado "tanto tempo" para Lugo cair. Em sua
caminhonete, ele passeia pela região de Santa Rita - vila onde 80% da
população é brasiguaia, a 70 km de Ciudad del Este - mostrando os sinais
do boom agrícola que mudou a paisagem da região do Alto Paraná. O mato
da época em que chegou deu lugar a infindáveis campos de milho, trigo e
sobretudo soja, pontilhados por enormes moinhos e estruturas
ultramodernas de processamento da colheita. Lojas de maquinário
agrícola, carros, agências bancárias e restaurantes se enfileiram na rua
principal, que ganhará asfalto em breve - pago não pelo Estado
paraguaio, mas pelos proprietários locais.
O maior orgulho de Rebossi, porém, é a Expo Santa Rita, que ele
ajudou a criar. Hoje, a feira agrícola que marca o fim da época de
colheita, em maio, é o segundo maior evento do agronegócio no Paraguai e
um símbolo do poder e prestígio da comunidade brasiguaia. Na edição de
2012, vieram as duplas sertanejas Fernando e Sorocaba e Chitãozinho e
Xororó. Franco estava lá, como em todos os anos. Lugo, também como em
todos os anos, não.
"Em todo seu governo, ele nos recebeu apenas duas vezes, logo depois
que foi eleito, e nas reuniões ficou calado o tempo todo, enquanto nós
explicávamos nosso temor das invasões de terra", explica Rebossi.
Mas, com Franco, "a porteira estará sempre aberta" para a comunidade
brasileira. "Conhecemos ele há décadas, desde que ele foi deputado e
governador, falamos diretamente, com a maior abertura. Ele é alguém
realmente aberto aos brasileiros e, por isso, estamos mais otimistas
agora."
''Muito obrigado''
A primeira reunião do primeiro dia de trabalho do presidente Franco, às 8h30 de segunda-feira, foi com líderes brasiguaios. No domingo, pouco mais de 24 horas após a queda de Lugo, eles haviam realizado um encontro com o cônsul do Brasil em Ciudad del Este, Flávio Roberto Bonzanini, a quem entregaram uma carta pedindo o "imediato" reconhecimento brasileiro do novo governo paraguaio.
Os fazendeiros foram especialmente trazidos à capital e recebidos em
uma das salas do Palácio los López. Com Franco sentado à cabeceira,
discutiram formas para desobstruir os canais com Dilma e convencer o
governo brasileiro de que a destituição em 36 horas de Lugo foi
legítima. Após alguns minutos de reunião, Franco interrompeu subitamente
a conversa e, segurando firme um dos interlocutores brasiguaios,
soltou: "Muito obrigado pelo que vocês estão fazendo por mim."
"O Paraguai fez a coisa mais certa que poderia fazer: tirar Lugo do
poder e evitar o caos, a revolução", explica Francisco Mesomo, gaúcho de
64 anos que, no fim dos anos 70, comprou uma pequena propriedade no
Paraguai para cultivar hortelã e, hoje, é um dos grandes produtores de
soja, milho e trigo do país. Mesomo e Rebossi fizeram parte da comitiva
recebida por Franco na segunda-feira.
O segundo foi ainda a Brasília, na quarta-feira, falar com um grupo
de senadores - entre eles Álvaro Dias (PSDB-PR) e Ana Amélia (PP-RS) -,
que manifestaram apoio firme à causa dos brasiguaios e ao reconhecimento
do novo governo de Assunção.
Invasões
Rebossi e Mesomo culpam Lugo pelo movimento dos carperos, o grupo de sem-terra do Paraguai cujo nome vem dos barracos de lona onde se abrigam, as carpas. Para os dois brasiguaios, a transformação dos camponeses - que, nos anos 90, dispersos, reivindicavam a reforma agrária - em um movimento político nacionalmente organizado, os carperos dos anos 2000, foi "obra de Lugo".
Rebossi e Mesomo culpam Lugo pelo movimento dos carperos, o grupo de sem-terra do Paraguai cujo nome vem dos barracos de lona onde se abrigam, as carpas. Para os dois brasiguaios, a transformação dos camponeses - que, nos anos 90, dispersos, reivindicavam a reforma agrária - em um movimento político nacionalmente organizado, os carperos dos anos 2000, foi "obra de Lugo".
Durante o governo do ex-bispo, afirmam, o Exército dava cobertura às
invasões de terra e o Ministério do Interior evitava ao máximo cumprir
as determinações judiciais de desapropriação. Eles alegam ainda que os
camponeses eram transportados em veículos do Estado, algo que alguns
sem-terra ouvidos pela reportagem negaram.
Um dos momentos mais tensos no conflito entre brasiguaios e carperos
ocorreu em fevereiro na região de Ñacunday, perto da fronteira, quando
cerca de 10 mil sem-terra ocuparam uma propriedade de plantação de soja.
A polícia chegou a prender um dos líderes dos camponeses acusado de
incitar a violência contra os brasiguaios, mas a questão segue sem
desfecho. Parte das famílias continua na propriedade do brasileiro.
"Os carperos queriam que ocorresse em Ñacunday o massacre que ocorreu
no dia 15 em Curuguaty", diz Fernando Schuster, referindo-se à tragédia
que deixou 17 mortos - 11 sem-terra e 6 carperos - e deu início ao
movimento que culminou na deposição de Lugo. "Conversei cara a cara com
os carperos quando os policiais entraram na propriedade. Eles (os
sem-terra) ficavam nos provocando, querendo que houvesse violência para
eles usarem como arma política", diz Schuster, nascido no Paraguai, em
límpido português.
Filho de pai brasileiro e candidato a vereador em Santa Rosa del
Monday (cada vez mais, "do Mondaí"), outra pequena cidade do Alto
Paraná, Schuster afirma que Lugo pôs os carperos "dentro do governo" e,
em Ñacunday, "fez de tudo" para mantê-los nas propriedades.
"É preciso entender que Lugo queria trazer o projeto venezuelano de
Hugo Chávez para o Paraguai, que ele pôs o Estado contra os produtores
rurais, especialmente os brasileiros e seus descendentes", diz o
candidato.
Ele afirma ainda que o ex-bispo "fez vista grossa" às ações violentas
do Exército do Povo Paraguaio (EPP), "que se está tornando o
equivalente paraguaio das Farc".
As informações são do jornal O Estado de S.Paulo