Por Janaina Conceição Paschoal, advogada e professora livre docente de Direito Penal na USP
Muito se tem falado da Teoria do Domínio do Fato nos últimos tempos. Há quem a identifique com o nazismo, e há outros que, mesmo não indo tão longe, aproximam-na da responsabilidade objetiva, mediante a qual uma pessoa é penalizada pelo cargo que ocupa. Nesse debate, também há intervenções que findam por relacionar a Teoria do Domínio do Fato à teoria da prova — por conseguinte, não são poucos os analistas que, defendendo ou criticando, aduzem que a Teoria do Domínio do Fato admitiria condenação com fulcro em indícios. Em um primeiro momento, soa salutar que uma questão tão afeta aos Manuais de Direito Penal esteja sendo largamente discutida pela sociedade. Diferentemente de grande parte dos acadêmicos, vejo com bons olhos essa apropriação do técnico pelo homem comum. Como admiradora da obra de Jurgen Habermas, acredito que a democracia não se faz apenas nos gabinetes. Não obstante, não é possível calar diante das impropriedades que vêm sendo propaladas acerca de tão antiga e assentada teoria. Se as imprecisões fossem arguidas pelos profissionais envolvidos em determinada causa, na tentativa de defender seus clientes, não seria caso de fazer reparos. Ocorre que os impropérios vêm sendo anunciados, nos mais diversos meios de comunicação, por pessoas que não têm envolvimento direto na defesa de quem quer que seja e, por conseguinte, gozam de maior confiabilidade, dada a isenção. O resultado disso é que a população está recebendo informações equivocadas acerca da Teoria do Domínio do Fato, que está umbilicalmente ligada à responsabilidade subjetiva.
Muito se tem falado da Teoria do Domínio do Fato nos últimos tempos. Há quem a identifique com o nazismo, e há outros que, mesmo não indo tão longe, aproximam-na da responsabilidade objetiva, mediante a qual uma pessoa é penalizada pelo cargo que ocupa. Nesse debate, também há intervenções que findam por relacionar a Teoria do Domínio do Fato à teoria da prova — por conseguinte, não são poucos os analistas que, defendendo ou criticando, aduzem que a Teoria do Domínio do Fato admitiria condenação com fulcro em indícios. Em um primeiro momento, soa salutar que uma questão tão afeta aos Manuais de Direito Penal esteja sendo largamente discutida pela sociedade. Diferentemente de grande parte dos acadêmicos, vejo com bons olhos essa apropriação do técnico pelo homem comum. Como admiradora da obra de Jurgen Habermas, acredito que a democracia não se faz apenas nos gabinetes. Não obstante, não é possível calar diante das impropriedades que vêm sendo propaladas acerca de tão antiga e assentada teoria. Se as imprecisões fossem arguidas pelos profissionais envolvidos em determinada causa, na tentativa de defender seus clientes, não seria caso de fazer reparos. Ocorre que os impropérios vêm sendo anunciados, nos mais diversos meios de comunicação, por pessoas que não têm envolvimento direto na defesa de quem quer que seja e, por conseguinte, gozam de maior confiabilidade, dada a isenção. O resultado disso é que a população está recebendo informações equivocadas acerca da Teoria do Domínio do Fato, que está umbilicalmente ligada à responsabilidade subjetiva.
Preocupo-me,
especialmente, com os jovens juízes e também com os jovens membros do
Ministério Público, que, induzidos a erro, poderão realmente acreditar
que alguém possa ser acusado e condenado sem provas e que tal
arbitrariedade se dê com fulcro na Teoria do Domínio do Fato. Situação
que, para uma penalista, soa como verdadeira heresia. Qualquer aluno
iniciante no Direito Penal, ao estudar o concurso de pessoas, entra em
contato com a Teoria do Domínio do Fato. Já em 1992, quando eu cursava o
segundo ano da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, na
disciplina Direito Penal-Parte Geral, o saudoso Professor Antônio Luís
Chaves Camargo discorria sobre tal teoria com absoluta familiaridade. Em
1996, quando eu estava no quinto ano da Faculdade, o Professor Miguel
Reale Júnior, na disciplina Temas Fundamentais de Direito Penal,
revisitou o concurso de agentes, tratando largamente da Teoria do
Domínio do Fato. Seguindo o exemplo de meus mestres, também eu, desde
que comecei a dar aula de Direito Penal, explico aos meus alunos que o
concurso de pessoas, também designado por concurso de agentes, está
completamente centrado na Teoria do Domínio do Fato.
Com
efeito, diz-se que há um concurso de agentes quando um mesmo crime é
cometido por mais de uma pessoa. Assim, quando um grupo se une para
matar alguém, ou para roubar um banco ou para desviar dinheiro público,
está-se diante de um concurso de agentes no homicídio, no roubo, ou no
peculato. O fator que determina o concurso de agentes é a unidade de
desígnios, a vontade de unir-se a outrem para a prática de um crime.
Todos os concorrentes devem querer a consecução do delito. Uma vez
constatado o concurso de agentes, faz-se necessário estabelecer o papel
de cada um dos concorrentes. Nosso ordenamento jurídico, a doutrina e a
jurisprudência admitem duas possibilidades: o concorrente pode ser
coautor, ou partícipe. É aqui que entra a Teoria do Domínio do Fato.
Destaque-se
que ela não tem nada a ver com responsabilidade objetiva nem com
provas. A Teoria do Domínio do Fato se aplica no momento de verificar se
um determinado concorrente, em um determinado crime, tinha ou não
domínio sobre o fato. Se ficar definido que ele tinha esse domínio,
está-se diante de um coautor; se ficar definido que ele não tinha tal
domínio, está-se diante de um partícipe.
O coautor e o partícipe
O partícipe é o agente (ou concorrente) que, apesar de não ter realizado o verbo do crime (ele não esfaqueou, não recolheu o dinheiro, não realizou diretamente o desvio…), auxiliou, induziu, ou instigou o outro a realizar. A análise da jurisprudência mostra que, em casos de roubo a bancos, ou a residências, muito se discute se o agente (ou concorrente), que ficou do lado de fora, deve ser tratado como coautor ou como partícipe; e o critério para essa definição é justamente a existência de domínio sobre o fato. Esse domínio, na maior parte das vezes, é determinado com base na natureza essencial, ou não, da colaboração daquele sujeito para o sucesso da empreitada criminosa. Isso significa dizer que, se os demais agentes puderem consumar o roubo independentemente da colaboração do sujeito que ficou aguardando do lado de fora, está-se diante de um partícipe. Por outro lado, se a colaboração desse sujeito for essencial à consumação do delito, está-se diante de coautoria.
Importante
destacar que, seja na condição de coautor, seja na condição de
partícipe, o concorrente sempre responde pelo crime na medida de sua
culpabilidade, como manda o Artigo 29 do Código Penal, o qual, em seus
parágrafos, prevê situações em que o partícipe pode receber punição mais
branda que os autores ou coautores. Percebe-se que, ao avaliar uma
determinada situação concreta, quando o intérprete chega à Teoria do
Domínio do Fato, ele já está convicto de que há provas para incriminar o
concorrente, ou seja, provas de que havia unidade de desígnios, de que
ele queria a prática do delito. O desafio é apenas definir qual a
natureza do papel desempenhado: coautoria ou participação.
Em seu
artigo 62, Inciso I, o Código Penal até possibilita que aquele que não
se envolveu diretamente na consecução do crime seja punido de maneira
agravada com relação aos demais concorrentes caso tenha promovido,
organizado, ou dirigido a atuação dos demais. Apenas a fim de evidenciar
que a Teoria do Domínio do Fato não tem nada de novo no nosso
ordenamento, transcrevem-se trechos de algumas obras, chamando a atenção
para o fato de haver livros do final da década de 90 tratando
naturalmente do tema.
“Pode
suceder que, num delito, concorram vários autores. Se os vários autores
concorrem de forma que cada um deles realiza a totalidade da conduta
típica, como no caso de cinco pessoas que desferem socos contra uma
sexta, todos causando nela lesões, haverá uma coautoria que não admite
dúvidas, pois cada um tem o domínio do fato quanto ao delito de lesões
que lhe é próprio. Mas também pode acontecer que os fatos não se
desenrolem desta maneira, mas que ocorra uma divisão de tarefas, o que
pode provocar confusões entre a coautoria e a participação. Assim, quem
se apodera do dinheiro dos cofres de um banco enquanto outro mantém todo
o pessoal contra a parede, sob ameaça de revólver, não está cometendo
um furto (art. 155 do CP), e outro delito de constrangimento ilegal
(art. 146 CP), mas ambos cometem um delito de roubo à mão armada (art.
157, § 3º., I, do CP; exemplo de Stratenwerth). Quando três indivíduos
planejam matar um terceiro, e, enquanto dois deles o subjugam, o
terceiro o apunhala, tampouco há um autor de homicídio, sim três
co-autores.
A
explicação, para esses casos, é dada pelo chamado “domínio funcional do
fato”, isto é, quando a contribuição que cada um traz para o fato é de
tal natureza que, de acordo com o plano concreto do fato, sem ela, o
fato não poderia ter sido realizado, temos um caso de coautoria e não de
participação. Isto deve ser avaliado em consonância com cada fato
concreto e tendo em conta o seu planejamento. Assim, não se pode dizer a
priori se o chamado “campana” é autor (coautor) ou partícipe, a não ser
diante da modalidade operativa do delito: se o campana facilita a
consumação de maneira a torná-la mais rápida, será partícipe, mas, se na
sua falta, o fato não pudesse ter sido cometido, será um coautor”
(Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, Manual de Direito
Penal Brasileiro – Parte Geral. 2ª. Ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1999, p. 672/673, grifamos).
“Com
as modificações introduzidas em 1984 com relação ao concurso de
pessoas, quebrou-se a rígida perspectiva objetiva, temperando-se a
referência ao nexo de causalidade como critério indicativo da realização
da coautoria. Acrescentou-se ao final do art. 29 a expressão “na medida
de sua culpabilidade”, que já fora sugerido por FRAGOSO em suas
críticas ao Anteprojeto Nelson Hungria. Se a norma do concurso de
pessoas é uma norma integrativa, extensiva, em que ações atípicas ganham
relevo típico, por se incluírem em um todo unitário doador de sentido
para cada uma das ações, há diferenças de atuação, sendo que quanto mais
emerge a posição do autor, mais se atenua a dos demais, e por
comparação verifica-se a contribuição de cada um dos participantes.
Assim, conforme o grau de participação maior ou menor será a reprovação,
com o que a dicção legislativa adequa-se à Teoria do Domínio do Fato…
Mantiveram-se, por outro lado, as circunstâncias agravantes do concurso
de pessoas previstas no art. 62 do Código Penal e relativas àqueles que
detêm superior domínio do fato, como domínio da vontade, por promover ou
organizar a cooperação delituosa…” (Miguel Reale Júnior, Instituições
de Direito Penal: Parte Geral, V.I, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.
318/319, destaques nossos).
“Nos
crimes dolosos, a doutrina moderna tem caracterizado como autor quem
tem o domínio final do fato, no sentido de decidir quanto à sua
realização e consumação, distinguindo-se do partícipe, que apenas
cooperaria, incitando ou auxiliando. A tipicidade da ação não seria,
assim, decisiva para caracterizar o autor. Necessário seria ter o agente
o controle subjetivo do fato e atuar no exercício desse controle
(Enrique Cury). Assim, seria o autor não apenas quem realiza a conduta
típica (objetiva e subjetivamente) e o autor mediato (cf. nº 246,
infra), mas também, por exemplo, o chefe de uma quadrilha que, sem
realizar a ação típica, planeja e decide a atividade dos demais, pois é
ele que tem, eventualmente em conjunto com os outros, o domínio final da
ação. Embora essa concepção possa efetivamente representar mais exata
caracterização da autoria, em correspondência com a realidade dos fatos,
entendemos que deve ser mantida a chamada teoria formal objetiva, que
delimita, com nitidez, a participação e autoria, completada pela ideia
de autoria mediata Autor é quem realiza, no todo ou em parte, a ação
incriminada que configura o delito, em seu aspecto objetivo (tipo
objetivo) e subjetivo (tipo subjetivo). Com exceção dos casos de autoria
mediata, é a realização da conduta típica que caracteriza a autoria”
(Heleno Cláudio Fragoso. Lições de Direito Penal: Parte Geral, 16ª Ed.,
Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 313, 314, atualização de Fernando
Fragoso, grifamos).
“e)
Conceito finalista de autor – fundamenta-se na doutrina finalista da
ação, formulada por Welzel. Define o autor como aquele que tem o domínio
finalista do fato (delito doloso). No caso de delito culposo, autor é
todo aquele que contribui para a produção do resultado que não
corresponde ao cuidado objetivamente devido. Todo aquele que participa
da finalidade (delito doloso) e toma parte na divisão do trabalho é
coautor. A consequência de os autores terem o domínio do fato é
decorrente de sua qualidade de autor. Separa-se em termos conceituais a
noção de autor e de executor. No caso, por exemplo, de autoria mediata, o
autor não executa a tarefa, utiliza-se, para tanto, de outro. O
partícipe não possui a finalidade característica do autor, restringe-se a
colaborar, contribuir, com atividades secundárias e complementares (no
“empreendimento”), na ação delitiva do autor. Entende-se, ainda, que
esse conceito de autor não é decorrência do conceito de ação, mas da
concepção de injusto que inspira o Código. Tem-se como preferível o
agasalho de um conceito misto, isto é, um objetivo-formal, como impõe a
estrita legalidade penal, sendo autor aquele que realiza a conduta
típica, complementado por um critério material, representado pelo
conceito finalista de autor, com algumas correções. Assim, para a mais
cabal delimitação entre coautoria e participação o critério roxiniano do
domínio funcional do fato parece ser o mais acertado” (Luiz Regis
Prado. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, v. 1, 12ª. Ed.,
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 569, grifamos).
Teoria do Domínio da Organização
Talvez, esteja havendo certa confusão entre a Teoria do Domínio do Fato e a Teoria do Domínio da Organização. É essa teoria, elaborada por Claus Roxin, que prega que, no âmbito de uma organização criminosa, o líder, ao instituir determinadas normas, responderá pela atuação de qualquer membro do grupo que tenha praticado crimes seguindo referidas normas. Costumo dar o seguinte exemplo em sala de aula: “Imagine que o chefe de uma organização mafiosa determine que qualquer membro do grupo, que venha a dormir com a mulher de um parceiro deverá ter seu pênis decepado. Caso um dia, um membro do grupo criminoso, ao flagrar um parceiro com a esposa de outro, venha a concretizar a norma posta pelo líder, este poderá ser responsabilizado. Pressupõe-se, portanto, que o líder da organização criminosa tem o domínio sobre todos os fatos perpetrados com base em suas regras, ainda que não tenha conhecimento de um ato específico.
A teoria
domínio da organização NÃO se confunde com a Teoria do Domínio do Fato. O
autor português Jorge Figueiredo Dias deixa bem evidente tal
diferenciação.
“Com
o exposto não se pretende afirmar que o domínio-da-organização se possa
aplicar a todo o âmbito do crime organizado. Logo na sua primeira
formulação, Roxin fazia depender o funcionamento daquela categoria da
circunstância de se acharem preenchidos três requisitos: 1) trata-se de
um aparelho organizado de poder, com uma estrutura hierarquizada rígida;
2) verificar-se uma efetiva fungibilidade do autor imediato, o que
implica possuir a organização em causa uma certa dimensão, e, 3), por
fim, haver-se o aparelho de poder desligado da ordem jurídica, optando,
como um todo, pela via criminosa.
A
partir daqui Roxin concretizou tais requisitos isolando as duas
situações-tipo em que o domínio-da-organização pode, em seu entender,
funcionar como fundamento da autoria mediata: por um lado, a hipótese de
uma organização política, militar ou policial que se apodera do
aparelho de Estado; e de que podem constituir exemplos – infelizmente
entre tantos outros – o sistema nacional-socialista alemão, o regime
comunista da RDA ou as ditaduras militares da América Latina; e, por
outro lado, movimentos clandestinos, organizações secretas e associações
criminosas que têm objetivos adversos à ordem jurídica estabelecida e,
pelo poder de que dispõem, como que constituem um “Estado dentro do
Estado”.
A
estes dois casos se resumiria, pois, o campo de aplicação do
domínio-da-organização. Para além deles, não se encontrariam preenchidos
os três pressupostos acima indicados, pelo que, mesmo em se tratando de
criminalidade organizada, apenas poderiam intervir os demais critérios
do domínio-do-fato…” (Jorge de Figueiredo Dias. Questões Fundamentais do
Direito Penal Revisitadas, São Paulo: RT, 1999, p. 366).
É verdade
que Claus Roxin chegou a rever essa sua teoria (a do domínio da
organização). No entanto, seu arrependimento não se deu por força de sua
aplicação às organizações criminosas. O arrependimento do autor se
verificou porque sua teoria foi erroneamente aplicada no âmbito da
criminalidade econômica, punindo-se, por exemplo, o presidente de uma
empresa, que tem finalidade lícita, por um suposto crime ocorrido na
ponta (pode-se pensar em um não recolhimento de tributo, uma infração
ambiental, ou mesmo um crime contra o consumidor). Em outras palavras, o
que incomodou o autor foi o fato de uma teoria criada para ser aplicada
a organizações precipuamente voltadas para o crime ter sido desviada
para punir pessoas ligadas a instituições com finalidade lícita. Aqui
sim, seria possível vislumbrar responsabilidade objetiva.
O mensalão
Mesmo sem analisar os autos, é possível afirmar que, no caso do mensalão, apesar de todo alarde feito, não houve aplicação da polêmica teoria da qual Claus Roxin se arrependeu, qual seja, a Teoria do Domínio da Organização.
E é
possível fazer afirmação tão categórica porque, se tivesse sido aplicada
tal teoria, o réu apontado como líder, no caso do mensalão, não teria
sido condenado apenas por corrupção e por quadrilha; ele teria sido
condenado por todos os crimes perpetrados pelo grupo, ou seja, por
peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva,
evasão de divisas e gestão fraudulenta de instituição financeira. Isso
porque, uma vez criada a estrutura, uma vez elaboradas as engrenagens,
postas as normas, presume-se que o líder tinha o controle sobre TODOS os
atos criminosos.
Contrariamente
ao que vem sendo afirmado, uma decisão judicial que procura estabelecer
as responsabilidades dos diversos intervenientes em um crime, com base
na Teoria do Domínio do Fato, é uma decisão garantista, que segue à
risca o Artigo 29 do Código Penal, segundo o qual o agente deverá ser
responsabilizado na medida de sua culpabilidade. E isso eu não estou
dizendo agora, por força da celeuma criada em torno do mensalão. Eu
escrevi que a Teoria do Domínio do Fato está relacionada à garantia da
responsabilidade penal subjetiva em 2009, quando depositei minha tese de
livre-docência, intitulada Ingerência Indevida, posteriormente
convolada em livro. Aliás, ainda que discorde de alguns posicionamentos
adotados pelo Supremo Tribunal Federal, durante o julgamento do
mensalão, é impossível deixar de reconhecer a total observância de todas
as garantias individuais. Em muitos momentos, deve-se dizer, essa
observância foi muito maior que a verificada em qualquer outro caso
neste país.
E,
independentemente do resultado do julgamento dos embargos infringentes,
dadas as condenações já definitivas, tem-se que, com certeza, no futuro,
quando empresários forem convidados a participar de algum grande
esquema por sujeito (s) poderoso (s), pensarão duas vezes, pois
lembrarão que eles, nesse caso, partes mais fracas, são punidos com
décadas, enquanto os poderosos, justamente pela aplicação da garantista
Teoria do Domínio do Fato (e aqui não estou dizendo com tom de crítica),
recebem pena infinitamente inferior, ao que tudo indica, a ser cumprida
em regime bem mais brando. Não deixa de ter um efeito preventivo.