terça-feira, 24 de setembro de 2013

Estado. Perigoso demagogo? Não. Apenas prêmio Nobel de economia... os tucanos brasileiros o consideram imaturo, pois não tem a sabedoria dos longos bicos.


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A liberdade de passar fome

Em nome desse princípio, republicanos defendem fim de cupons de alimentação, mas ampliam subsídios agrícolas

24 de setembro de 2013 | 2h 07
Paul Krugman* - O Estado de S.Paulo
 
"Liberdade" é um termo predominante na moderna retórica conservadora. Grupos lobistas são denominados FreedomWorks (como a organização que é um dos principais pilares do Tea Party), ao passo que a reforma da saúde é denunciada não apenas por seu custo, mas até mesmo como um ataque à liberdade. 

Entretanto, nem o presidente Franklin Roosevelt reconheceria a definição que a direita tem de "liberdade". Por exemplo, parece que o sentido da terceira de suas Quatro Liberdades - a liberdade de querer - foi completamente desvirtuado. Em particular, os conservadores acreditam que liberdade é mais um equivalente de não ter o suficiente para comer. Daí, os republicanos enraivecidos votam para cortar consideravelmente os cupons de alimentação, ao mesmo tempo em que aprovam o aumento dos subsídios agrícolas nos EUA.

De certo modo, é fácil perceber o motivo pelo qual os cupons - ou, Programa de Assistência Nutricional Suplementar (Snap, na sigla em inglês) - viraram seu alvo. Os conservadores denunciam a ideia de que a ingerência do Estado cresceu de maneira desmedida no atual governo, mas têm de encarar o fato embaraçoso de que os empregos públicos se reduziram consideravelmente, enquanto os gastos em geral caíram rapidamente como parcela do PIB. 

O Snap cresceu significativamente, e o número de americanos beneficiados aumentou de 26 milhões, em 2007, para quase 48 milhões, hoje. 

Os conservadores olham para isso e veem o que, para sua enorme decepção, não encontram em geral nos dados: o crescimento descontrolado de um programa de governo. Contudo, outros americanos veem um programa da rede de proteção que cumpre exatamente o objetivo: ele ajuda um número maior de pessoas numa época de enormes dificuldades econômicas. 

A recente explosão do Snap é realmente inusitada; por outro lado, essa também é uma época inusitada e no pior sentido. A Grande Recessão de 2007 a 2009 foi a crise mais grave desde a Grande Depressão e a recuperação que se seguiu tem-se mostrado muito fraca. Vários estudos econômicos bastante precisos mostraram que o declínio da economia explica em grande parte o aumento do uso dos cupons de alimentação. E, embora as notícias referentes à área econômica sejam em geral pessimistas, a boa notícia é que os cupons pelo menos têm ajudado a mitigar o sofrimento, impedindo que milhões resvalem na pobreza. 

E esse não é o único benefício do programa. Agora, está mais do que evidente que os cortes dos gastos numa economia deprimida só contribuem para aprofundar a crise, apesar do declínio constante dos gastos do governo. Entretanto, o Snap é o único programa que vem crescendo persistentemente, e, portanto, ajuda indiretamente a preservar centenas de milhares de empregos. 

Mas, afirmam os suspeitos de sempre, a recessão acabou em 2009. Por que a recuperação não permitiu a redução do Snap? A resposta é que, embora de fato a recessão tenha acabado oficialmente em 2009, o que se recuperou desde então foi um número restrito de pessoas no topo da pirâmide, sem que tais ganhos tenham favorecido minimamente os menos afortunados. Levando-se em conta a inflação, a renda de 1% dos americanos que estão no topo subiu 31% de 2009 a 2012; entretanto, a renda real dos 40% dos que estão na base caiu 6%. Por que razão o uso dos cupons deveria ter caído? Será que o Snap, no fim, foi uma boa ideia? 

Ou, como diz Paul Ryan, o presidente da Comissão do Orçamento da Câmara, mostra que a rede de proteção transformou-se num "balanço para embalar pessoas perfeitamente aptas para trabalhar permitindo que vivam despreocupadas na dependência do governo". 

No ano passado, os cupons de alimentação valiam, em média, US$ 4,45 por dia. Quanto às "pessoas plenamente aptas para trabalhar", quase dois terços dos beneficiários do Snap são crianças, idosos ou deficientes e a maior parte dos restantes é formada por adultos com filhos. 

Entretanto, é preciso pensar também que garantir uma alimentação adequada às crianças, em grande parte a finalidade essencial do Snap, na realidade fará com que um número maior dessas crianças tenha uma existência menos pobre e não precise da assistência do governo quando crescer. É isso que as evidências mostram. As economistas Hilary Hoynes e Diane Whitmore Schanzenbach estudaram o efeito do programa de cupons nos anos 60 e 70, quando foi progressivamente lançado em todo o país.
Elas concluíram que as crianças que receberam esse tipo de assistência nos primeiros anos de vida tornaram-se, em média, adultos mais saudáveis e mais produtivos do que os que não a receberam - e mais provavelmente deixaram de recorrer à rede de proteção.

Em resumo, o Snap é uma das melhores medidas adotadas pelo governo. Não só traz auxílio aos necessitados, como os ajuda a ajudar a si mesmos. E tem sido de grande auxílio na crise econômica, mitigando o sofrimento das pessoas e preservando empregos numa época em que grande parte dos legisladores parece determinada a fazer exatamente o contrário. 

Portanto, é fácil entender por que motivo os conservadores escolheram justamente esse entre todos os programas como alvo de sua ira. 

É preciso destacar entretanto que até mesmo alguns especialistas conservadores temem que a guerra que se trava em torno dos cupons de alimentação, principalmente se comparada ao voto que aumenta os subsídios para a agricultura, seja péssimo para o Partido Republicano, porque faz com que os republicanos pareçam seres mesquinhos, preocupados apenas em defender os próprios interesses. E é mesmo. Porque é assim que eles são.

*Paul Krugman é professor da Universidade Princeton e ganhador do prêmio Nobel de Economia de 2008.

TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA