Tese avalia a carga física de trabalho na lavoura de café
Estudo da Feagri faz um raio-X das atividades desempenhadas pelos trabalhadores do setor
O
brasileiro consome, em média, 83 litros de café ao ano, segundo dados
da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic). Cada vez que leva
uma xícara à boca, no entanto, o consumidor dificilmente se lembra de
que na base da cadeia cafeeira existe um batalhão formado por milhões de
trabalhadores rurais, que cumprem tarefas frequentemente fatigantes e,
não raro, causadoras de doenças ocupacionais. Ao contrário da maioria
dos apreciadores da bebida, o fisioterapeuta e educador físico Marco
Antônio Gomes Barbosa sempre esteve atento às atividades desempenhadas
por esses agricultores. Tanto é assim que ele investigou as
características da carga física de trabalho na lavoura café, sob a
perspectiva da ergonomia, em sua tese de doutorado, defendida
recentemente na Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp.
A
pesquisa de Barbosa foi desenvolvida com a participação de 12
trabalhadores vinculados à Associação dos Agricultores Familiares de
Santo Antônio do Amparo, cidade localizada no Sul de Minas Gerais,
região responsável pela produção de alguns dos melhores cafés do Brasil.
Os agricultores, que atuam em sete propriedades produtoras de café,
foram avaliados durante a realização de diferentes tarefas, como
adubação a lanço e foliar, desbrota, aplicação de herbicida e colheita,
entre outras. “Procuramos avaliar tanto a postura quanto as ações
operacionais dos trabalhadores”, explica o autor da tese, que contou com
a orientação do professor Roberto Funes Abrahão e coorientação do
professor Mauro José Andrade Tereso.
Segundo
o professor Mauro Tereso, o estudo fez uso de diferentes metodologias,
que se complementaram. Os cafeicultores tiveram, por exemplo, a
frequência cardíaca aferida durante o expediente de trabalho. Além
disso, as atividades foram filmadas e depois analisadas por um software
denominado CAPTIV L3000, que gerou dados estatísticos e historiogramas,
além de ter permitido uma descrição pormenorizada das tarefas
executadas. Ao final do dia, os trabalhadores também receberam
diagramas, nos quais apontavam quais regiões do corpo apresentavam dores
ou desconfortos. “Nós ainda perguntamos a esses trabalhadores que
percepção eles tinham acerca do grau do esforço despendido [leve, médio
ou severo]”, acrescenta o autor da tese.
O
uso das metodologias, entende Barbosa, enriqueceu muito o trabalho e
gerou uma massa de dados relevante, que permitiu fazer uma espécie de
raio-X das atividades desempenhadas pelos trabalhadores rurais. Um dado
importante relacionado ao estudo é que as tarefas foram cumpridas em
duas condições: em terreno plano e em terreno inclinado. A hipótese
adotada pelo pesquisador e orientadores era de que haveria diferença na
resposta fisiológica entre uma situação e outra. Para surpresa deles, no
entanto, não foram registradas diferenças estatísticas significativas.
Depois
de analisarem detidamente os dados, os cientistas concluíram que as
alterações não foram importantes por causa da estratégia de trabalho
adotada pelos cafeicultores. Conforme o professor Mauro Tereso, os pés
de café são plantados em curva de nível. Dessa forma, na maior parte do
tempo, os trabalhadores atuam em terreno plano. “Somente depois de fazer
a colheita ou adubação numa rua, por exemplo, é que eles sobem para
outra, onde vão permanecer por mais um longo período atuando em nível.
Isso significa que esses trabalhadores utilizam o conhecimento adquirido
ao longo de anos de prática para criar estratégias que ajudam a
preservar o seu corpo e energia”, afirma o docente.
Barbosa
aponta outro tipo de manobra empregada pelos cafeicultores familiares
para evitar o esgotamento físico. No caso de adubação a lanço, eles
deixam uma quantidade de adubo em cada rua de café. Somente depois é que
passam lançando o produto no solo. “Esse cuidado prévio faz com que o
trabalhador carregue menos peso durante as tarefas, o que reflete
positivamente na sua produtividade e também no gasto energético”, diz. O
autor da tese revela esperar que seu estudo possa contribuir
futuramente para que a atividade dos trabalhadores na cafeicultura ganhe
em qualidade. Isso pode se dar de algumas maneiras, como esclarece o
professor Mauro Tereso.
Uma delas é o
que os especialistas chamam de devolutiva. Em outras palavras, sempre
que possível os integrantes dos grupos liderados pelos professores Mauro
Tereso e Roberto Abrahão compartilham os resultados das pesquisas com
as pessoas que colaboraram com elas. O objetivo é fazer com que o
conhecimento gerado pelos estudos possam ser apropriados e utilizados,
em alguma medida, por esses colaboradores. Em novembro, Barbosa fará a
apresentação da sua tese na Associação dos Agricultores Familiares de
Santo Antônio do Amparo. “Queremos que os principais dados apurados
cheguem de forma clara ao conhecimento dos trabalhadores rurais daquela
região. Espero que a iniciativa possa contribuir para a melhoria das
condições de trabalho deles”, imagina o autor da tese.
CONCEITOS ERGONÔMICOS
Segundo
o professor Mauro Tereso, a pesquisa também pode colaborar ao oferecer
elementos para que projetistas concebam ferramentas e equipamentos
dotados de conceitos ergonômicos. “Esse aspecto é muito importante. Está
comprovado que os projetos que contam com a participação de um
ergonomista apresentam melhores resultados, visto que a possibilidade de
erro é menor e a necessidade de promover eventuais correções, também”,
pontua o docente da Feagri. Por último, mas não menos importante, a tese
de Barbosa também pode fornecer subsídios para a definição de políticas
públicas que concorram para oferecer melhores condições de trabalho no
campo, na cafeicultura em particular.
Embora
a questão da epidemiologia não tenha feito parte da pesquisa, o
professor Mauro Tereso lembra que o trabalho na agricultura é um dos que
acarretam, no Brasil, um elevado índice de doenças ocupacionais.
“Lembrando que as informações sobre esse setor não são as mais precisas,
pois no país ainda há um enorme contingente de trabalhadores rurais sem
carteira de trabalho assinada. Com isso, a notificação sobre doenças
ocupacionais ou mesmo acidentes de trabalho fica aquém do que realmente
acontece”.
O trabalho desenvolvido
por Barbosa foi indicado pela Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade
Federal de Lavras (UFLA), onde ele é docente, para representar a
instituição no prêmio Péter Murányi, que é gerido pela fundação de mesmo
nome. Concedido anualmente, o objetivo da premiação é distinguir, em
sistema de rodízio, iniciativas inovadoras nas áreas de educação, saúde,
alimentação e desenvolvimento científico & tecnológico. A edição de
2014 contemplará um projeto ou pesquisa na área da Saúde.
Para
Barbosa, somente o fato de a tese ter sido indicada pela UFLA para
concorrer ao Péter Murányi já representa um importante reconhecimento ao
trabalho. “Fico muito satisfeito, pois sempre tive uma atenção especial
em relação aos trabalhadores na lavoura do café. Numa reunião que tive
com representantes dessa categoria, um deles me disse algo que me deixou
muito satisfeito. Segundo ele, normalmente os cientistas vão para a
plantação e enxergam o café, mas eu fui para o campo e enxerguei os
trabalhadores”, conta. Além disso, a tese de Barbosa também despertou o
interesse de pesquisadores do Centro de Estudo de Café da própria UFLA,
que deverá aproveitar os dados gerados em novas investigações.
De
acordo com o professor Mauro Tereso, o projeto de pesquisa desenvolvido
na Feagri foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo (Fapesp). Já Barbosa contou bolsa concedida pela
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes),
órgão vinculado ao Ministério da Educação.
Publicação
Tese: “Caracterização da carga física de trabalho na cafeicultura do Sul de Minas Gerais”
Autor: Marco Antônio Barbosa
Orientador: Roberto Funes Abrahão
Coorientador: Mauro Tereso
Unidade: Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri)